terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

potlatch porteño: Haikus de César Aira



No ensaio "Psicologia do Dinheiro", George Simmel apresenta a semelhança psicológica entre a noção de Deus e a representação do dinheiro na sociedade moderna: "O tertium comparationis é o sentimento de paz e de segurança, que a posse do dinheiro justamente garante, em contraste com todas as outras formas de posse, e que, de um ponto de vista psicológico, corresponde àquilo que o homem deve encontra no seu Deus". Para Simmel, o dinheiro, tal como Deus na forma da fé, é a "máxima abstração" a que se alçou a razão prática na forma do concreto. Interessante perceber a atenção que Simmel dá ao dinheiro no processo de modernização da nossa cultura. Impossível entender o mundo moderno sem considerar nele o papel do dinheiro (seja de papel ou outros formatos). A literatura também faz do dinheiro um de seus temas mais recorrentes.
O crítico Victor da Rosa, no texto em que descreve o encontro que teve com Cesar Aira ("Um encontro com César Aira"), relembra o momento em que falou ao escritor argentino que achava divertida e também um pouco perversa a maneira como o dinheiro aparece em seus livros. Ao comentário, Aira observou que, de fato, o dinheiro é um dos grandes temas da literatura. Os outros seriam o amor, o dinheiro e o nazismo.  Na literatura argentina, basta lembrar de "Plata Quemada", de Ricardo Piglia.
Um dos livros de Aira no qual aparece com frequência o dinheiro é "Haikus". Mais do que aparecer com frequência, nele o dinheiro é o eixo sobre o qual se move toda a narrativa. "Haikus" é uma brevíssima novela que se aproxima da forma poética japonesa do haikai não apenas pelo tamanho, mas também pelo fato de nela o "enredo" mover-se pela lógica das quatro estações. O livro traduzido pelo Carlito Azevedo foi lançado no Brasil pela editora Pipa Livros, em uma pequena tiragem numerada. A que tenho em mãos é de número 120.
Trata-se de um conjunto de cartas em que o narrador, desesperadamente, tenta cobrar uma dívida de alguém. Não sabemos quem é o narrador, muito menos o devedor. Nada acontece no livro, a não ser a tentativa desesperada do pagamento da dívida ao lado de uma impressão apocalíptica de fim de mundo, aliada ao fim da História, já que falar do tempo é uma obsessão do narrador; e quando um dos nossos únicos assuntos é o clima, talvez já não faça tanto sentido o "sentido" de História. À medida que o livro corre e a dívida não é saldada, o narrador tem surtos de ira. Assim como ele, ficamos na espera de algo.  O dinheiro no livro de Aira é o Godot que nunca vem. Quem leu "Haikus", como eu, deve ter lembrado de Beckett também. Como o Godot é uma espécie de Deus, na peça, não nos custa imaginar, no livro, o dinheiro do narrador como sendo uma espécie de Deus. Como vimos, Simmel soube, com boa percepção, detectar uma afinidade entre as duas coisas.
Como Vladimir e Estragon, o narrador de Aira repete repete repete, no entanto, estamos agora diante de um personagem mais impaciente. O narrador de "Haikus" repete a cobrança, gastando a palavra e a paciência: "Será possível que ainda tenha que repetir, grandíssimo escroto, filho de mil putas? Com você, repetir é a única forma de falar. Vamos ver se me entende de uma vez: Pague o dinheiro que me deve. Pague e me calo para sempre". Naturalmente, o que alimenta a escrita aqui é a dívida. Sem ela, não haveria o livro. Com a sua quitação, a prosa acaba.
Ao contrário do personagem que deseja recuperar o seu dinheiro para comprar um par de sapatos (a quantia, nota-se, é irrisória. Depois, com a desvalorização da moeda, ele decide por apenas um ou dois pares de meia), Aira gasta a escrita de forma simbólica. Quem acompanha a trajetória do escritor argentino, percebe que a noção de despesa - tal como pensou Bataille a partir de Marcel Mauss - parece fazer parte de sua estratégia literária. Aliás, Bataille, no texto em que discute o "Ensaio sobre a Dádiva", de Marcel Mauss, observa que a poesia (poderíamos estender aqui para a literatura) é uma espécie de despesa simbólica que, por sua vez, faz parte das formas improdutivas no universo da produção. Bataille lembra que a poesia, que se aplica às formas menos degradadas, menos intelectualizadas da expressão de um estado de perda, pode ser considerada "como sinônimo de despesa: significa com efeito, de modo mais preciso, criação por meio de perda". Como uma espécie de brincadeira, gosto de pensar que, como em um ritual de puro gasto - potlatch porteño -, Aira produz uma literatura que poderíamos pensar a partir do princípio da "economia do dom". Com quase 80 livros publicados - a maioria deles em editoras pequenas - Aira recupera a noção de despesa de Bataille, fazendo do excesso e do gasto um princípio vital e um modo de reestabelecer a ligação da literatura com a potência.   
Carlito Azevedo, no "biograma" que escreve para Aira, nas últimas páginas de "Haikus", observa que nem chega a surpreender que quando anunciaram ao escritor a tradução, o autor manifestou o desejo de não receber nada pelo livro. O "livrinho"seria "un regalo para sus amigos brasileños". Como não ver aqui a imagem de um potlatch?

obs: Gasto! gasto! gasto tudo aqui. Talvez a crítica, assim como a literatura,  possa funcionar a partir do princípio da economia do dom. Estaríamos diante daquilo que Ana Cristina Chiara chamou de Leitura Malvada: "Ler para o gasto de si mesmo e do outro. Lê-se, então, para que se dê a comunicação forte, não submetida à ordem da economia produtiva. Leitura em que a experiência estética compartilha com a atividade erótica, com o jogo, mas também com o submundo do lixo, do resto, dos refugos sociais, seu caráter de resistência à utilidade prática. Não há derivativos possíveis desse gesto. Não há aplicabilidade direta, fórmula, receita". 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Eflúvios


Na foto, sem data, o poeta-mago Dario Vellozo

para Ariete Nasulicz

a luz que em cima e ao lado
feito fosse um alaúde ou lira
tange e emana
sutis e sidéreos eflúvios
acordes vibram

para quem lê ou sente
os sons dessa serpente
altissonantes vibram
docemente

almas afins
regam de cor e som
a síntese alquímica dos contrários
regato que perdura
para além do bem e do mal

pousa na terra a esfumatura da nuvem celeste
e aterra no céu o seu tom sideral

c.moreira

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Máquina poética (profética) de produzir crítica



De um lado encontramos o anjo (poeta), fazendo da criação o sentido do seu existir, de outro o profeta (crítico), salvando a obra de criação (para usar dois termos caros a Giorgio Agamben no texto "Criação e Salvação"). Agora, no entanto, estamos diante de um profeta que também é anjo, ou de um anjo que também é profeta. Criação e salvação são atos que habitam um mesmo corpo, um corpo que poderíamos chamar aqui, a título de ilustração, de ensaio. Se o poema para Roberto Corrêa dos Santos é ensaio-crítico-teórico-experimental, o ensaio de Pucheu, lendo Roberto, é teoria-crítico-poética-experimental.
Como produzir um ensaio sobre a poesia senão com imaginação e com o tino de poeta? A escrita aqui, repetindo e diferindo, faz ao mesmo tempo poesia-crítica-cinema-teoria-ensaio-experimental. Pucheu encena e filma o seu próprio teatro. 
Alberto Pucheu, no ensaio intitulado Roberto Corrêa dos Santos: O poema contemporâneo enquanto o "ensaio teórico-crítico-experimentak", publicado em 2012, mergulha no trabalho crítico-criativo do professor e poeta/artista Roberto Corrêa dos Santos.  A alusão ao mergulho aqui não pressupõe necessariamente uma licença poética materializada na metáfora, mas uma ação de leitura/escrita que propõe um corpo a corpo com a própria crítica. Nesse sentido, talvez fosse mais pertinente pensar o livro como um mergulho não apenas no trabalho de Roberto, mas também na crítica do próprio Pucheu.
Trata-se de um livro que toma e é tomado por uma experiência poética e crítica que é uma experiência de crítico e poeta. Portanto, o mergulho não é tomado aqui como um trabalho exaustivo interessado em esgotar o seu objeto, dissecando todas as suas partes, mas como uma ação capaz de tornar indiscerníveis não apenas os limites entre crítica e poesia, mas também os limites entre os trabalhos de Roberto e Pucheu. Poeta que fala de poeta, crítico que fala de crítico, poeta-crítico que fala de poeta-crítico. Texto que se contamina e se contagia com texto: "Escrever sobre o que se lê é ir tornando seu e do outro aquilo antes apenas pressentido, mas sem força de existência, de uso ou de intercâmbio".
Ao invés de escrever "sobre" Roberto Corrêa dos Santos, Pucheu escreve "com" ou mesmo "em", fazendo da leitura uma "sobre-escrita", um ensaio de "mais-valia", fazendo do objeto com o qual escreve ou àquele  no qual escreve um corpo tatuado que lhe deve "sobrevida". De um lado o leitor é convidado a experimentar o pensamento de Roberto Corrêa dos Santos, de outros é chamado a vislumbrar a escritura do poeta-ensaísta, que como vimos não fala de fora, mas de dentro do próprio texto que lê. De um lado o leitor é chamado a visualizar os livros-objeto de Roberto, refletindo sobre os limites entre arte e pensamento, de outro é seduzido pelo crítico que, enquanto lê, escreve, presentificando em seu tecido uma concepção de crítica profética (poética) que não apenas "salva" a obra angelical de criação, mas que mantém a inapreensibilidade de seu objeto, no jogo de uma trama que busca ao mesmo tempo o gozo e o conhecimento.
André Monteiro, em um texto sobre o livro, chama a atenção para a "zona de confraternização" que se estabelece entre os textos de Pucheu e Roberto, que poderiam ser considerados anjos e profetas ao mesmo tempo, no sentido que Agamben dá à expressão:

"Quando se entra em textos de Alberto Pucheu-Roberto Corrêa dos Santos, sejam os considerados poéticos, sejam os considerados ensaísticos, sejam os falados e performados em palestras, encontros acadêmicos, encontros não acadêmicos, percebe-se, neles, uma propositada e impura “zona de confraternização”, como quer Alberto Pucheu, entre o poético e o teórico, o poético e o filosófico, o filosófico e o ficcional, o teórico e o ficcional, o ensaístico e o literário, o literário e o não literário, o literário e o plástico, o plástico e o não plástico, a palavra e a não palavra, a fala e o silêncio, o silêncio e o grito" (MONTEIRO, 2012).

Nota-se que essa "zona de confraternização" não é inerente apenas ao livro sobre Roberto, mas também em ensaios de Pucheu, como aquele interessado na obra de Antonio Cicero. Trata-se de um projeto que já é vislumbrado nos trabalhos especificamente teóricos do poeta-ensaísta, já que as próprias fronteiras entre o artístico e o teórico são por ele questionadas.
Aquilo que Pucheu detecta em Roberto Corrêa dos Santos é o que poderia ser também encontrado em seu próprio trabalho: "Uma indecidibilidade entre o ensaio e a ficção, uma inseparabilidade entre o ensaio e o poema, um desguarnecimento de fronteiras entre o ensaio, a ficção e o poema, entre o gesto e o conceito, entre conceito e a imagem e o ritmo". Dessa forma, à medida que Pucheu discute o trabalho de Roberto Corrêa dos Santos, vai tecendo, ensaiando no ensaio, suas considerações acerca da especificidade do trabalho crítico, sempre com força poética. Por isso, o elogio maior é à imaginação como combustível para a máquina de produzir crítica: "A imaginação é uma aceleradora dos processos de conhecimento, que ela antecipa. Sem a imaginação, não há crítica, comparação, discernimento". 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

ensaio colorido



A orelha-poema que integra os livros da coleção Ciranda da Poesia, organizada por Italo Moriconi, e editada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é bastante explicativa: "Poeta que lê poeta que lê poeta / Crítico que lê poeta que lê poema / Poema leitura de poema, poesia / e crítica, poesia é crítica / leitura / escrita em movimento". Trata-se de um conjunto de pequenos-grandes livros interessados no exercício de análise "literária" das obras de poetas contemporâneos. Propor uma análise "literária" da literatura significa para o crítico não só se debruçar com atenção no objeto que está disposto a ler, mas também se debruçar com imaginação, já que a poesia é tomada ali como crítica e a leitura entendida como uma escrita em movimento.
"Celebrar o trabalho do poeta. Estimular o trabalho da crítica". Esses são os objetivos principais da Ciranda. Não é à toa que alguns dos críticos selecionados para compor a primeira fornada (outros livros estão chegando agora (2011 e 2012), somando-se aos sete lançados em 2010) sejam poetas, como é o caso de Alberto Pucheu, Renato Resende e Paulo Henriques Brito. Na Coleção, mesmo aqueles críticos que não são necessariamente poetas, não deixam de flertar voluptuosamente com o objeto em questão, a poesia. Essa parece ser uma tendência da boa crítica contemporânea que, inevitavelmente, é flagrada na Coleção.   
Depois de ler os sete livrinhos, tenho a impressão de que estou diante não apenas de livros coloridos (a capa de cada livro possui cor diferente), mas também de ensaios coloridos. Explico! Voltemos rapidamente no tempo. Antonio Candido, no texto "Ironia e Latência", que integra o livro "O albatroz e o chinês", parafraseando Mefistófeles, afirma que a "crítica é cinzenta, e verdejante o áureo texto que ela aborda". O argumento sisudo soa estranho vindo justamente de um de nossos maiores críticos. De um lado está a crítica, cinza, e de outro, o texto colorido que ela analisa. De um lado está uma coisa, de outro, outra. O corpo - escritura -  é o mesmo, mas a mistura impossível, já que óleo e água são duas soluções incompatíveis entre si. Há uma concepção de autonomia que está implícita no argumento de Candido em relação a esses  domínios específicos, o crítico e o poético. Em uma República está o filósofo, o crítico, na outra o poeta, exilado e manco feito o albatroz de Baudelaire. No entanto, o aparecimento da Ciranda da Poesia permite que essa a questão seja revista justamente no ponto central, lugar que ela imaginava sólido e estável.



Se a crítica pode ser colorida como nos mostram os ensaios da Coleção, isso se dá, penso, por dois motivos. Primeiro, por não considerar a crítica como cinzenta (resto sem cor de um corpo incendiado e já sem vida). Nesse sentido, não concorda com Candido, que vê a crítica, indiretamente, como "segundo plano" em relação ao objeto analisado. Ou seja, não sofre do complexo de vira-lata. Segundo, por pensar a crítica e a poesia não como territórios circunscritos, delimitados, autônomos, impassíveis para um namoro, ou pelo menos para uma conversa inteligente. Assim, a Coleção parece colocar o argumento de Candido em xeque, porque pensa a crítica como "leitura em movimento", ou seja, também como pensamento criativo, ou ainda, como "poema leitura de poema". Não se trata de fazer crítica com versos, como se ela tivesse a intenção de ser aquilo que não é, mas de remover, ou pelo menos ensaiar (não é este também o objetivo do ensaio?) a cisão que separa os dois domínios, o crítico e o literário. Por isso, falo de um ensaísmo colorido.
O ensaio colorido a que me refiro aparece com mais frequência nos livros sobre Antonio Cicero, de Alberto Pucheu; sobre Carlito Azevedo, de Susana Scramim; e sobre Sebastião Uchoa Leite, de Franklin Alves Dassie. Pucheu encontra em Cícero a experiência poética de vários tempos, sujeitos e lugares, cujos poemas guardam ressonâncias do que "iluminando-nos, foge de nós e nos ofertam a potência de nossa própria atualidade". Ou seja, uma poética do "agoral", ou ainda, extemporânea, intempestiva. Heterotópica e heterocrônica, a poesia de Cicero, passa a ser vista pelo crítico como eminentemente contemporânea. Estamos diante de um poeta falando de poeta. Crítico falando de um crítico (Cicero é também ensaísta), crítico falando de poeta, poeta falando de crítico, crítico-poeta falando de poeta-crítico. Resultado: uma experiência colorida.
Em uma das passagens mais bonitas de seu ensaio, Pucheu escreve sobre a poesia com "pinta" de poesia: "O poema é o limite que guarda o ilimitado oculto da poesia na resplandecência de sua superfície. O poema é uma forma que guarda o informe oculto da poesia na resplandecência de sua superfície. O poema é o corpo que guarda o incorporal oculto da poesia na resplandecência de sua superfície. O poema é o determinado que guarda o indeterminado oculto da poesia na resplandecência de sua superfície. O poema é alguma coisa que guarda o nada oculto da poesia na resplandecência de sua poesia (...)." A sequência é longa.  Não se trata de mero charme ou de uma "maneira bonita de dizer", mas de uma escrita cujos objetivos podem ser imaginados aqui. Impossível tocar no poema sem ser por ele tocado. A crítica olha com presteza para o poema na exata medida em que é por ele olhada. A crítica é entendida aqui como solução imaginária para os impasses com os quais se depara o leitor. A crítica como leitura criativa, e o poema como "ensaio-teórico-crítico-experimental", para usar uma expressão de Roberto Corrêa dos Santos, poeta-professor-crítico que é analisado com minúcias por Pucheu em seu mais recente livro.  
Susana Scramim, por sua vez, discute a poesia de Carlito Azevedo como potência. Está à altura do contemporâneo na medida em que é um ser sem substância. Para Scramim, não são poucos os poemas de Carlito em que a experiência empírica, a vivência, não gera o poema: "gera em vez disso um poema que poderia ter sido, uma experiência no limite da morte, ou seja, a da não existência". Ou seja, a poesia como imagem - fantasma - de sua própria finitude. Ao pensar na finitude da poesia e nos dos limites a ela inerentes, da poesia como possibilidade, como procedimento, ou mesmo como potência passiva, Carlito faz de ser trabalho uma pictografia, uma "coisa mental". Por trás dessa experiência radical, há aquilo que Susana considera como a propulsão do trabalho do poeta carioca, a "noção de vida e seu entrelaçamento com a noção de vida da poesia", o que pode ser verificado em seu mais recente livro Monodrama (2009).
Franklin Alves Dassie, desde o início de seu estudo sobre Sebastião Uchoa Leite, demonstra, indiretamente, que está pensando não só a obra do poeta, mas o próprio fazer crítico que é também o seu. Como fazer uma apresentação? Como apresentar o poeta? Para quem apresentá-lo? Para que apresentá-lo? Essas são perguntas que movem o crítico e que são centrais não só para este livro, mas para qualquer experiência crítica. O que se destaca em sua leitura é a possibilidade de ler Uchoa tendo em vista uma subjetividade em permanente conflito. Entram aí figuras bastante interessantes que, além de fazer parte do universo do poeta, passam a ser personagens do próprio crítico: a máscara, a marionete, o vampiro, etc. A imagem do duplo na poesia de Uchoa é o eixo sobre o qual se move a crítica de Dassie. O jogo entre o "eu"e o "outro, se por um lado é o motor do poeta, passa a ser também o motor do crítico que, posicionando-se em relação àquilo que lê, e investindo nos sentidos da leitura, acaba cúmplice - e até parceiro - do próprio poeta, já que os poemas ganham outras possibilidades de leitura a partir do trabalho de leitura criativa. Assim, as máscaras são também do crítico: "Posso ser muitos e ser um só usando máscaras, mas não tento esconder a dupla identidade; ao contrário, pretendo ressaltá-la, umas vez que a intenção é lembrar que alguém fala por trás delas, diria o ventríloquo". A frase que é dirigida à poesia de Uchoa pode, sim, ser lida como dirigida por Dassie a ele mesmo: a dupla identidade, crítico/poeta, é ressaltada, afirmada, e não negada. Quem fala, o ventríloquo-poeta, ou aquele que opera a máquina ensandecida de leitura, o crítico? Onde acaba a voz de um e começa o voz do outro? Não seria interessante remover a barra (/) que cinde as duas atividades, potencializando, assim, outros modos de ler?
Resta-nos desejar vida longa à Coleção, e esperar os próximos livros, os próximos poetas, os próximos críticos.  

Coleção Ciranda da Poesia: Antonio Cicero por Alberto Pucheu (100 págs); Carlito Azevedo por Susana Scramim (110 págs); Chacal por Fernanda Medeiros (116 págs); Claudia Roquette-Pinto por Paulo Henriques Britto (84 págs); Guilherme Zarvos por Renato Rezende (80 págs); Leonardo Fróes por Angela Melim (64 págs) e Sebastião Uchoa Leite por Franklin Alves Dassie (92 págs)

Em 2011 e 2012, foram lançados livros sobre: Angela Melim, Ana Cristina Cesar, Armando Freitas Filho, Marcos Siscar, Douglas Diegues, Ingeborg Bachmann, Ghérasin Luca, Zbigniew Hertbert, Salgado Maranhão, Afonso Henriques Neto, Roberto Piva, Nathalie Quintane.