segunda-feira, 2 de março de 2009

As imagens, novamente...

Didi-huberman vem tocando em problemas fundamentais da história da arte. Poderíamos partir da idéia, presente nos trabalhos do filósofo francês, de que diante da imagem, estamos diante do tempo. Em Ante el tiempo, Didi-huberman alude a um dos relatos de Kafka para afirmar que estaríamos diante da imagem como diante do marco de uma porta aberta. A abertura da imagem poderia ser associada àquela porta que se abre diante do tempo. Ele nos chama a atenção para um dos afrescos do Convento de São Marcos, em Florença, pintado no século XV pelo Frei Angelico. O contraste entre as paredes pintadas a cal e o quadro roxo salpicado de “manchas erráticas”, que se perpetuou como uma constelação de fogos de artifício ou estrelas fixas, gera uma deflagração do tempo, capaz de mostrar que “ante una imagen – tan antigua como sea -, el presente no cesa jamás de reconfigurarse” e que “ante una imagen – tan reciente, tan contemporánea como sea -, el pasado no cesa nunca de reconfigurarse”.

Depois de mais de quinhentos anos, descobrimos que as imagens têm mais memória e duração do que aquele ser que mira. O exemplo serve para mostrar que o filósofo está interessado em estudar a imagem como uma construção da memória. O problema que se coloca, segundo Didi-huberman, é como estar à altura de todos os tempos que as imagens diante de nós conjugam sobre tantos planos? A parede do Beato Angelico é pretexto para levantar uma reflexão sobre a história da arte, bem como sobre problemas que direta ou indiretamente estão relacionados a ela, mas não foram devidamente abordados, como o caso da atividade pictórica de Frei Angélico, que estava próxima de uma iconologia religiosa, porém foi obliterada da literatura científica consagrada ao Renascimento.

A pergunta do filósofo é clara: “Em que condições um objeto ou um questionamento histórico novo pode, assim mesmo, emergir tardiamente em um contexto tão conhecido e tão, por assim dizer, ‘documentado’, como é o Renascimento florentino?”. Didi-huberman parece estar bastante interessado em refletir sobre o que poderíamos chamar de “regimes do olhar”. Por que olhar para a Santa Conversação, no Convento de São Marcos, e não olhar o afresco de Frei Angelico? Esse questionamento leva Didi-huberman a questionar o próprio estatuto da história da arte, como disciplina científica. Partir de uma reflexão sobre a questão do tempo, da intersecção de tempos ao longo da história, e de como essa intersecção afeta um regime do olhar, parece ser seu ponto de partida. Necessária ao filósofo a emergência de uma semiologia que não seja nem positivista, nem estruturalista: “Intentar, en definitiva, una arqueología crítica de la historia del arte (...)”. Acreditamos ser bastante conclusiva e esclarecedora a afirmação de Didi-huberman quando se refere que se deter diante de um objeto, no seu caso o muro de Frei Angelico, não significa somente interrogar o objeto, mas principalmente atentar para a questão do tempo: “Tal es la apuesta del trabajo: empezar uma arqueología crítica de los modelos de tiempo, de los valores de uso del tiempo en la disciplina histórica que hizo hacer de las imágenes su objeto de estudio”.

Didi-huberman vê a necessidade do anacronismo, que aparece no interior dos próprios objetos, como uma riqueza: “o anacronismo seria assim, em uma primeira aproximação, o modo temporal de expressar a exuberância, a complexidade, a sobre-determinação das imagens”.

c.moreira

2 comentários:

Mada disse...

Um primo teu me indicou teus textos, e não temo dizer que gostei muito. Gostaria de ver o livro. Bjos, Carolina.

Anônimo disse...

Thanks :)
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