domingo, 26 de abril de 2015

quintana, sobrinha e leminski


amo quintana,
quintana na quinta, ana, 
nem se fala,
amo mais ainda

quinta, ana,
meu dia de folga,
mira mira,
melhor a quinta, ana,
com ele
do que ela sem quintana...

(para minhas anas)
na foto, Leminski, Quintana e sua sobrinha,

que não sei se se chama ana

c.moreira

A.C. Cesar em sépia


Sempre gostei das fotos de a.c. elas me diziam quase tudo o que ela era. Aqui com pose bandida, quase vândala. Um quadro realista do século XIX, talvez um arrufo, vestido e suas dobras no divã. Ou mesmo Sarah Bernardt. a.c. tinha os olhos mais vivos e antigos que o Velho Testamento. Dizer quase tudo o que ela era - o que a foto inevitavelmente faz - é o mesmo que quase nada. O que esconde uma luva de pelica? A foto enigma a esfinge e tinge de sépia sua ausência por demais presente.

terça-feira, 14 de abril de 2015


Poesia revolucionária de Ico



Uma das importantes contribuições da Comissão Nacional da Verdade - interessada em apurar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil - diz respeito à revisão da versão oficial dada para a morte de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, vulgo Ico, cujo corpo foi encontrado com um tiro na cabeça em um quarto de pensão em Porto Alegre, em 1972.Segundo a versão oficial dada pelos militares, com base em laudo cadavérico e outros exames, tratava-se de suicídio. Peritos da CNV (Comissão Nacional da Verdade) analisaram os documentos do caso e, com base em novas tecnologias, concluíram que o jovem militante foi assassinado. Luis Eurico nasceu em Porto União em 1948. Além de militante era poeta. Recentemente, a editora Tche publicou o livro de poemas e cartas de Ico: "Condições Ideais para o Amor".

O seu poema "Balada da Ham-li" rende louvor ao povo vietnamita e sua resistência:

"Na pequenina aldeia
de Luang-Dinh
um menino
de pele amarela
e olhos rasgados
está
silencioso
deitado no chão
seu nome
Ham-li
as mãos
as pequeninas mãos
de Ham-li
estão crespadas
retorcidas
por uma grande dor
os pequeninos braços
fortes de Ham-Li
- menino camponês
estão descarnados
e já se decompõem.
Os pequeninos pés
andarilhos de Ham-Li
- menino soldado -
encolhidos
assemelham-se a uma
terrível garra
A pequenina face
de pele macia
onde brilhavam
os negros olhos rasgados
o menino Ham-Li
escondeu-a no ventre aberto
para que o mundo
não visse tanto horror.
Mas ao pequenino coração
do menino Ham-Li
o Napalm
não poderá jamais atingir!
Entre os escombros
da pequenina aldeia
de Luang-Dinh
um menino
de pele amarela
e olhos rasgados
está
silencioso
deitado no chão.
O pequenino coração
do menino Ham-Li
pulsa
inalterado
sobre todo o Vietnã."

Varela, esse pré-beatnik


Conta a lenda que, certa vez, um professor do poeta romântico Fagundes Varela vaticinou que ele nunca seria um bom poeta. Varela escreveu, então, duas estrofes à maneira camoniana e indicou que o autor seria Luís de Camões. Logo depois, copiou duas estrofes de Os Lusíadas e assinou com seu nome. Mostrou as quatro estrofes ao professor, que lendo as de Varela indicou serem memoráveis. E indicou as duas estrofes escritas por Camões, mas assinadas com Varela, como medíocres. Reza a lenda ainda que Varela riu do professor.

Poeta Maldito




o dito pelo não dito
na próxima vinda
venho de poeta maldito

desses que vivem a noite
como se fosse um dia
sua própria poesia

desses que andam em bando ou em becos
mas que estão sempre sozinhos
desses que escrevem com sangue
na borda das páginas
seus infinitos labirintos

desses que têm vocação para anjo
mas que saem no retrato
sempre com cara feia de bandido

Claro Janson em União da Vitória


O fotógrafo sueco Claro Janson, que viveu no Brasil no final do século XIX, e na Argentina, no início do século XX, registrando episódios da Guerra do Contestado e da Revolução de 1932, casou-se com uma jovem de Porto União da Vitória. Quando aqui viveu, enviou uma carta para a irmã, que morava em Jaguariaíva, descrevendo a noiva:

"Você me pergunta que tal é a minha noiva. Que pena que aqui não há fotógrafo, e eu lhe mandaria um retrato dela. Eu a amo muito, ela é tão doce quanto se possa imaginar e até se parece com você, só que tem olhos castanhos e uma testa mais alta. Ela é tão baixinha que só me chega aos ombros, é muito branca, talvez você pense que ela seja negra; sua mãe é branca, mas o pai é moreno; ela tem duas irmãs que são meio morenas. O nome dela é Benedita Maria dos Santos Mattozo...

Porto União da Vitória, 9 de dezembro de 1897".

Agatha Christie, ficção e realidade


O Dr. Hugh Johnson, especialista em medicina legal, descobriu os crimes praticados por Frederick Graham Young na cidade industrial de Bovingdon, nos Estados Unidos, depois de lembrar do livro "O Cavalo Amarelo", de Agatha Christie, que havia lido anos antes. Os mesmos sintomas sentidos pelas vítimas do romance eram visíveis nos crimes de envenenamento praticados por Young: vômitos, paralisia, pele escamada, alucinações e cabelos caindo com a raiz. Em ambos os casos, os criminosos usavam o tálio para envenenar suas vítimas. Reza a lenda que Agatha Christie ficou aborrecida ao saber dos assassinatos de Bovingdon, com medo de que o assassino tivesse se inspirado na sua narrativa.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Evaporação do objeto ou máquinas flutuantes do brincar


Ao analisar a desintegração poética do peso, cuja origem pode ser encontrada nos móbiles - essas esculturas às avessas e coloridas de nossa infância - que vemos balouçar em nossos tetos, e que desde o princípio, ao sabor de um leve vento, nos ensinam a lição: "movam-se!", ao analisar esse aparelho de abstração, Ferreira Gullar visita em um de seus Relâmpagos crítico-poéticos, a obra flutuante e fulgurante de Alexander Calder. Para o poeta-crítico, "das alegorias mitológicas às alegorias históricas, da imitação dos objetos cotidianos à desintegração impressionista; de sua reconstituição plástica à sua decomposição estrutural - a pintura se torna pintura-da-pintura: a superfície que antes era apenas o suporte material sobre o qual o pintor criava um espaço virtual torna-se com a evaporação do objeto representado, o objeto da pintura". Para ele, a escultura segue curso semelhante: Evapora o objeto representado. Assim como a crítica, faz um elogio do objeto ausente. Eis um móbile de Calder. Seduz-me esse objeto feito vapor. Esse é seu destino de nuvem. Seu percurso está traçado desde o gesto nefelibata de um poeta simbolista, passando pelas nuvens da arte discutidas por T.J. Clark, no ensaio "Modernismo, Pós-modernismo e vapor". Encanta-me o tema, desde as brumas de Cruz e Sousa, passando pelas nuvens de Oscar Bony, até as mais variadas rarefações do objeto na arte e crítica contemporâneas. Essa parece ser uma obsessão da arte do presente. Evaporar, no entanto, não significa desaparecer, diga-se de passagem, mas apenas um trans-mudar, mudar-de-si, mudar de estado, ser outro, metamorfosear-se, talvez numa nostalgia ao infinito, ou apenas numa vocação para vida líquida nos tempos atuais, já preconizada, aliás, pela filosofia.

Obs: Lembro que evaporar é o que deseja o personagem principal de Doutor Pasavento, de Enrique Vila-Matas. Aliás, Pasavento me parece uma alusão quase óbvia ao vento que passa, Passa Vento. Não esqueçamos que a formação dos ventos é influenciada diretamente pela pressão atmosférica, radiação solar, umidade do ar e evaporação. 

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Flores

Lily Litvak, em seu livro Erotismo y Fin de Siglo, escreve sobre tópicos da poesia do final do século XIX e início do século XX. Antes de refletir sobre a questão do fetichismo, da mulher fatal, do satanismo, da decoração, entre outros elementos recorrentes nessa literatura, Litvak analisa o simbolismo das flores. Para ela, nesse momento, a poesia criou com as flores uma linguagem simbólica: "Às flores arquetípicas e tradicionais se uniram as que o fim do século redescobriu e popularizou". A decoração floral não era realista, "estilizou-se até o grau mais extremo, tratando de apresentar uma concepção anímica". Pintores adornaram seus quadros com as mais variadas flores, poetas fizeram o mesmo em seus poemas. Ora com conotações eróticas, ora religiosas, as flores coloriram a poesia do final do século XIX. O lírio foi um de seus topos mais recorrentes. Lírios brancos em mãos de mulheres mortas, lírios no peito das heroínas de Swuinburne, alegóricos lírios de Moureau, suaves de Viéle Griffin, os de Gilkin ou Paul Valery. Para Pierre Louys se converteram no sexo feminino. Valle Inclán descrevia uma mulher em termos florais: "El cuello florecía de los hombros como um lirio enfermo, los senos eran dos rosas blancas aromando un altar". Cruz e Sousa sugeriu um divino: "Desprende o fino perfume / Etereal / E vem do celeste fume / Ó lírio astral". Paulo Leminski lembra que a consciência icônica inovadora do Simbolismo não se revelava apenas na iconização do verbal, como na grafia fantasita da palavra "írio", grafada pelos poetas como "lyrio", a letra y funcionando como ícone da flor/referente: "Revela-se, ainda, na revolução que associamos às Correspondências de Baudelaire ou ao soneto das vogais de Rimbaud". Muitas coisas poderiam ser pensadas a partir daí, como o ensaio A linguagem das flores, de Bataille, o livro A metamorfose das Plantas, de Goethe, A inteligência das flores, de Maeterlinck, entre tantos outros que nos ajudam a pensar na sua potência literária.