
Vez e outra meu avô plantava uma flor e colhia uma poesia. A margarida é poeta e nem sabe. Sua fala, uma arte: elabora pausas, metrifica os horizontes e deixa todo mundo curioso. Não sabe escrever, mas vai longe. Tão fácil escondê-la num labirinto botânico, botá-la no bolso, ou desidratá-la em um livro. Mas não te quero peça de museu nem adereço na lapela. Imagino-te assim, livre e desimpedida, sem prazo de validade, descontada das dívidas do amor. No máximo descascá-la numa séria brincadeira de bem me quer e mal me quer. Dessa maneira, poderei te ler em braille, dedos, toque e coração. No quintal do meu avô, quem manda mesmo é a margarida. Enquanto as formigas vão inventando sua própria sintaxe e os pardais vão tecendo um inusitado idioma repleto de variações lingüísticas, a flor canta Fellings e cava a tarde sem fazer alarde, esperando o príncipe que nunca vem.
.
c.moreira