sábado, 29 de novembro de 2008

Manual de instrução para entender – ou não – um filme de David Linch


1 – Acorde de preferência depois das 11h ou meio-dia, é preciso estar descansado;
2 – Almoce algo leve, umas folhinhas de alface, uma colher de arroz, um pedacinho de frango, no máximo um filezinho de coelho;
3 – Passe o dia fazendo qualquer coisa, de preferência pensando pouco e andando muito (para oxigenar o cérebro);
4 – Recuse a todos os convites para baladas, missas, e outros "balagandãs";
5 – Prepare o ambiente, um puf bem confortável, mas sem pipoca, please;
6 – Espere a cidade dormir;
7 – Tranque todas as portas (é possível que elas se abram no meio do filme e te levem para algum outro lugar);
7.1 - Não dê ouvidos aos ruídos, olvide-os;
8 – Acomode-se, ligue o DVD, e esqueça que faz parte desse mundo;
9 – Não fique procurando pistas no filme, elas no máximo te levarão a outras pistas, que te levarão a outras pistas, que te levarão a...
9.1 – Se começar a entender o filme, tome cuidado, isso pode ser perigoso, e as conseqüências desastrosas;
9.2 - Ainda não esqueça os tremas ¨ de conseqüências; pois eles ainda não foram abolidos, nem elas;
10 – Não espere que a mulher com a cabeça de coelho te diga alguma coisa ou apareça subitamente ao seu lado, ela é uma estrela norte-americana;
11 – Se o telefone tocar no meio da projeção, não atenda, pode ser alguém do filme pedindo para você diminuir o volume, ou olhar para tela para que veja você mesmo com cara de personagem assustado; Talvez seja só um amigo pedindo dinheiro emprestado; de qualquer forma não vale a pena atendê-lo: ele emprestaria para você?
11.1 – Se você recebeu o vídeo pelo correio é melhor nem ligar, pode surpreender-se com algo pavoroso, você;
12 – FIM DO FILME: repita 5 vezes para você mesmo: “Eu não estou louco”.
13 – Não esqueça de desligar a televisão, mas não tenha medo, se o filme for de Linch e não de Tobe Hooper, do Poltergeist.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

FILOSOFIA DO SOLUÇO



Uma pessoa que soluça nunca sabe se vem de dentro ou de fora. Tem mais motivos para pensar na angústia que um filósofo durante uma conversa com outro filósofo, pelo menos até o momento em que um deles tenha começado a soluçar. Enquanto o “soluçante” ou “soluçador” tenta todas as simpatias, comer chocolate, tomar vinte goles de água (o que poderia fazer passar até uma terrível dor de cabeça – é claro, ela desceria para a barriga! Diria até o mais ignorante), trancar a respiração, enquanto faz tudo isso, nem sabe que momento grandioso é esse que experimenta, mais curioso que o espirro e a perna amortecida. Sempre achei mais interessante a hipótese do susto. Mais interessante e mais absurda também (as coisas absurdas geralmente me soam muito interessantes), já que o susto é quase impossível quando premeditado, salvo o grito inesperado de um experimente algoz. Mas o que se esconde por traz do soluço? Uma filosofia, quem diria. Penso: o que leva alguém a filosofar sobre o susto? Só alguém que é apaixonado por cacos, cacoetes e outros mafuás. Poderiam deduzir: é apaixonado por soluços. Ledo engano. Quem poderia gostar? O soluço é uma das coisas mais inúteis que conheço. No entanto, talvez por sê-lo, seja tão curioso. Quem perderia tempo pensando nele? Talvez Manoel de Barros já tenha poemado sobre o soluço, ou coisa parecida, o que cobriria de encantos até o soluço mais monstruoso ou aquele mais demorado, que vai e volta várias vezes ao longo do dia. Mas não percamos tempo, vamos direto ao soluço. Conheci um vizinho que gravava o próprio soluço e ficava ouvindo várias vezes depois . Outro, não menos doido, contava os segundos entre um e outro, como a criança que conta o intervalo entre o raio e o trovão para tentar perceber o final da chuva. O primeiro vizinho, aquele que gravava os soluços, começou a contá-los, fazendo uma tabela, e catalogá-los quanto à intensidade e duração. Talvez sejam uns malucos. Não sei como não se envergonharam do fato ainda. Pensando bem, devo admirá-los, pois vejo tanta insensatez naquelas atividades quanto num texto como esse que escrevo. Ainda nem sei por que resolvi escrever isso. Talvez para esperar que o meu soluço passe.

sábado, 15 de novembro de 2008

meu porquinho da índia

O primeiro poema que eu fiz eu copiei de uma antologia da Cecília Meireles. Era para impressionar uma namorada. Não é bem isso, ela ainda não era minha namorada, mas eu imaginava que, ao escrevê-lo e mostrá-lo, teria chance maior de ganhar um beijo. E se ela gostasse do beijo, talvez me desse outro, e se ela gostasse do beijo e do poema, talvez me namorasse. Sim, foi o primeiro poema que escrevi. Eu copiei de uma antologia da Cecília Meireles. Nunca tinha contado isso para ninguém, talvez por medo de desmistificar o acontecimento, transformando minha estreia num imperdoável plágio. A Cecília não me perdoaria nunca. Talvez o fato de já me imaginar poeta naquele tempo, mesmo sem nunca ter escrito um poema, com exceção daquele que copiei de uma antologia de Cecília Meireles, me ajudou a buscar a poesia. Talvez para continuar mantendo a ideia de que de aquilo que eu fiz, a cópia, era meu primeiro poema. Talvez, ao ler essas linhas, ela agora lembre o primeiro poema que escrevi para ela e para mim. Talvez ria. Talvez lembre quem era, quem éramos. Não são poucas as vezes que pensei nesse poema, não menos declamei, aos berros quando estava atônito, em silêncio, quando queria lembrar de meu primeiro poema, de minha primeira namorada, e em afago quando queria lembrar quem fui.