sábado, 22 de dezembro de 2012

Alan Pauls, política da história e do corpo

Ao que tudo indica, Roberto Bolaño estava certo ao afirmar que Alan Pauls é um dos melhores escritores latino-americanos vivos. A obra do argentino foi uma das minhas grandes descobertas literárias dos anos de 2011 e 2012. El Pasado parece figurar entre os grandes romances latino-americanos ao lado de Paradiso, de Lezama Lima, Cien años de soledad, de Garcia Márquez, Rayuela, de Cortazar, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, para citar alguns. É para mim um dos livros mais bonitos sobre o amor, ou seja, sobre a sua impossibilidade. As quase 600 páginas do livro geraram leituras bastante distintas por parte da crítica. Se por um lado Ignacio Echevarría considerou o romance como excessivo ou “hipertrofiado”, por outro, Beatriz Sarlo viu em sua extensão algo necessário no processo de confecção. Em El Pasado é apresentado um período de vinte anos da vida de Rímini, um tradutor que depois de se separar de Sofía, com quem viveu treze anos, passa por um período de intensa crise. Outras mulheres passam a fazer parte de sua vida, no entanto, o passado sempre sobrevive como uma espécie de fantasma importuno, fato que o impede de prosseguir a vida com o espírito liberto e tranquilo.



Trata-se, sim, de um livro sobre o amor, o amor pelas mulheres, mas também pelo passado. Entre um e outro tipo de amor, a linguagem figura também como experiência amorosa. Se a experiência com o ser amado é "fantasmática", também é assim com o passado, fadado a ser descrito ali onde ele não está. É essa falta a origem de sua escrita. Talvez fosse possível ler o romance à luz dos Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes. Não à toa Sarlo observou que em El Pasado estão os “abstracts” de múltiplos projetos ensaísticos. Aliás, um dos capítulos, apresenta um ensaio estético-biográfico de aproximadamente 50 páginas sobre um pintor imaginário. A pintura é uma arte que ronda o livro, assim como um tipo diferente de cinema parece operar implicitamente em suas descrições minuciosas. Sobre o livro, escreveu Reinaldo Moraes: “Página a página, cena a cena, a cada esquina de Buenos Aires, as "fábulas fabulosas" deste romance total se multiplicam de forma cinematográfica, barroca e exuberante. Pelo mesmo caminho segue a prosa em que são alinhavadas, fazendo o tempo recuar ou se dispersar em outras dimensões, numa operação ao mesmo tempo rigorosa e lúdica, que lembra um Proust que tivesse lido Cortázar”. Apesar das críticas negativas, apreciei a adaptação cinematográfica do livro realizada pelo Hector Babenco.

Beatriz Sarlo, no ensaio “La extensión”, de 2004, reunido no livro Escritos Sobre Literatura Argentina, chama a atenção para o fato de que o livro prescinde da história recente com uma radicalidade que obriga a pensar: “Pauls de modo programático, explora como pode ser uma ficção sem política e sem história, que abdica de suas alegorias ou de suas representações”. Nesse sentido, abre mão de uma ambientação precisa, afastando-se de uma linhagem da literatura argentina que busca pensar o reencontro com o passado como uma forma ainda possível de abordar os traumas da história. No entanto, discordo de Sarlo ao pensar a obra como uma “ficção sem política”. Se por um lado, o escritor abdica de uma determinada política “na” obra, por outro não abre mão de uma política “da” obra. Se por um lado escapa da onda de revisionismo que toma conta da literatura contemporânea argentina, por outro aborda o passado recente por meio de outras fórmulas, tocando as feridas abertas de uma forma talvez mais inteligente, e suplantando, assim, os códigos gastos da onda revisionista. Essa questão, em um certo sentido, parece funcionar bem em seus mais recentes livros: História do Pranto e História do Cabelo. Vejamos.

Tanto História do Pranto como História do Cabelo fazem parte da trilogia sobre os anos 70 na Argentina, que se encerrará com História do Dinheiro, ainda não lançado.


Em História do Pranto, Pauls aborda a tragédia político-militar na América Latina através da consciência de uma criança que emblematiza o “povo chorão” que é o argentino (A Taça Libertadores da América que o diga). O personagem possui a emotividade latina, mas é incapaz de se emocionar com os grandes acontecimentos da vida coletiva.
Ao ser indagado em uma entrevista sobre o motivo de ter fundido, no livro, o político e o íntimo, o público e o privado em um único registro, Pauls respondeu: “Estou cansado da História com maiúsculas, dos Grandes Feitos, dos Heróis, das Tragédias. Cansado da história que se deixa reger por hierarquias e sistemas de dignidade e indignidade que nunca são postos em discussão. É o que se passa com a década de 70 na Argentina. Tal como eu penso, a intimidade é o espaço para anular essas hierarquias e privilégios. Em História do Pranto, os sinais de intimidade (um gesto, uma relação de proximidade, a temperatura de um corpo), são imediatamente históricos, enquanto os sinais da história (um golpe de estado, um golpe guerrilheiro), são íntimos e repercutem no corpo”. Frisemos: os sinais de intimidade são históricos, assim como são íntimos os sinais da história. O privado e o público se embaraçam, fazendo lembrar por exemplo de um filme brasileiro O ano em que meus pais saíram de ferias, de Cao Hamburger.
Outra questão lançada ao escritor, na entrevista da revista Época, diz respeito ao processo de vitimização pós-ditadura. Ao ser indagado sobre o que acha do culto às vítimas da ditadura dos anos 70, Pauls responde: “O terrorismo de Estado produziu muitas vítimas na Argentina. A justiça tem que se encarregar de reparar essa situação e julgar os responsáveis por ela. O problema com a “cultura da vitimização” é que funciona como um princípio de autocomplacência e chantagem, ou como uma limitação para desenvolver uma vontade de poder. Há na condição de vítima algo que bloqueia toda a discussão, todo o exercício de linguagem, a invenção de horizontes. Frente a uma vítima, como frente a alguém que chora, não podemos fazer muito mais que nos apiedarmos, consolar, compadecer. O problema é que muitas vezes isso só faz consolidar o lugar de vítima”. É contra a lógica da vitimização que parece se insurgir a literatura de Pauls. Trata-se de um projeto que trabalha em um caminho diferente daquele que quer legitimar o lugar da vítima.

O argumento parece desmontar o argumento de Sarlo de que o que há em Pauls é a ficção sem política. Apesar da crítica ter sido endereçada ao romance El Pasado, cumpre observar que lógica semelhante ao História do Pranto parece funcionar no romance anterior, já que a história e a política parecem migrar para o universo íntimo e que repercute no corpo. Talvez o livro pudesse se chamar História do Amor, fazendo parte da coleção que está em curso.


Tanto em História do Pranto quanto em História do Cabelo, Pauls recupera os signos que nos legaram os anos 70: as camisas Castrillón, os gibis do Super-Homem, os filmes de Kurosawa, o saxofonista Gato Barbieri, as charges de Quino, os Panteras Negras, Jefferson Airplane, Genesis, Peter Frampton, para deixar em segundo plano as músicas de protesto e os grandes gestos revolucionários. Tudo isso sugere que o caminho é o inverso do revisionismo tradicional. Não se trata de partir dos grandes gestos para chegar na história daquilo que é íntimo de cada um, mas de partir do mínimo – o que se constitui a partir do próprio modelo de narrar, cuja lógica é microscópica – daquilo que é íntimo como o sentimentalismo ou o próprio cabelo, para só então vislumbrar a política e a História. E este gesto não deixa de ser político e já aparece em El pasado.

Em História do Cabelo, a intimidade dos fios é sintoma da História. Os cabelos compridos signos de rebeldia, os cabelos Black Power sinais de uma transformação social. Trata-se, naturalmente, de criar outros modos de pensar a história e outras formas de imaginar a comunidade. Em certo sentido, é o que parece desenvolver também, mas de maneira menos engenhosa, o argentino Martín Kohan, em livros como Ciências Morais e Duas Vezes Junho, que abordam a questão da ditadura por um viés distinto do revisionismo tradicional. No entanto, o que mais me chama a atenção nos três livros de Pauls não é a história nem a política, mas a escrita por ele maquinada, que produz um efeito bastante curioso ao apresentar frases longas onde são aglutinadas outras frases, produzindo o que o escritor chamou de “frases-habitat”, ou seja, frases que se convertem em lugares, lugares de pensamento responsáveis por um estilo deveras inusitado. Para Pauls, a linguagem não é transparente, mas algo “opaco, denso, cheio de camadas, onde gosto de cavar poços e túneis como um rato”.
A sintaxe é entendida como o “campo psicodélico da língua”, para usar ainda uma expressão do próprio autor.


Para perceber essa "escrita inusitada", basta ler o início de História do Pranto:

“Numa idade em que as crianças ficam desesperadas para falar, ele pode passar horas só ouvindo. Tem quatro anos, ou foi o que lhe disseram. Em face do espanto de seus avós e de sua mãe, reunidos na sala de estar da rua Ortega y Gasset, o apartamento de três cômodos do qual seu pai, que ele se lembre, sem nenhuma explicação, desaparece uns oito meses antes levando consigo seu cheiro de tabaco, seu relógio de bolso e sua coleção de camisas com o monograma da camisaria Castrillón, e ao qual agora volta quase todos os sábados de manhã, sem dúvida não com a pontualidade que sua mãe desejaria, para apertar o botão do interfone e pedir, não importa quem o atenda, com aquele tom crispado que mais tarde aprende a reconhecer como o emblema do estado em que fica sua relação com as mulheres depois de ter filhos com elas, que desça de uma vez!, ele cruza a sala com toda pressa, vestido com a patética roupa de Super-Homem que acaba de ganhar de presente, e com os braços estendidos para frente, numa tosca simulação do voo, pato com talas nas asas, múmia ou sonâmbulo, atravessa e estilhaça o vidro da janela francesa que dá para a sacada.”


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Daniel Galera e o livro ensopado de crítica


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De todos os livros do Daniel Galera que li, “Barba Ensopada de Sangue” foi o que mais me chamou a atenção. Seguido de “Cordilheira”, este parece ser o seu romance mais bem acabado. Em apenas um mês depois de ser lançado (novembro de 2012), já recebeu o elogio reverencial de muitos jornais e revistas, chegando a despertar o interesse em países como Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Itália, que compraram os direitos de publicação. Um longo trecho do romance foi apresentado na Granta, uma revista norte-americana dedicada a ficcionistas brasileiros.

Curiosamente, na mesma semana em que ganhei o livro, encontrei ao acaso num lapso de apenas um dia, três críticas a ele dedicadas. Uma na Cult, e as outras na Piauí e na Bravo! (Isso sem contar as inúmeras que ainda não vi). Protelei a leitura das resenhas com a finalidade de alcançar antes disso o ponto final de “Barba Ensopada de Sangue”. Independente do livro já ser considerado um clássico por boa parte dos críticos que escreveram sobre ele até agora, eu o leria, porque desde que me debrucei sobre “Até o dia em que o cão morreu” apreciei o estilo oscilante, entre o direto e o indireto, que caracteriza a prosa de Galera. Há algum tempo venho chamando a atenção dos meus alunos e dos meus amigos para o trabalho deste jovem escritor gaúcho, discípulo das oficinas de literatura de Luiz Antonio de Assis Brasil.

Apesar de todo o meu interesse pela obra de Galera (ele tem quase a minha idade), confesso que me senti um pouco perturbado com a quantidade de comentários que vieram à tona com seu novo livro. Como disse, encontrar um artigo no mesmo dia, sobre o mesmo livro, em três grandes revistas nacionais me fez lembrar imediatamente da conhecida frase de Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”. É claro que ela não vale para o talento de Galera, mas admito que me incomodou o fato de concentrarem o olhar com veemência em um mesmo livro no momento em que outros bons escritores estão publicando no país. A também gaúcha e grande escritora Veronica Stigger, no mesmo fim de ano (antes do Especial do Roberto Carlos), lançou o livro “Delírio de Damasco” e até agora não recebeu nenhuma atenção por parte da grande mídia. Terá sido pelo fato do livro sair pela “Cultura e Barbárie”, pequena grande editora da ilha de Florianópolis? Se fosse pela Companhia das Letras, teria sido diferente?

O fato de Galera despertar tanto a atenção me fez pensar: o que o livro tem de tão bom?

Eu já estava na página 128 das 422 e ainda não tinha encontrado a resposta para a pergunta. O fato do escritor arriscar mais de 400 páginas em uma carreira que nunca passou das 180 demonstra que está buscando alguma coisa realmente diferente. É claro que a questão pode ser pensada de outra maneira. Talvez não se trate de um objetivo que se propôs a cumprir, mas sim uma necessidade singular deste e não daquele livro. Como se o livro pedisse um tamanho e não outro. É assim com outros escritores. Guimarães Rosa, por exemplo, começou com narrativas menores até chegar no Grande Sertão, para depois disso voltar a escrever narrativas menores, chegando aos atos mínimos narrativos de Tutaméia. Aliás, o pesquisador italiano Ettore Finazzi-Agrò já tinha chamado a atenção para esse fato curioso na obra de Guimarães. A quantidade das páginas de “barba ensopada de sangue” não é um problema. Até aquilo que aparentemente é acessório faz sentido, contribuindo para dar uma densidade à obra que parece ter o tamanho exato, nem uma página a mais nem uma a menos.

Depois da metade do livro, comecei a ser absorvido pela narrativa. Antes disso, já tinha percebido que o livro tateava e lapidava com grande presteza sua prosa narrativa, alternando dois níveis de escrita, como apontou barthesianamente Francisco Bosco: “A um tempo engenhoso e desprendido, alternando entre o grau zero e o alto grau da escrita, um romance de aventura e mistério sobre a tenacidade dos homens, dos animais e da natureza”. No entanto, depois da metade, o autor parece caminhar com mais segurança pela trama, ou talvez sejamos nós que começamos a passear com maior intimidade no universo do livro.

                                              (foto publicada na revista Piauí (novembro 2012)

Muitas coisas me chamaram a atenção na obra. Gostaria de apontar algumas aqui:

- A ternura presente no contato do protagonista com a cachorra Beta, herdada depois que seu pai se suicidou. O pai, que comunicara ao jovem suas intenções de praticar a ação nefasta, havia pedido que o jovem sacrificasse o animal depois do suicídio, o que não aconteceu. Mario Sergio Conti, no ensaio “A hora e a vez do homem sem nome”, publicado na revista Piauí (Novembro de 2012), observou que desde Vidas Secas “um cão não tinha tanta proeminência num romance nacional”.

- Galera equilibra com eficiência as ações do livro, as reflexões do protagonista, e as descrições minuciosas da paisagem praieira de Garopaba. Nesse sentido, está interessado tanto nos fatos contados quanto nos procedimentos de escrita, agregando a eles a dimensão da lenda, que gira em torno do desaparecimento do avô naquela praia há algumas décadas. O acontecimento lhe fora contado pelo progenitor. É em torno desse mistério que gira o seu enredo, mas não é só ele o responsável pela qualidade do livro. O fato de produzir descrições bastante poéticas e minuciosas da praia faz com que o livro ponha em funcionamento uma espécie de “realismo íntimo”, para usar uma expressão de Karl Erik Shollhammer. No artigo “Barbas de Molho”, publicado na Cult (novembro 2012), o pesquisador escreve que Galera cria “um realismo peculiar e sensível pela densidade que consegue dar ao cotidiano sem excessos de gordura descritiva”. Trata-se de um realismo íntimo, em que “a intimidade não provém dos sentimentos nem das meditações psíquicas e diálogos interiores do protagonista senão da precisão descritiva dos cenários escolhidos e da empatia que sempre expressa com os humores do personagem”. Ainda sobre os procedimentos de Galera, vale lembrar de uma questão que faz de “Barba ensopada de sangue” um livro que merece ser lido. Galera articula com eficiência três outros caminhos, já apontados pelo crítico Vinícius Jatobá, em “Prosa Suja” (Bravo – Novembro 2012): “o caminho investigativo, em que o protagonista busca respostas para o desaparecimento do corpo do avô; o intimista, que tenta desvendar a mente alheia e fugidia do protagonista, revelada conforme ele encontra outros personagens; e o da narrativa de costumes, em que o cotidiano da cidade, com seu tempo moroso, é dissecado”. Misturar todas essas coisas sem perder o “fio da meada” é algo que faz de Galera um dos grandes jovens escritores do país. Talvez a influência da literatura de língua inglesa não seja fortuita em sua obra, que é também a de um tradutor (recentemente, Galera publicou uma tradução de David Foster Wallace).

O romance é sobre muitas coisas e sobre nenhuma ao mesmo tempo, como nenhum é o nome do protagonista (quero dizer, ele não é nomeado), como nenhum é o rosto do qual ele se lembra (O protagonista sofre de uma doença rara em que o rosto das pessoas nunca é memorizado). O livro é sobre a reinvenção de um homem, sobre a perda do amor, sobre o valor da amizade, sobre o amor por um cão, sobre a busca sem sentido das origens, sobre a relação do homem com o mundo, sobre as transformações de si oriundas de uma busca, sobre uma nova vida em uma outra cidade, sobre o arrependimento e o perdão, sobre o acerto de contas com o passado, sobre a consciência trágica da morte. Sobre outras coisas mais. E sobre nenhuma ao mesmo tempo. É por essas e outras que o livro me chamou tanto a atenção. Mas ainda preciso de um tempo para saber a dimensão exata das minhas impressões (isso aqui são só impressões: acendamos uma vela à crítica impressionista). Não é o melhor romance brasileiro da década, mas com certeza é um deles.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

União da Vitória, meu amor!




A cidade sempre foi musa inspiradora para muitos poetas. Na arte, desde a Antiguidade aos tempos contemporâneos, a pólis é personagem das mais memoráveis e sublimes. Na modernidade, quando a cidade ganha estatuto de épico, o interesse pela vida urbana se intensifica na literatura. Fernando Pessoa cantou Lisboa, Baudelaire transformou Paris em uma de suas “Flores do Mal”. Jorge Luis Borges, no belo livro “Fervor de Buenos Aires”, eternizou a capital argentina, considerando as ruas da cidade como parte de suas entranhas. No Brasil, Gregório de Matos, em uma relação de amor e ódio a Salvador, satirizou a sua cidade. A São Paulo modernista de Mário de Andrade ganhou tons inconfundíveis em “Paulicéia Desvairada”. Sobre Curitiba, Paulo Leminski escreveu: “Alguma coisa em mim não quer que Curitiba mude. Mas, dentro de mim, há uma voz que diz: mude, Curitiba, mude…”. Outros exemplos poderiam ser apontados, como a Itabira, de Drummond, a Porto Alegre de Mario Quintana, entre outros. A lista é grande.
As Gêmeas do Iguaçu não poderiam ficar de fora dessa antologia em que poetas fazem da cidade algo mais que um berço esplêndido. Em um certo sentido, poderíamos dizer que os escritores inventam a sua própria cidade, na medida em que transformam o transitório da vida urbana em cenas eternas e inesquecíveis. Que seria da cidade sem o poeta para escrever suas esquinas? Porto União foi presenteada com os versos de Ivonnich Furlani, passando a ser reconhecida como uma Cidade Amiga. União da Vitória acaba de ganhar uma de suas mais belas declarações de amor, vinda justamente de um poeta.
Em uma tarde de sol e passarinho dedico-me a ler os poemas que integram o livro “União da Vitória, Meu Amor!”, de Affonso Reis Teixeira Filho. Até então, não conhecia nenhum livro cujos poemas tratassem com tamanha paixão e delicadeza da nossa cidade. É claro que outros poetas também registraram com grande beleza na voz e no tom o nosso município. Só para citar um exemplo, o professor Serapião do Nascimento, em novembro de 1906, por ocasião da inauguração da Ponte de Ferro, escreveu e espalhou pela cidade um poema apaixonado cujos versos proclamam seu amor: "Selvagem qual bugre nu / Banhada pelo Iguaçu / À beira dele nasceste, / Linda cabocla indolente (...) / Ao som de cantos de amores, / “Eis a União da Vitória.” A diferença é que no livro de Affonso todos os poemas são dirigidos direta ou indiretamente à cidade.
Os poemas de “União da Vitória, Meu Amor!” tratam desde os fenômenos naturais que atingiram as nossas cidades até as lendas, personagens e personalidades que compõe a nossa história. É o caso da Noiva do Rio da Areia, a Velha Maria Paçoca, a Loira dançarina, o Treme-Treme, o Guarda Fidusca, o Doutor Wilton França, Isael Pastuch, entre outros. Pontos específicos também aparecem, como o Morro de Cristo, o rio Iguaçu, as pontes, as ruas, os bairros, o Colégio Túlio de França, a Faculdade, a Maria-Fumaça, as pescarias. Não seria fortuito lembrar que a arquitetura dos poemas de Affonso é bem elaborada, de leitura agradável, e que faz por vezes lembrar a estrutura rítmica dos cordéis.
Em um dos poemas, intitulado “Minha Terra”, que faz lembrar Gonçalves Dias, Affonso faz um balanço: “Na minha União da Vitória / eu vi o tempo passar / vivi meus anos de ouro / fiz amizades, tesouro / um dia hei de voltar”. Discordo do poeta em apenas um ponto. Ele não precisa voltar, porque daqui nunca saiu. Se reside, hoje, fisicamente em outra cidade, espiritualmente e afetivamente nunca daqui se afastou. Como diria Leminski: “Pinheiro não se transplanta”. Os poemas de Affonso provam que a cidade está no poeta como o lambari no Iguaçu.
Para finalizar, gostaria de lembrar que os homens podem declarar o seu amor pela cidade de muitas maneiras. Assim como o poeta escreve um livro retratando carinhosamente o chão que nos dá guarida, outros trabalham com semelhante honestidade e ardor, por exemplo, no âmbito da saúde e da política, como é o caso do saudoso Doutor Warrib Motta, que recentemente partiu para outras esferas estelares. Os gestos tanto de um quanto de outro, certamente, são cantos de amor e frutificam ao longo do tempo em outras poesias.

Caio Ricardo Bona Moreira

Nesta sexta-feira, 09 de novembro, às 19h30, no Salão Nobre da Fafiuv, o poeta lançará e autografará o livro “União da Vitória, Meu Amor!”, que será vendido no local por R$15,00. O lançamento é uma promoção do projeto Memórias Poéticas do Vale do Iguaçu.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

ao som de bob dylan





uma escultura de Degas é maravilhosa, fenomenal, absurdamente indescritível... quem há de dizer suas curvas noturnas de zimbro? no entanto, para a melancolia de seu destino, é apenas um ensaio da beleza que se guarda e se entrega, que se esconde e se mostra, no corpo eufórico e quase celestial de uma linda mulher... talvez sua superioridade advenha também do tempo que não a encarcera nos grilhões da pedra que nunca muda.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

PANORAMA



Panorada do Rio de Janeiro: Ponta do Calabouço séc. XIX Henry Chamberlain
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Ao folhear as páginas do livro Entrevistando a Arte, organizado pela professora Ivanira Tereza Dias Olbertz, vem-me à lembrança aqueles panoramas do Rio de Janeiro, confeccionados no tempo do Império por pintores como Henry Chamberlain, Dom Miguel Ângelo Blasco, Emeric Essex Vidal, Johan Jakob Steinmann, Félix-Émile Taunay, Eugenio Rodriguez, entre outros. Os panoramas, que estiveram muito em voga no século XIX, eram pinturas que almejavam retratar uma vista abrangente, quase sempre de uma cidade, normalmente vista de um ponto elevado e distante. Até onde se sabe, o termo “panorama”, do grego “pan” (total) e “órama” (vista), foi cunhado pelo pintor irlandês Robert Barker. María Negroni, em seu livro Pequeño Mundo Ilustrado, observa que o mecanismo desse tipo de pintura responde ao desejo de uma “visão” total, desde as alturas, como aquela que Deus poderia ter. Nessas imagens, os espectadores buscavam a máxima ilusão, algo assim como uma paisagem ideal onde a memória (uma memória criada) pudesse melhorar a experiência, embelezando-a. É nesse sentido que leio o livro de Ivanira, como um baú cuja memória é capaz não só de produzir um conhecimento sobre a história da nossa arte, mas também - por meio dessa experiência -, aproximar o leitor da beleza criada pelos nossos artistas e do prazer que ela pode suscitar.
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foto panorâmica do Rio de Janeiro (2012) acervo pessoal Caio Moreira
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No caso do livro Entrevistando a arte, não estamos diante de um panorama da cidade, mas de um painel bastante ilustrativo das artes plásticas nela produzidas. Ao mirar suas páginas, o leitor possivelmente terá uma experiência semelhante àquela do espectador que se coloca diante de um panorama, tendo, nesse caso, a possibilidade de vislumbrar um conjunto formado pelos mais variados estilos, técnicas e temáticas. Dos pinheiros de Amadeu Bona aos quadros azuis de Renato Ruschel, passando pelo ultra-realismo de Pedro Girardelo Neto e pelo traço inconfundível de Ulysses Teixeira, só para citar alguns, nossa pintura é fruto de um ambiente cultural altamente desenvolvido.

A obra de Ivanira é o resultado de uma pesquisa de fôlego que, ao longo de anos de gestação, foi ganhando a forma que vemos agora, a de um baú repleto de pedras preciosas lapidadas por artistas que, ou nasceram em Porto União da Vitória, ou fizeram de nossa terra a sua legítima morada.

O livro já se firmou como um dos estudos mais significativos da história da cultura de nossas cidades. A obra, em geral, é assim composta: A autora apresenta a biografia de um determinado pintor e, na sequência, insere algumas imagens por ele pintadas.

De artistas mais consignados pela crítica, como Erich Will, Eugênio Schuwaloff e o já citado Amadeu Bona, até pintores contemporâneos ainda desconhecidos do grande público, a antologia Entrevistando a arte convida o leitor a entrar em um espaço que poderíamos chamar aqui de “museu imaginário”, um museu que consegue reunir mais de 3000 fotografias de produções artísticas, ou seja, formar um banco de imagens cuja iconografia, reunida de forma inédita, será de grande interesse e valia para as futuras gerações, que terão a oportunidade de conhecer o trabalho de nossos artistas até agora pouco documentado. Preenche, assim, uma lacuna nos estudos de arquivo em nossas cidades, arquivo esse fragilmente preservado. A obra, nesse sentido, salva um passado artístico até então fadado a ser obliterado da história, ou destinado apenas a ornamentar de forma anônima as paredes de nossas casas.

O livro satisfaz a fantasia de possuirmos e carregarmos debaixo do braço todas as pinturas nele registradas, já que guarda em miniatura boa parte da produção local. Seria, assim, uma espécie de caixa mágica que faz da coleção um instrumento de conhecimento e prazer. Logo, a satisfação de vê-lo publicado equivale ao êxtase do pintor que conclui seu trabalho, entregando-o ao público com o sentimento de dever cumprido. Vem-me a sentença: Esta obra de obras só poderia ter nascido das mãos e da imaginação de uma pesquisadora competente e apaixonada pela arte como a Ivanira Tereza Dias Olbertz.

Penso na importância desta obra não só para o presente, que já tratou de consigná-la pelo desejo homérico de salvar o passado, mas para o futuro, que terá em mãos um trabalho de inestimável valor, o registro fundamental de nossa produção artística. Se já é agora, imagine que bela pérola este volume será daqui há cem ou duzentos anos, quando o agora será mera miragem ou vaga lembrança.

Caio Ricardo Bona Moreira


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

breves apontamentos sobre "História e Narração em Walter Benjamin", de Jeanne Marie Gagnebin



Na introdução de História e Narração em Walter Benjamin, Jeanne Marie Gagnebin relembra a aventura de Ulisses na viagem-escritura de Odisséia. Observa que a narração do herói estaria atravessada por dois grandes gestos praticamente paradoxais: de um lado, a necessidade de Ulisses retornar a sua casa; de outro, a necessidade de diferir esse retorno para poder viver a Odisséia e realizar o relato. A narração ocidental se constituiria a partir da rememoração, da “retomada salvadora pela palavra de um passado que, sem isso, desapareceria no silêncio ou no esquecimento”. Narrar seria, assim, uma forma eficaz de lutar contra o esquecimento, contra a morte. É esse elo que parece aproximar a literatura da história. Ambas são movidas pelo ímpeto de narrar com o objetivo de não esquecer. Gagnebin lembra que ainda hoje literatura e história enraízam-se no cuidado de lembrar. No entanto, nem por isso a narração deixa de ser atravessada pelo esquecimento, pela morte: “esquecimento que seria não só uma falha, um branco de memória, mas também uma atividade que apaga, renuncia, recorta, opõe ao infinito da memória a finitude necessária da morte e a inscreve no âmago da narração”. Curiosa questão: Na morada de Calipso, Ulisses esquece. Em outra passagem, Ulisses dorme, enquanto os tripulantes abrem a bolsa de Éolo, provocando a tempestade. Assim, não podemos deixar de considerar que desde a origem da narrativa ocidental, memória e esquecimento formam os dois lados de uma só moeda, ou o mesmo lado de duas moedas diferentes. Jacyntho Lins Brandão observa que as Musas, filhas de Mnemosyne, são também filhas do esquecimento: “Se as Musas fossem só memória, sem o esquecimento e a pausa, não deixariam de ser o mesmo que representam as Sereias e acabariam por tornar-se fatais. Ora, ao unir-se a Memória a Zeus, mesclando-se com ele, na própria lógica da metáfora sexual, introduz-se nela algo diferente, algo que, tratando-se de uma divindade cujo nome revela um atributo unívoco bem estabelecido, só pode ser não-memória. As Musas, portanto, não são exclusivamente memória, mas memória e não-memória (expressa esta última como esquecimento, pausa)”.

O fato é mote para Gagnebin começar a pensar em uma série de questões abordadas pelo filósofo Walter Benjamin. Noções como a de origem, original, tradução, alegoria, morte e modernidade fazem parte do labirinto construído pelo autor de Origem do Drama Barroco alemão, livro aliás fartamente discutido no estudo de Gagnebin.

A idéia benjaminiana de “salvação” percorre o texto de Gagnebin, que a todo momento não se esquece de lembrar de esquecer. Se por um lado a idéia de “salvação” pode ser lida como uma fidelidade ao passado, isso não significa que represente uma infidelidade ao presente. Esquecer pode representar uma “resposta ativa ao apelo do presente e à promessa do futuro”. Por isso, não devemos ver em Benjamin a figura do arqueólogo que escava apenas para colecionar fósseis, trapeiro da memória, para lembrarmos de um dos poemas de As Flores do Mal, de Charles Baudelaire. Como ele mesmo (Benjamin) disse em um dos fragmentos de Rua de Mão Única, no ato de uma exploração cuidadosa, se ilude quem só faz o inventário dos achados, não sabendo assinalar no terreno de hoje o lugar no qual é conservado o velho. A contribuição do filósofo parece ser a de demonstrar que as verdadeiras lembranças devem proceder informativamente menos do que indicar o “lugar exato” onde o investigador se apoderou delas. Talvez por isso a opção de Benjamin pela alegoria. Em uma das passagens de seu ensaio sobre Goethe, “As afinidades eletivas”, ele contrapõe a figura do Comentador, que seria uma espécie de químico, interessado apenas na composição dos objetos, ao Crítico, uma espécie de alquimista, interessado na vida que há nesses mesmos objetos. E se o símbolo pressupõe um fundo, um referente apaziguador, a alegoria prefere os sustos, a transformação, a reinvenção da própria história, da própria narração.

breves apontamentos sobre O Ritual da Serpente, de Aby Warburg

O que interessava a Aby Warburg, como historiador cultural, na sua pesquisa sobre os índios americanos era que, em um país que fez da cultura técnica uma admirável arma de precisão ao serviço do intelecto, sobrevivia uma cultura primitiva e pagã, que poderia, equivocadamente, ser interpretada como um sintoma de atrasado. Warburg estava se referindo à adoração por meio da dança com máscaras de fenômenos naturais, animais e plantas, a que os índios atribuíam vida anímica.
A questão levantada por Warburg é a seguinte: “Em que medida pode nos servir o estudo da concepção pagã de mundo, tal como persiste até o dia de hoje entre os índios pueblo, como parâmetro de evolução humana que transcorre do paganismo primitivo à modernidade, passando pelo paganismo da Antiguidade Clássica?”

As práticas mágicas, que fundariam a religião indígena, não só dos índios pueblo, mas de grande parte das sociedades pré-tecnológicas, surgiram a partir da falta de água e da conseqüente necessidade do homem dominar os problemas impostos pela natureza. Mas não é apenas na dança com máscaras que o simbolismo religioso da tribo aparece. As cerâmicas produzidas pela comunidade pré-tecnológica traduzem as suas concepções cosmogônicas. Warburg relata ter recebido de um dos índios um desenho que representa um elemento básico da cosmologia dos Oraibi, o universo concebido como uma grande casa. O demônio que nela surge é representado com uma serpente. No entanto, e é importante ressaltar, a cultura dos índios pueblo não figura a Warburg apenas como preenchida de magia e destituída de técnica. Ambos convivem na curiosa comunidade:

“Tal coexistência da civilização lógica com a causalidade mágico-fantástica, revela o singular estado de hibridização e transição em que se encontram os pueblo. Eles não são homens de todo primitivos, que dependem somente de seus sentidos, e para os quais não existe uma atividade referida ao futuro; porém tampouco são como o europeu, que confia seu porvir à tecnologia e às leis mecânicas ou orgânicas. Os pueblo vivem entre o mundo da lógica e da magia, e seu instrumento de orientação é o símbolo. Entre o homem selvagem e o homem racional, se situa o homem das interconexões simbólicas”.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Feira do Livro 2012

Participo no próximo dia 12 de setembro, na Fundação de Cultura de União da Vitória (Estação Ferroviária) de um bate-papo com o professor e tradutor Caetano Galindo, em mais uma edição da Feira do Livro de União da Vitória, em parceria com o SESC Literário. O Galindo vai falar sobre a poesia além do papel, em tempos de internet. Eu farei a mediação. Uma noite antes, no dia 11, a palestra será proferida pelo Fabrício Corsaletti, que gosto bastante. Seu romance-novela "Golpe de Ar" é muito bonito. Fica o convite. Compareçam!

UM PINHÃO NA SANTA CEIA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EXPOSIÇÃO DE QUADROS DE ROBERTO BONA

Tive o prazer de visitar nesta quarta-feira, 04 de setembro, a exposição de quadros do pintor e músico Roberto Bona que está acontecendo no Recanto do Artesanato Amadeu Bona, em União da Vitória. Roberto, que é filho do artista plástico que dá nome ao espaço, não nega as origens. Inspirado pelo legado artístico do pai, seus quadros evocam paisagens telúricas do Vale do Iguaçu compostas por pinheiros, riachos, estradas rurais e montanhas preenchidas de um verde oliva singular. No entanto, seu trabalho não é uma mera tentativa de recapturar a experiência pictórica de seu progenitor. Roberto sabe da importância e da necessidade de criar seu próprio caminho. Quem conhece a sua trajetória percebe o trabalho em progresso que está em jogo no seu pintar. Seu estilo não é acabado e esta parece ser uma de suas qualidades. Não estamos diante de um pintor que encontrou um tema e um traço e neles transita confortavelmente, escravizando-se no lugar comum. A zona de conforto, para ele, está fora de cogitação.


Mesmo quando seu interesse se repete no motivo dos pinheiros, ele consegue fazer-se diferente. Como nos diria o poeta Manoel de Barros, “repetir é um dom do estilo”: “repetir, repetir, até ficar diferente”. Repetição e diferença fazem parte de seu cardápio imagético. Basta observarmos como o tratamento espatulado das cores pastéis em alguns de seus quadros aproxima parte de sua pintura do impressionismo francês. É o que vemos, por exemplo, no quadro intitulado “O Casebre”, que integra a exposição. Se por um lado repete o tema, como seu pai já fazia com presteza e inigualável talento, por outro varia no procedimento, as tonalidades e luzes são diferentes, fazendo de sua pintura um objeto singular que é digno de atenção.

Não seria fortuito observar que no trabalho de Roberto Bona as variações formais sobre um mesmo motivo, com o passar do tempo, foram dando espaço também para a variação temática. Prova disso são as experimentações constantes que o artista vem desenvolvendo nos últimos meses e que podem ser percebidas não só nas marinhas e nos bambus, como também nos criativos exercícios de releitura da obra de outros pintores.


Na exposição, depois de contemplar a maioria dos trabalhos apresentados, meu olhar foi capturado por uma “transcriação” da “Santa Ceia dos Operários”, de Jaime Trindade. Em um primeiro momento, nada de novo. Lá estão os doze operários-apóstolos mais o “presidente do sindicato”, fartando-se de comida e bebida. No entanto, um olhar mais atento nos mostra algo no mínimo curioso. Roberto Bona inseriu, entre os alimentos, o pinhão. Em um segundo plano, dispostos atrás dos personagens e vislumbrados através da janela estão os pinheiros. O que poderia ser apenas um detalhe faz toda a diferença. O nosso artista reinventa com criatividade a obra de Jaime Trindade. Estamos diante de um procedimento de intervenção que, se por um lado fornece a uma obra já produzida um “ar” regional, por outro, dá ao pinhão e ao pinheiro ares universais. A “Santa Ceia” de Roberto Bona é sertaneja - no melhor sentido da palavra - e não menos sagrada. Seu gesto faz lembrar da Monalisa de bigodes, de Marcel Duchamp, que, ao inserir um pequeno detalhe no quadro já conhecido, tem o poder de transformar o original, fazendo da cópia algo mais produtivo do que a mera reprodução. O que demonstra que Roberto Bona é hoje um de nossos pintores mais inventivos.

(Santa Ceia dos Operários, ainda sem o pinhão e os pinheiros)

Em um momento conturbado como esse, no qual, muitas vezes, as pessoas quase perdem a sua vida por questões político-partidárias, talvez seja a hora de olharmos mais para a arte, para com ela percebermos o que realmente importa e o que realmente faz para nós sentido. Que a “Santa Ceia” seja a nossa oração.


Caio Ricardo Bona Moreira




domingo, 10 de junho de 2012

Cidadela

a cidade envelhece como o corpo da mulher amada, ganhando com o tempo menos tempo e mais graça. seu mapa sem maiúsculas assim cresce e se retraça. mais ruas mais becos mais bosques beiradas. essa cidade tão minha tão sua sabe do meu ciúme mas altiva esnobe não se retrata: cheia de curvas e ares além do espaço euclidiano insiste em ser de todos a minha (na)morada
 
                                                              Imagem de Jorge Macchi

Crime

Que mistérios se escondem dentro das bolsas da mulher silenciosa? Quantos crimes lá estão hermeticamente guardados. quantos segredos escondidos por entre o rímel, batons, pancake e outras mumunhas mais? Quantos crimes repousam naturais por trás de tantos artifícios? O pecado não está na maquilagem, que a faz graciosa - hereditária Salomé das Bijuterias e Bistrôs -, mas naquilo que ela, sem fazer barulho, eclipsa e disseca: restos de um corpo esquartejado com a faca que antes cortava a cebola e o pepino.



Luiz Felipe Leprevost

Nesta segunda-feira, 11 de junho de 2012, o escritor Luiz Felipe Leprevost é o convidado do primeiro encontro do Clube do Livro - edição 2012 -, um evento organizado pela Fundação de Cultura de União da Vitória em parceria com o Colegiado de Letras da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, campus da UNESPAR. O escritor falará sobre seu romance "E se contorce igual a um dragãozinho ferido", editado pela Arte & Letra, de Curitiba. Participará do bate-papo o escritor e editor Thiago Tizzot. O evento acontece no auditório da Fundação de Cultura, no prédio da Estação, às 19h30. A entrada é franca. O encontro será mediado pelo professor Caio Ricardo Bona Moreira, da FAFIUV.

                                                                        Leprevost

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O aniversário da cidade, o pintor e a charrete


(Depois de visitar ao ateliê do pintor e amigo Renato Ruschel, escrevi o texto que segue. Ele foi publicado no jornal O Comércio, de União da Vitória - PR, em março de 2012) 

Tarde ensolarada. O pintor entra em seu ateliê, retira as tintas, pincéis e espátula de um pequeno baú, dispõe o quadro branco sobre o cavalete e inicia com presteza o trabalho. Traça a lápis pequenos contornos de uma imagem que ainda não é. Da ordem do vir a ser, talvez só ele mesmo saiba o que será.




Cores vão sendo lançadas e misturadas em uma paleta que mais parece agora um quadro de Pollock. Aos poucos, metódica e ininterruptamente, os movimentos da espátula, comandados pelos gestos de uma mão valorosa e precisa - cuja técnica é inspirada também pelo talento -, vão contornando com tinta os traços previamente delineados e dando forma a uma paisagem específica. Trata-se da antiga sede da Prefeitura Municipal de União da Vitória. A construção, que ocupa grande parte do quadro, recebe a luz de um dia claro numa possível manhã de primavera. É o que indica o ipê florido em uma das extremidades. A obra nasce.

Estamos diante de uma homenagem não só ao município, pela passagem dos seus 122 anos, mas também ao povo de União da Vitória, pois a cidade, sem o povo que lhe dá alma, nada mais é que a pálida sombra de um território sem ânimo. Por isso, falar do pintor e de sua obra é também uma forma de comemorar o aniversário.

O prédio é belo e imponente, no entanto, um pequeno detalhe lhe rouba a cena. À frente da Prefeitura Municipal, deparamo-nos com uma charrete. A sua presença não é fortuita no quadro. Não se trata apenas de um motivo ilustrativo ou um mero charme pictórico. O pintor a insere com um gesto de gentileza, como quem entrega uma rosa à mulher amada. Curiosamente, ao olhar para a obra, tenho meus olhos voltados imediatamente para o pequeno detalhe. Roland Barthes, ao falar sobre fotografias, em “A Câmara Clara”, observou dois aspectos presentes nas imagens: o “studium” e o “punctum”, algo que poderíamos pensar, aqui, em relação à pintura. O “studium” seria o “visível”, o elemento que determina o contexto da época, a cultura retratada na obra. O “punctum”, por sua vez, seria o “detalhe”, algo instigante que chama a atenção, parecendo sair da imagem para tocar o observador. Pois é assim que vejo a charrete, como “punctum”.


A charrete pertencia ao Sr. Francisco Laubembacher (nascido em 1900), que abriu o primeiro Escritório de Imóveis das Gêmeas do Iguaçu, na rua Prudente de Moraes nº 91. O pequeno meio de transporte era um aproveitamento de um Chevrolet 1925. Segundo o artista, com base em informações da família Laubembacher: “Após ter fechado a imobiliária, o Sr. Francisco continuou suas vendas em bares da cidade. Faleceu em 1965, tendo seu filho Reinaldo vindo de Curitiba para acertar as vendas. Utilizou-se da charrete e para sua surpresa, a égua Morena parava sistematicamente em cada bar”.

Na presença efêmera, contingente e transitória da charrete, que ganha ares de infinito e é eternizada na obra, vemos um sintoma da imortalidade do povo que constrói a cada dia a nossa querida cidade. Aliás, são os artistas, pintores, poetas, escultores e compositores que conseguem de maneira plácida e inconfundível imortalizar nossa gente, nossos costumes e habitat. Do silêncio de seus ateliers, brotam manifestações artísticas de grande valor, como o poema de Joaquim Serapião do Nascimento, uma declaração de amor à cidade que parece dialogar com o quadro: "Selvagem qual bugre nu / Banhada pelo Iguaçu / À beira dele nasceste, / Linda cabocla indolente (...) / Ao som de cantos de amores, / “Eis a União da Vitória.”

O autor do belo quadro que comentamos ao longo do texto é Renato Ruschel, conhecido nas nossas cidades não só como o pintor das paisagens azuis, mas também como exímio alfaiate. A mesma mão que corta os tecidos e costura os elegantes trajes masculinos é aquela que passeia pelo quadro, retratando belos pinheiros, cenas históricas e lindos luares. O professor Eloy Tonon, em seu livro sobre a saga da família Ruschel, escreveu sobre o pintor: “As pinturas do artista plástico Renato são representações de memórias, abertas para uma leitura de suas significações. Imagens de nossos momentos de história local e regional. Lembranças evocadas, que contabilizam um resultado altamente positivo na beleza plástica visível e nos complexos aspectos de memórias invisíveis”. Tornar visível o invisível, imortalizar o transitório e abraçar a arte em busca de um mundo mais pleno e belo, parecem ser os objetivos de um pintor que, assim como o município abraçado em seu aniversário, é eterno.
Obs: O quadro de Renato Ruschel integra a exposição de artistas plásticos das Gêmeas do Iguaçu, que ocorrerá na Galeria de Arte Eric Herbert Will, na Fundação Municipal de Cultura de União da Vitória, entre 26 e 30 de março, como parte das comemorações pelo aniversário do município.

caio ricardo bona moreira

Zine de Literatura

O amigo e poeta Fabio Cesar lançou o zine de poesia DESESCRITOS...
felicitações pela iniciativa, pelos poemas e pelo belíssimo trabalho gráfico...


O zine pode ser baixado gratuitamente no endereço:

https://docs.google.com/file/d/0B-tUN_D_RqenVG1lS3F2SXVMbGM/edit?pli=1

VIII Jornada Tuliana de Educação

10 de maio de 2012


19h30min – MESA-REDONDA
LOCAL: AUDITÓRIO DO COLÉGIO TÚLIO DE FRANÇA
LITERATURA, FOTOGRAFIA E EDUCAÇÃO
Prof. Dr. Caio Ricardo Bona (FAFIUV)
Prof.ª Ms. Angela Farah (UNIUV)
Prof. Mdo. Josoel Kovalski (FAFIUV/PG-UFPR)


programação completa:

http://meioambientetulio.blogspot.com.br/2012/05/vii-jornada-tuliana-da-educacao.html