Participei no dia 28 de novembro de 2022 da Semana de Extensão e Ensino, de História e Cultura afro-brasileira da Unespar, campus de União da Vitória, com uma conferência de abertura sobre a obra de Eliana Alves Cruz. Uma atividade voltada à Semana de Consciência Negra.
Título da Conferência: "Os figurantes: esses protagonistas, ou os escombros da experiência diaspórica em O crime do cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz"
Fragmento:
O
romance O crime do cais do Valongo,
investindo seu olhar no que poderíamos chamar de “estética da encruzilhada”, ou
“arte do encruzamento”, ou ainda “poética do cruzo”, promove um encontro entre
diferentes elementos narrativos. Aliás, o conceito de encruzilhada é amplamente
discutido por pensadores como Luiz Rufino (2019), inserindo-o no universo da
filosofia e da educação, como uma espécie de sabedoria de fresta, uma espécie
de jogo contra o carrego ocidental e a violência do colonialismo. Eliana faz do
limiar, ou melhor, da encruza, o lugar de contato entre dois países, Moçambique
e Brasil, entre dois continentes, a África e a América, entre dois tempos, o
início do século XIX e o início do XXI, entre duas dimensões, o Orum e o Aiyê
(céu e terra na língua do colonizador), entre dois narradores, Muana Lomuè e
Nuno Alcântara Coutinho. Tais encruzamentos dão sentido à experiência diaspórica
que é pano de fundo da obra. Maria Farias Rebelo, no recente artigo “Sobre
cruzos, soterramentos e redescobertas” (2022), em que analisa a literatura de
Eliana Alves Cruz, centrada na figura do cais do Valongo, já apontou para o conceito
de encruzilhada, tal como desenvolvido por Leda Maria Martins, com o objetivo
de “deslindar o caráter rizomático da cultura africana que, na diáspora
brasileira, se conforma em especificidades plurais de performances e movências
(...)”. Além dos cruzos do espaço físico, da pluralidade de
narradores, dos mundos variados postos em questão, Marina Rebelo chama a
atenção para a relação entre letrados e não-letrados no livro, entre deslocados
e realocados na diáspora, entre mortos e vivos.
Para ela, o Valongo acionado como operador teórico no livro, “(...) é
centro deslocado de um mundo em que vida e morte coexistem”.
Seria
o momento de perguntarmos o que fazer para que as vítimas do crime do cais do
Valongo ganhem voz, nome e rosto, e não desapareçam soterrados no limbo da
história? E qual é o papel do romance nessa tarefa?
Se
há uma desproporção entre a experiência vivida pelos homens escravizados e seus
relatos sobre essa experiência - tendo em vista o processo de silenciamento a
que foram submetidos milhões de negros na diáspora (quase não há testemunhos)
-, não seria o caso de recorrermos à literatura, e mais precisamente à
imaginação, para além da pesquisa arqueológica e historiográfica, pois que
imaginar é também uma forma de saber. Lá onde falham os arquivos, se alevanta a
imaginação.