sexta-feira, 28 de setembro de 2007

"ESCREVENDO COM A LUZ" - SOBRE A EXPOSIÇÃO DE FOTOS: "COTIDIANO"

Talvez fosse melhor não escrever sobre fotografias. Onde a foto diz, o texto cala. A palavra não seria mais do que um empecilho para aquele que deseja olhar a foto, descobrir o fato, contemplar o instante. No entanto, a etimologia aponta justamente para o fantasma que queremos afastar: fotografia quer dizer “escrever com a luz”. O significado basta para mostrar que o homem está condenado a escrever e fadado a ser escrito (fotografado), o que não quer dizer que isso seja uma catástrofe. Pelo contrário. São as imagens que nos revelam o mundo, mesmo convivendo com o paradoxo de ser e não ser aquilo que mostram. Ao apresentar com fidelidade aquilo que nem mesmo o quadro renascentista mais realista consegue retratar, a fotografia se destaca como uma das grandes invenções, assim como a escrita.

A foto não se constitui apenas como um registro, mas principalmente como uma leitura da realidade. O que faz com que não vejamos apenas o mundo nas imagens. Nelas, vemos também o fotógrafo. Susan Sontag, no livro intitulado Sobre Fotografia, afirma que embora em certo sentido a câmera de fato capture a realidade, as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as pinturas e os desenhos. Assim, o fotógrafo não deixa de ser também um analista urbano e uma espécie de “pintor” da vida moderna. O problema é que ao invés de estimular o olhar para se aproximar do mundo por meio da foto, o homem vive hoje o mundo como uma grande imagem. É o que Vilém Flusser, em Filosofia da Caixa Preta, chamou de idolatria: “O homem se esquece do motivo pelo qual imagens são produzidas: servirem de instrumentos para orientá-lo no mundo”. Caberia perguntar: Como afastar a idolatria? Olhando mais para a realidade, mesmo que seja por meio das imagens.

A exposição "Cotidiano", organizada na Estação Ferroviária pelo professor Lúcio Passos em parceria com a Fundação de Cultura de Porto União, reúne trabalhos de vários fotógrafos da cidade e contribui para nos afastar daquela idolatria observada por Flusser. As suas imagens apresentam aquilo que, quase sempre, passa despercebido pelo nosso olhar, “os gestos e lugares comuns”: as ruas, os ciclistas, aquele senhor no banco da praça, aquela criança que coleciona sorrisos, aquele homem com o olhar distante, a loja, enfim, aquilo que é transitório, contingente, efêmero, e que na foto ganha um status de “eterno” e “infinito”. Dessa maneira, o ínfimo do cotidiano é colocado novamente em jogo e parece dizer: “eu estou aqui!”. Às vezes, precisamos ver a foto para enxergá-lo.

O poeta Waly Salomão, num dos poemas do livro Gigolô de Bibelôs, lançava a profecia: “Sob o signo de Proteu vencerás. Por cima do cotidiano estéril de horrível fixidez”. É com o mesmo cotidiano que trabalha o fotógrafo da exposição, só que este transforma em arte aquilo que antes era quase invisível, estéril. Vale lembrar que Proteu é uma figura mitológica que representa a transformação. Assim, tirar fotos do cotidiano não significa somente registrar o mundo, mas também agir sobre ele. Mais do que selecionar meros recortes da realidade, as imagens do Cotidiano parecem instalar uma janela para o mundo, uma janela onde o outro lado só poderá ser o lado de cá. Lembrando de Waly, poderíamos dizer: “O fotógrafo do Cotidiano tem olho-míssil e não olho-fóssil”. É que o passado da imagem fotográfica ainda é presente e continua fazendo sentido.

(publicado originalmente no Jornal Caiçara, 21 de Setembro de 2007)

2 comentários:

L. M. de Souza disse...

cara que tesao de texto. coloca umas fotos ai se conseguir.

Jump 4 for World disse...

Uma tentativa de salvar a terra de uma catastrofe inter-galaxial.. entre e se informe de como vc pode ajudar a salvar a terra.
Jump 4 the world, de um pulinho lah!