segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Os Buenos

 


Seriam pássaros feito anjos, não fosse a ausência de asas, bem como o excesso de amor pelos livros, essa fonte ou deságua de tanto desejo e inenarrável paixão. Com qualidades variadas, a julgar pelo nome, são capazes de bem falar várias línguas ou de escrever com presteza o que chamamos de vida, mal rompa a aurora com seus tons violáceos no matiz virginal da manhã. No entanto, gostam mesmo é da noite, quando enclausurando-se nos breus dos bares se travestem de artistas, poetas polimórficos fingindo ser o que de fato e direito são. Nesse palco, são capazes de clarear a escuridão só com seus paetês refletindo a luz de spots, tal qual um ouro de Ofir. Tudo com graça e dom como quem inventaria novos ritmos no arpejo musical de uma cadência que vai se dobrando ao infinito numa trama barroca de luz e sombra. Revoltam-se mas sem nunca perder a ternura, embora a solidão maltrate voraz seus corações inebriados de gim e canção. Talvez por isso muitos deles sejam dedicados na arte de colecionar uma gama enorme de bichos, estranhamente guardados no seio de seus bestiários. Na ficção, os Buenos, infelizmente, morrem cedo, ou seja, antes que a faca do fim corte naturalmente o fio de seus dias. Na vida real, ao contrário, encantam-se, fadados sem dublê a levantarem do chão tirando o pó das roupas, depois de ouvirem ansiosos a sentença final: “Corta!”.  

c.moreira

Imagem: cena do filme Asas do Desejo, de Wim Wenders 

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