quinta-feira, 16 de junho de 2016

Origens da Literatura Brasileira: um problema, três pontos de vista


A questão da origem da literatura brasileira é amplamente discutida por historiadores e críticos. Esquece-me, muitas vezes, no entanto, dos nós que se apresentam ao longo desta linha imaginária que poderia ser chamada de história de nossa literatura. Diríamos que a questão da origem é problemática e suscita aprofundamento. Apontamos para três grandes teses que buscam direta ou indiretamente uma origem para a literatura brasileira. A primeira, sustentada por Afrânio Coutinho, em Conceito de Literatura Brasileira, imagina no século XVI o nosso legítimo começo. A segunda, de Antonio Candido, aponta em Formação da Literatura Brasileira para o século XVIII, momento especial no qual um sistema literário é posto em funcionamento. E a terceira, de Haroldo de Campos, que, criticando Candido, situa no século XVII nossa gênese literária.
Geralmente, os estudos relativos à historiografia da literatura brasileira tomam como ponto de partida o início do século XVI. Os manuais didáticos tendem a reproduzir esse modelo. Entende-se como "começo", neste contexto, a Literatura Informativa e/ou de Viagem, bem como a literatura produzida por jesuítas, em solo brasileiro. José de Anchieta, por exemplo. Esse é o argumento de Afrânio Coutinho. Segundo o crítico, a literatura brasileira "iniciou-se no momento em que começou o Brasil. É brasileira, desde o primeiro instante, tal como foi brasileiro o homem que aqui se formou desde que o europeu aqui se implantou". Coutinho retoma o conceito de "obnubilação", desenvolvido por Araripe Júnior, segundo o qual o europeu, ao chegar ao Brasil, sofreu um relativo esquecimento dos laços afetivos que o ligava com a Europa e passou por um processo de gradativo apego ao lugar que começava a colonizar. Essa obnubilação foi responsável por gerar uma espécie de nativismo (amor à terra) que mais tarde se transformaria em um nacionalismo (amor à pólis). Esse processo marcaria, sob esse ponto de vista, desde o início da colonização uma singularidade da literatura produzida no Brasil em relação àquela produzida em Portugal.

Afrânio Coutinho

Em 1959, Antonio Candido, por sua vez, publica a sua tese Formação da Literatura Brasileira, na qual sustenta que a nossa literatura teria tido seu processo de formação em meados do século XVIII com a produção de Cláudio Manuel da Costa. Para Candido, é nesse momento que um sistema literário, pautado pela relação triádica entre autor-obra-público, é posto em funcionamento no Brasil. Com a formação da própria sociedade brasileira, com ímpeto de autonomia política - oriundo de um sentimento de nacionalidade -, com o surgimento de Academias que congregavam intelectuais, com o surgimento de escolas, bibliotecas e livrarias, um sistema literário passa a esboçar um processo formativo de nossa literatura. Quando a atividade dos escritores de um dado período se integra em um tal sistema, ocorre, para Candido, um elemento decisivo: "a formação da continuidade literária - espécie de transmissão da tocha entre corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os lineamentos de um todo". As produções de escritores anteriores ao século XVIII, portanto, não serão fundamentais para a formação de nossa literatura, sendo consideradas por Candido como apenas "manifestações literárias" que não chegaram a constituir um sistema. É o caso do barroco de Padre Vieira e de Gregório de Mattos. Não deixa de ser lamentável a ausência do Barroco na tese de Candido.  

Antonio Candido

Haroldo de Campos em 1989, publica o seu estudo O sequestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: o caso Gregório de Mattos justamente para criticar a ausência do Barroco, em especial a o do "Boca do Inferno" no panorama de Candido. Para o poeta, crítico e tradutor concretista a qualidade estética do nosso barroco, em especial o de Gregório de Mattos já mostra que há no século XVII uma Literatura Brasileira adulta (1989).


Haroldo de Campos

Poderíamos aprofundar aqui a discussão, analisando, por exemplo, os pontos fortes e fracos de cada uma dessas teses, abordando, por exemplo, com Walter Benjamin, o problema da origem pensada como gênese, como algo dado e acabado no tempo. Em Origem do Drama Barroco Alemão, Benjamin observa que o conceito de origem deve ser a partir da ideia de inacabamento e de vir-a-ser. Para ele, ela não significa uma gênese: “A origem, apesar de ser uma categoria totalmente histórica, não tem nada a ver com a gênese. O termo origem não designa o vir-a-ser daquilo que se origina, e sim algo que emerge do vir-a-ser e da extinção”. Definir uma gênese seria, então, abandonar o conceito de origem benjaminiano, caindo na busca de uma arké. Estaríamos, então, diante de um problema de tempo, e da impossibilidade de reduzi-lo à história. Impossível pensar no originário sem levar em conta que ele é pautado pela restauração e pela reprodução, sendo, portanto, incompleto e inacabado. Ou seja, seria impossível definir uma origem entendida como começo no que se refere a nossa literatura. 
Pelo que parece estamos fadados a escrever e reescrever sempre isso que chamamos de história. Talvez seja melhor falarmos em "começos", ou mesmo pensar que a nossa literatura ainda está se fazendo como no giro de um torvelinho, nessa história anacrônica, em forma de espiral e não numa linha reta como costumeiramente se pensa aquilo que chamamos de história

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