Poeta moderno, um mago

Hugo Friedrich, ao se
reportar à lírica moderna, aponta que “a magia de sua palavra e seu sentido de
mistério agem profundamente, embora a compreensão permaneça desorientada”
(1978, p. 15). É essa tensão dissonante o objetivo das artes modernas em geral,
na visão do teórico. Se na poesia romântica a lírica é tida, muitas vezes, como
a linguagem em estado de ânimo, da alma pessoal, na poesia moderna, “ela
prescinde da humanidade no sentido tradicional” (1978, p. 17). Advém dessa
noção o que os formalistas russos defendiam como o princípio do estranhamento, que poderia ser entendido, no contexto da poesia
simbolista, como uma recusa da ideia de que a linguagem pode representar o
mundo e comunicar, ou seja, uma constatação do inacessível, como um beco que
estaríamos fadados a encontrar, e um mergulho na negatividade.Cláudio Willer, na
esteira do pensamento de Octavio Paz, lembra que na relação entre o poeta e o
mago há uma tentativa de se recuperar o estado original da linguagem,
devolver-lhe sua natureza original, perdida ao longo do curso da história. Uma
consequência de haver um estado original, segundo Willer, é a sua autonomia:
“Signos têm uma anterioridade; portanto, uma existência própria, não se
limitando a ser meras consequências ou reflexos de propriedades das coisas, ou
das impressões provocadas pelas coisas sobre os sentidos” (2009, p.1). Daí uma
certa recusa do Positivismo por parte dos simbolistas, que marcam já o
pensamento da poesia moderna. Purificar a linguagem, seguindo os passos de
Mallarmé, devolver-lhe a sua natureza original, “estranhar” a linguagem contra
a sua utilização instrumental, seria assim, fundamento de boa parte da crítica
e da poética simbolistas.Podemos encontrar um prenúncio do pensamento moderno
do poetar calcado na ideia de um indizível nos românticos alemães. O que é inacessível
na linguagem é também o que faz do poeta uma espécie de mago. No poetar
moderno, a lírica pode ser entendida como uma “(...) oposição que canta contra
um mundo de hábitos, na qual os homens poéticos não podem mais viver, pois são
‘homens divinatórios, magos’. De novo, portanto, a paridade da poesia com a
magia (...)” (FRIEDRICH, 1978, p. 28). Sendo, portanto, permitido à magia
linguística, “fragmentar o mundo a serviço do encantamento” (idem, p.
29). Traços da poesia, defendidos por Novalis, como a fantasia, o fragmento, o
caos, a fascinação formam uma linhagem na qual, conscientes ou inconscientes,
filiar-se-ão poetas do século XIX, principalmente os poetas finisseculares, os
simbolistas.
Segundo Friedrich
(1978, p. 31), os modelos alemães foram seguidos pelos românticos franceses,
que interpretaram o poeta como o “vidente incompreendido”, como “o sacerdote no
santuário da arte”. Um sacerdócio que tende a eliminar a barreira entre o
religioso e o poético, na tentativa de restaurar uma questão que foi inerente
ao próprio surgimento da poesia, a busca do sagrado. Nesse horizonte, o poeta,
como um mago, passa, cada vez mais, a tomar partido contra o burguês.
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