sábado, 23 de março de 2019

Roteiro Literário Paulo Leminski: uma visita ao poeta




Quando menos se espera, eis que ressurge, dos rincões do Paraná, a Besta dos Pinheirais, a Fera do Pilarzinho, o Bigodudo do Bife Sujo, o Fileleno do Templo das Musas, o Outsider da Rua XV, o Judoca que Fez Chover no Nosso Piquenique, o Ex-Estranho, o Bandido-Polaco que Sabia Latim. Quanta coisa no mesmo sujeito, não? Refiro-me ao poeta, tradutor, publicitário, poliglota, jornalista, compositor, agitador cultural, Paulo Leminski. Hora ou outra aparece alguma publicação que desperta em mim a vontade de reler esse poeta que talvez tenha sido, no Brasil, o melhor de sua geração. É o que sinto ao passear pelas páginas do “Roteiro Literário” dedicado ao autor de “Catatau”, “Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase”, “Distraídos Venceremos”, “Caprichos e Relaxos”, “La vie em close”, entre outros. O livro, escrito pelo exímio poeta Rodrigo Garcia Lopes (filho também do Paraná), apresenta um belo panorama crítico da vida e da obra daquela figura que se autoproclamou no poema um “mestre em disfarces”.


Editado pela Biblioteca Pública do Paraná, o livro, que veio a lume em novembro de 2018 - para somar com uma série de outros estudos já realizados da obra de Leminski -, integra uma coleção que já contemplou nomes como Helena Kolody e Jamil Snege. Segundo Luci Collin, neste Roteiro temos não só a apresentação da vida meteórica deste escritor Curitibano, mas “a oportunidade de um mergulho na vigorosa obra do criador múltiplo que, há algumas décadas, é referência para escritores, artistas e leitores brasileiros”. Diferencia-se de outros livros publicados anteriormente ao apresentar reflexões pouco abordadas, além de trazer alguns textos inéditos em livro. A publicação é um ótimo convite à leitura daquele que há alguns anos teve sua obra reunida em “Toda Poesia”, editada pela Companhia das Letras e que virou um best-seller nacional.    


O livro é composto por três partes: A primeira oferece um panorama da vida do autor, posto em contato com a sua obra, sem cair no lugar comum das biografias tradicionais. Rodrigo Garcia Lopes divide a vida de Leminski em fases-estações que partem da infância para chegar a sua morte precoce e trágica, passando pelos loucos e fecundos anos 60 e 70, período no qual o poeta amadureceu seu pensamento crítico e sua veia poética. A segunda parte se concentra em um estudo de sua obra, passando pela dimensão melopaica, fanopaica e logopaica de sua produção, considerando o traço experimental que o situou entre os mais produtivos artistas da poesia brasileira da segunda metade do século XX. A última parte mostra como Leminski se relacionou com a sua cidade e como ela foi assimilada por sua obra. Esse momento é contemplado com uma série de fotografias de lugares frequentados pelo poeta, ambientes que fecundaram poemas e convivências afetivas com sua cidade. Nessa geografia social, Lopes traz fotos (de Eduardo Macarios) e comentários sobre lugares frequentados por Leminski em Curitiba. Do Teatro Paiol à Livraria do Chain, passando pelas casas onde morou, a maternidade onde nasceu, o cemitério onde está enterrado, entre outros.  


Rodrigo Garcia Lopes caminha por uma perspectiva de análise que desvia dos aspectos já amplamente estudados, apontando para detalhes que muitas vezes passaram despercebidos pela fortuna crítica. É o caso por exemplo da relação do escritor com o Simbolismo. Segundo o autor, embora se busque a precisão, a poesia de Leminski é marcada por um alto grau de incerteza e indeterminação: “Em muitos momentos ela dialoga com a busca pelo vago da poesia simbolista, afeita aos aspectos misteriosos da existência, assim como as relações tênues entre aparência e realidade”.  Em outro momento, o autor do “Roteiro Literário” lembra a falta que faz Leminski na cena cultural e literária brasileira: “Fico imaginando para onde teria ido sua poesia se ele tivesse sobrevivido. O que ele, que sempre interveio no debate cultural de seu tempo, estaria achando das coisas que andam acontecendo hoje na literatura, no mundo e no Brasil? Tempos sombrios”.


Corajoso ao abordar um poeta que já tem sido bastante estudado nos últimos anos – depois de sua consagração midiática – o livro consegue produzir novos lances de dados no estudo da obra do curitibano, outras faíscas, oferecendo, ao mesmo tempo, uma bela descoberta aos leitores recém-chegados, bem como um diferenciado olhar para aqueles já acostumados com as palavras leminskianas e sua crítica. É importante reconhecer suas nuances, seus novos matizes, seus renovados pontos de vista. O livro, assim, nos mostra o quanto uma obra de referência pode nos convidar a ler de forma sempre diferente o mesmo objeto. Caminha por aí sua principal contribuição.

Fotos: Dico Kremer


Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória (PR), no dia 23 de março de 2019.

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto muito interessante. Parabéns.