domingo, 20 de junho de 2021

Dádiva




 Diviso-te, assim, como uma dádiva por dar ao desenho da foto um quê de luz e cor e contornos tão espontâneos. E por ser tão espontaneamente o dom de si própria para si mesma - e para o outro que diz amar - só me cabe como efeito evocá-la numa talvez vã tentativa de sugeri-la já que a descrição só faz substrair boa dose da animada fulguração de tua beleza e graça, seja nas manhãs sem maquiagem, filtro ou qualquer outro artifício, de cara lavada e sem ainda escovar os dentes, seja na tarde que nasce com os teus cabelos penteados depois do almoço ao som da TV num canal ao léu, seja ainda no anoitecer esfumando azul e cobre no idílio de duas metades, lusco-fusco, arrebol, ou já na noite profunda em que se adorna com fantasia, brilho e perfume, combinados numa engenharia calculadamente precisa e feminina. Diviso-te, assim, na foto, entre uma e outra parede de vermelho carmim, com a pele tocada por aquela luz que transpassou a janela só para iluminar você. E se sorve com volúpia ou mera elegância teu gim com tônica, limão e zimbro, enquanto lê, é para sentir nesses dias de clausura e temor o amargo misturado ao doce numa transa que fosse como o claro e escuro, o frio e calor que equilibram a vida. Nas horas vadias do nosso confinamento você vai me ensinando que ficar dentro de si, seja onde for, geralmente pode ser mais belo e interessante do que passear livre pelas ruas da cidade ou em qualquer lugar.


c.moreira 

 

Um comentário:

Sheila Tinfel disse...

Que poema lindo! Traz uma certa reflexão e exala poesia!