domingo, 28 de junho de 2009

Polêmica Literária


A recente polêmica envolvendo o livro Amor à Brasileira, uma reunião de contos organizada pelos escritores Caio Porfírio Carneiro e Guido Fidélis, reascende uma antiga discussão sobre os limites da liberdade de expressão e o papel do Estado no gerenciamento de poderes e na interdição dos discursos. O livro, que conta com textos de Dalton Trevisan, Moacyr Scliar, Rodolfo Konder, entre outros, faz parte do acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola e foi distribuído para várias escolas pelo MEC (Ministério de Educação), com o objetivo de estimular a leitura através do fomento da literatura. Segundo informações que podem ser encontradas no site do MEC, a avaliação e a seleção das obras distribuídas são realizadas por um colegiado, instituído por portaria ministerial, com representantes do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), de intelectuais, de técnicos e especialistas na área de leitura, literatura e educação do Ministério da Educação e de universidades.
Em algumas cidades do país, autoridades se posicionaram contra a veiculação do livro nas escolas, alegando que a linguagem dos contos é pornográfica e não aconselhável aos jovens estudantes. A patrulha de livros didáticos e paradidáticos vem se tornando moda no Brasil. Outro exemplo foi o romance Aventuras Provisórias, de Cristóvão Tezza, que havia sido distribuído pelo governo de Santa Catarina para as escolas, mas há alguns dias foi recolhido por iniciativa da Secretaria de Estado da Educação, que considerou o vocabulário do livro prejudicial aos estudantes. O fato nos convida a pensar com cautela sobre o referido acontecimento.
Em setembro de 2008, na cidade do Rio de Janeiro, o poeta e professor de literatura Oswaldo Martins Teixeira foi demitido da escola em que lecionava quando pais de alunos descobriram que o professor escrevia poemas eróticos e os publicava em um blog. Pediram a cabeça do mestre! Oswaldo, que concluiu o mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e cursa o doutorado na Universidade Federal Fluminense, em depoimento à Folha de São Paulo, comentou que o problema em questão não era a empregabilidade. Estava muito mais preocupado com o obscurantismo, com a certeza dos censores. O crítico e professor Luiz Costa Lima saiu em defesa do professor e perguntou que defesa teria um poeta que, para sobreviver, precisa dar aulas de português, caso sinta necessidade de escrever poemas eróticos. Costa Lima não acentuou a discrepância entre os princípios de uma sociedade que se diz liberal, recém-saída de uma ditadura, e uma medida como essa, que considerou absurda. Acentuou o aspecto autoritário que, como sombra perversa, permanece entranhado na sociedade brasileira.
É justamente nesse ponto que gostaria de voltar à questão da mobilização contra os livros “Amor à Brasileira” e “Aventuras Provisórias”. Como professor de Literatura, sinto-me na obrigação de tecer algumas considerações. Até poderíamos concordar com o argumento de algumas autoridades que julgaram o livro inadequado para os estudantes. Sim, poderíamos questionar os organizadores e principalmente o Programa Nacional Biblioteca da Escola, por não ser criterioso na seleção dos textos, tendo em vista a faixa etária dos alunos e os princípios morais e éticos defendidos pelos pais e pelas escolas, e cuja preocupação não questionamos em hipótese alguma. Esse também é um problema sério, a falta de competência na elaboração dos materiais didáticos ou paradidáticos. Mas há um outro ponto que julgamos necessário ser apontado.
A censura - que não necessariamente vem de “cima para baixo”, mas é consentida pela própria sociedade, – parece-nos ser pior do que a linguagem de alguns desses contos. Não podemos esquecer que uma das primeiras medidas do nazismo foi justamente a queima de livros em nome de uma verdade do Estado.
Em tempos pós-ditadura, em que a sociedade precisa mais do que nunca da mão competente, honesta e fraterna das autoridades, a literatura acaba sendo vítima da atitude de algumas pessoas que provavelmente nunca perceberam que dentro da biblioteca de qualquer escola pululam dos livros poemas eróticos de Manuel Bandeira, como “Cópula”; o livro Amor Natural, de Carlos Drummond de Andrade; os sonetos pornográficos de Bocage e Olavo Bilac, este o defensor dos bons princípios e patrono do Serviço Militar; os poemas satíricos de Gregório de Mattos; os contos de Dalton Trevisan, que por sinal são trabalhados nas escolas e cobrados como leitura obrigatória para vestibulares; os contos de Rubem Fonseca; as peças de Nelson Rodrigues; a literatura intersemiótica de Valêncio Xavier, em textos como “Memória de um homem invisível”; os poemas de Ana Cristina Cesar e Hilda Hilst, da poetisa grega Safo, ou do italiano Aretino; os romances de Jorge Amado. Se adotássemos a censura como solução, deveríamos, então, banir uma infinidade de livros de nossas bibliotecas e viveríamos como os personagens da trama de Ray Bradbury, em Fahrenheit 451, que, ou padecem por desconhecerem os livros, ou os buscam avidamente justamente por terem sido censurados. Jorge de Burgos, personagem de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, teve uma idéia mais simples: queimou a biblioteca para impedir que a mentalidade medieval, religiosa por excelência, e incapaz de aceitar o riso, conhecesse a Comédia, de Aristóteles.
Por que o governo não censura as fotos que mostram as cenas de torturas praticadas pelos soldados americanos no Iraque? Não estariam elas também propiciando uma formação não adequada para nossos jovens? Tenho certeza de que a intenção do governo de Santa Catarina, ao recolher os livros do Tezza, e das pessoas que estão questionando a distribuição de Amor à Brasileira não é má. Creio que imaginam estarem fazendo o bem para a sociedade. No entanto, acredito também que a literatura não nos torna piores do que somos. Se provarem o contrário, apóio o veto.


Caio Ricardo Bona Moreira