Ensaio publicado nos Anais do I SIMPÓSIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS, da Unespar, campus de União da Vitória: As Questões
Identitárias Culturais
na (Trans) formação
do Ensino/Aprendizagem
de Línguas e Literaturas, organizado por Karim Siebeneicher Brito, Sílvia Regina Delong e Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni
disponível no link:https://uniaodavitoria.unespar.edu.br/noticias/curso-de-letras-unespar-uv-lancam-e-book/e-book-letras-i-sell.pdf
Caio Ricardo Bona Moreira
RESUMO:
O objetivo deste texto é ensaiar uma reflexão
sobre o xamanismo e a poesia entendidos como artes da diplomacia, para usar uma
expressão de Eduardo Viveiros de Castro. Interessa-nos perceber como
determinadas textualidades artísticas e práticas do pensamento ameríndio
constroem uma relação poética e política com os objetos de seu conhecimento,
aliando de forma eficiente os domínios da ética e da estética. Pensamos, por
exemplo, em autores como Ailton Krenak, Kaká Werá Jecupé e Davi Kopenawa. A
pergunta que nos move é a seguinte: Como o pensamento poético e político de uma
série de intelectuais indígenas contribui para a emergência de uma ética e de
uma estética na prática da alteridade e no exercício de seu perspectivismo?
Propomos um encontro imaginário entre Eduardo Viveiros de Castro e Mikhail
Bakhtin para tentar responder à questão, ou não.
Palavras-chave: xamanismo – poesia –
perspectivismo ameríndio
1.
O XAMANISMO EM
PERSPECTIVA
Parece que, para os índios Ianomami,
no dia em que matarem o último xamã
e a última onça-pintada, o céu cairá.
Acredito piamente nisso. O céu já caiu uma vez.
Vai cair pela segunda vez se os xamãs e as onças
desaparecerem. Proponho também que se
façam experiências telepáticas com onças
para conhecermos suas reais necessidades.
Roberto Piva
Em
suas reflexões antropológicas sobre o perspectivismo ameríndio, Eduardo
Viveiros de Castro observou que o encontro ou o intercâmbio de perspectivas é
“um processo perigoso e uma arte política”, ou seja, uma “diplomacia”. Ele se
referia aí à prática do xamanismo amazônico entendida como uma habilidade que
certos indivíduos têm de cruzar deliberadamente as barreiras corporais e
“adotar perspectivas e subjetividades aloespecíficas, de modo a administrar as
relações entre estas e os seres humanos” (2014, p. 358). Para compreendermos a
dimensão intersubjetiva que está em jogo nesse argumento precisamos lembrar que
na teoria do perspectivismo o elemento mais significativo diz respeito à
concepção de que o mundo é habitado por diferentes espécies que aprendem a
realidade de maneira distinta, ou seja, a partir de diferentes pontos de vista.
Como consequência, o binômio Natureza e Cultura passa a ser entendido não mais
como um conjunto de elementos distintos. Outros dualismos seguem esse princípio
como aqueles da animalidade e da humanidade, do objetivo e do subjetivo, do
particular e do universal etc. Esses elementos não deixam de ser entendidos
como regiões do ser, “mas antes configurações relacionais, perspectivas móveis,
em suma – pontos de vista” (idem, p. 349).
Para
Viveiros de Castro, o modo como os seres humanos veem os animais e outras
subjetividades que povoam o universo é diferente do modo como esses seres veem
os humanos e se veem a si mesmos. Tradicionalmente, os humanos veem os humanos
como humanos e os animais como animais. Em uma outra ótica, os animais
predadores veem os humanos como animais de presa. Essa constatação transforma
significativamente a forma como a dita humanidade se relaciona com a dita
natureza e/ou vice-versa: “os jaguares veem o sangue como cauim, os mortos veem
os grilos como peixes, etc” (idem,
p.350). Ao tratar, por exemplo, do perspectivismo na cultura yawalapíti,
Viveiros de Castro citou a seguinte frase: “Gente é macaco de onça” (idem, p.48). É assim que a onça nos vê,
como bichos, ou melhor, como alimento. Poderíamos entender a partir disso que o
que está em jogo no perspectivismo, então, é uma política do olhar, ou seja, um
modo de ver, já que o ver passa a ser percebido como um “ver como”.

Eduardo Viveiros de Castro
Figuras
especiais no perspectivismo ameríndio são os xamãs, seres interessados em
administrar as perspectivas cruzadas, transformando os conceitos em elementos
sensíveis ou os elementos inteligíveis em intuições. Tudo para concluir que os
animais são gente ou se veem como pessoas. O xamã é ele próprio um “relator”
real: “(...) é preciso que ele passe de um ponto de vista a outro, que se
transforme em animal para que possa transformar o animal em humano e
reciprocamente” (VIVEIROS DE CASTRO, 2015, p.173). Há, por sinal, uma
infinidade de narrativas indígenas, cosmogônicas ou não, que abordam
metamorfoses do humano ao animal ou do animal ao humano. É o caso, por exemplo,
da história da mulher que virou tatu, colhida da cultura caxinauá por Capistrano de Abreu e depois retraduzida pela linguista
Eliane Camargo (2016). Trata-se de uma narrativa que aborda a questão do
alimento para o povo huni kuin, mais
conhecido como caxinauá, evocando as transformações como recorrentes e
fundamentais na base de sua cultura.
A capacidade de intercambiar perspectivas,
abolindo inclusive os limites que separam o animal do humano e/ou vice-versa, bem
como a natureza da cultura, faz do xamanismo uma arte política, até porque o
xamã aparece nesse contexto como um interlocutor entre seres de natureza
distinta, humanos (animais) e animais (humanos), ou espíritos e seres
encarnados, ancestrais da tribo e forças da natureza etc.
Assim
como o poeta, o xamã passa por um processo de despersonalização, ou melhor, de
trans-subjetivação, que faz da origem de seu dizer uma presença estrangeira em
si. Assim como o xamã, o poeta tem o poder de vivenciar uma experiência
intersubjetiva que permite seu encontro com um Outro, daí a caracterização
dessa atividade como uma arte da diplomacia. Não raro, um ritual xamânico tem
como objetivo promover a cura ou orientar a vida social de uma comunidade,
muitas vezes empreendendo uma viagem de interlocução e resolução de problemas a
partir do contato com seres de outra realidade.
As
textualidades ameríndias, compostas por cânticos sagrados, narrativas míticas,
entre outras manifestações, formam a base literária de uma determinada cultura,
fazendo do xamã uma espécie de poeta da tribo, ou mesmo um narrador.
Naturalmente, o conceito de poiésis é
ocidental e estranho a uma perspectiva extraocidental, no entanto, faz sentido
no tratamento da produção em questão, pois a utilização de uma linguagem
metafórica, com vocabulário específico, com tendência à artesania, e com
finalidades não-pragmáticas e ritualísticas, é encontrada com frequência em
algumas culturas indígenas. Tome-se como exemplo a presença das ñe´e porã, na cultura guarani.
O
que ensaiamos aqui é uma reflexão sobre o xamanismo e a poesia entendidos como
artes da diplomacia. Interessa-nos perceber como determinadas textualidades e
práticas do pensamento ameríndio constroem uma relação poética e política com
os objetos de seu conhecimento, aliando de forma eficiente os domínios da ética
e da estética, para usar expressões da cultura ocidental. Boa parte dos
pensadores indígenas têm escrito e militado em língua portuguesa, sua arte/arma
de luta, não deixando de trazer para o exercício filosófico suas riquezas
poéticas. A pergunta é complexa, desafiadora e difícil de ser respondida, mas
não podemos nos furtar de fazê-la: Como o pensamento poético e político de uma
série de intelectuais indígenas contribui para a emergência de uma ética e de
uma estética na prática da alteridade e no exercício de seu perspectivismo?
A
minha hipótese aqui é que o que chamamos de filosofia indígena - na falta de um
termo melhor que traduzisse a produção do pensamento ameríndio, seja ele
literário ou não -, é enriquecido pela dimensão poética que está no cerne das
culturas originárias. O que estou sugerindo é que o pensamento produzido por
uma série de intelectuais indígenas concilia com força as dimensões éticas e
estéticas, consolidando um saber ao mesmo tempo filosófico e poético, político
e artístico. Assim como a poesia e o xamanismo, essa produção parece fomentar
uma diplomacia que fortalece o campo das ideias por meio do bom exercício da
alteridade, como heterogeneidade fundante de sujeitos e perspectivas. É o caso,
por exemplo, da obra de intelectuais como Ailton Krenak, Kaká Werá Jecupé e Davi
Kopenawa. Não faremos aqui uma análise de suas poéticas – o que extrapolaria
nosso espaço e nossos objetivos, embora tal aprofundamento fosse necessário
para uma melhor compreensão do assunto -, mas apenas nos contentaremos em
apontar e discutir as questões lançadas acima, tentando ensaiar
perspectivamente possíveis relações entre o xamanismo e a poesia, e entre a
alteridade e a intersubjetividade na fomentação de uma ética e de uma estética
tal como se nos apresentam no pensamento ameríndio.

Davi Kopenawa
2.
XAMANISMO
E POESIA
A
origem do dizer no xamanismo é sempre sobrenatural, seja quando o sacerdote
transmite com suas palavras o que ouviu dos espíritos ou quando o próprio
espírito fala pela boca do xamã. Ou ainda quando o ritual apresenta um diálogo
entre o sacerdote e outros entes sobrenaturais. Portanto, a atividade do xamã é
por excelência intersubjetiva, pois, ao entrar em estado de transe, abre as
portas de percepção para uma sobrenatureza. Esse sacerdote da cura,
interlocutor de espíritos ancestrais da tribo, guerreia muitas vezes contra
entidades malévolas para espantar as doenças ou transmite orientações de entes
amigos, animais ou não, para a vida da comunidade, auxiliando-a em seu
cotidiano. Piers Vitebsky (2001)
observa que os xamãs são, ao mesmo tempo, médicos, sacerdotes, místicos e
trabalhadores sociais. Acrescentamos que o xamã/pajé é um feiticeiro da
palavra, uma espécie de poeta ou prosador, que escreve ou transcreve cantos,
poemas, narrativas, receitas, profecias, encantos, e ensinamentos em geral para
uma comunidade. Muitas vezes, ao manipular as palavras, este obreiro
inter-telúrico transforma a realidade. É o que acontece, por exemplo, nos casos
em que rebatiza um doente com um outro nome para espantar a morte, porque a
palavra é entendida como a própria alma.
O
termo xamã, segundo Vitebsky (2001), deriva da língua evenca que é própria de
um pequeno grupo de caçadores e pastores de renas de língua tungu da Sibéria. O
termo acabou servindo para caracterizar variadas práticas ritualísticas
ancestrais de uma série de povos originários de muitos lugares do planeta, dos yanomani da Amazônia até os dyukhade do Nepal, passando pelos bosquímanos do Calaári, pelos wanas da Indonédia, pelos dervixes sufis da Arábia, pelos sadus hindus, entre tantos outros. Os
tipos de rituais são variadíssimos porque cada cultura possui suas
particularidades metafísicas e cosmogônicas, mas em todos os casos
presentificam uma atividade religiosa ou para-religiosa voltada para o contato
com espíritos, tirando proveito em algum sentido dessa comunicação. Em boa
parte das atividades xamânicas, os sacerdotes, geralmente escolhidos e
preparados para exercerem essa prática, vinculam em seus rituais narrativas que
muitas vezes se aproximam do que em nossa cultura chamamos de literatura. Os
cantos sagrados proferidos em momentos específicos, ou até recebidos dos
espíritos pelos xamãs, são textualidades profundamente poéticas. Em muitos
casos, são textos que constroem narrativas muito particulares sobre a luta de
agentes envolvidos em alguma questão ou querela:
O xamã usa
primariamente a narrativa para organizar as experiências numa série épica de
iniciações, viagens e batalhas. O que se verifica não só reflete a atual
situação do xamã ou do paciente mas é também parte de uma história. À medida
que a narrativa se desenvolve no tempo, passa do problema à sua resolução. Os
obstáculos são descritos apenas porque têm de ser removidos, e há uma analogia
próxima entre a psicanálise e as “curas faladas” descritas (VITEBSKY, 2001, p.
78).
Josely Vianna Baptista
Sobre
a relação entre o xamanismo e a poesia, e pensando também nas traduções de
textualidades ameríndias, Célia Pedrosa (2018) escreveu que tal coexistência
representa um modo singular de articular estética, ética e política, tudo
pautado por uma “polifonia da outridade”. Josely Vianna Baptista relembrou em
uma das passagens do livro Roça Barroca
o argumento de Georges Lapassade de que a poesia é uma das “raras formas de
transe relativamente ritualizadas que ainda restam no Ocidente” (BAPTISTA,
2011, p. 15). O poeta Roberto Piva, um entusiasta do xamanismo, em vários
momentos apontou para a íntima relação entre o xamanismo e a poesia. Em uma de
suas últimas entrevistas, concedida para a revista Cult, ao ser questionado
sobre uma possível relação entre a arte e a loucura, o escritor respondeu que o
desregramento de todos os sentidos, de que falava Rimbaud, refere-se não
propriamente à loucura, mas a um estado do transe: “Um estado de transe xamânico, porque Rimbaud era um alquimista, um
xamã avant la lettre, que propõe mesmo a 'alucinação das
palavras'; o termo é dele. Os artistas, como afirma Joseph Campbell, são os
xamãs da sociedade contemporânea” (2000, s/p). O poeta Claudio Willer,
grande interessado pelo surrealismo e pela literatura beat, vem realizando estudos e desenvolvendo cursos relacionando a
gnose e o gnosticismo com as atividades xamânicas e poéticas.

Claudio Willer
Outros casos
poderiam ser citados. Paulo Leminski, por exemplo, no artigo “Pajé”, publicado
no jornal Diário do Paraná, em 1977, e inédito em livro, tratou o xamã como o
primeiro “designer” de linguagens e comportamentos. O escritor, influenciado
naqueles anos pelos estudos da semiótica - que lhe chegavam principalmente por
meio do Concretismo -, considerou os pajés como designers “per-versos” (o hífen
frisando uma aproximação da pajelança com a poesia) que, violando a Ordem
Suprema das Coisas, não produziam bens materiais mas sim espirituais. Duas
passagens do ensaio chamam a atenção. Aquela em que o pajé é tratado como o
sujeito que abole as fronteiras entre o eu e o outro, sintoma de uma alteridade
radical, e uma segunda passagem em que o domínio do ícone se sobrepõe ao
domínio do índice, fazendo do pajé um ser voltado para a poesia e para o sonho
mais do que para a vida material:
Suas imensas noites
meditando, seus delírios produzidos por ervas, seus saltos paradigmáticos por
cima do sintagma cotidiano dos outros - ele era o Outro, o Anti-Ser, num
universo só de matéria, ele já era antimatéria, o Des-Outro, Trans-Pessoa.
(...)
Sua alta consciência
dos códigos o obrigava a inventar grafias, amuletos, talismãs, tábuas
imprecatórias, runas, "winter-acounts": depois deles, só Guttenberg.
É à toa que os 1ºs
textos foram escritos em terra, tabuinhas babilônicas de barro mais forte que o
ferro hitita?
Contra a proximidade,
propunham a similaridade. A vigília para todos, para ele - o sonho (1977, s/p).
Paulo Leminski
As
presenças do sonho, da imaginação e da poesia, aparecem com primazia no
discurso dos próprios pensadores indígenas. Tomemos como exemplo as reflexões
poéticas e políticas de Ailton Krenak nas conferências que compõe o livro
“Ideias para adiar do fim do mundo” (2019). Nele, o autor aborda a crise dos
Estados Nacionais e a abstração civilizatória que nega a diversidade, a
pluralidade das formas vida e as diferentes cosmovisões. Segundo ele, o tipo de
humanidade zumbi que estamos sendo convidados a integrar não tolera o prazer, a
poesia, a fruição da vida. É certamente contra uma visão apocalíptica que
Krenak lança sua provocação de adiarmos o fim do mundo enquanto pudermos contar
uma história. O pensador diz ter visto as diferentes manobras que seus
antepassados fizeram e se alimentou delas, da criatividade e da poesia que
inspirou a resistência desses povos. Uma imagem poética é então lançada: Ao
apontar para a sensação de uma queda permanente, a de que estamos despencando,
Krenak nos convida a aproveitarmos toda a nossa capacidade crítica e criativa
para construirmos o que ele chama de “paraquedas coloridos”:
Há
centenas de narrativas de povos que estão vivos, contam histórias, cantam,
viajam, conversam e nos ensinam mais do que aprendemos nessa humanidade. Nós
não somos as únicas pessoas interessantes no mundo, somos parte do todo (2019,
p. 32).
Ailton Krenak
Kaká Werá Jecupé
O autor cita o perspectivismo de Eduardo
Viveiros de Castro para fundamentar a ideia de que os humanos não são os únicos
sujeitos interessantes e que têm uma perspectiva. Mais adiante, retoma o elogio
do sonho:
Quando sugeri que eu
falaria do sonho e da terra, eu queria comunicar a vocês um lugar, uma prática
que é percebida em diferentes culturas, em diferentes povos, de reconhecer essa
instituição do sonho não como experiência cotidiana de dormir e sonhar mas como
exercício disciplinado de buscar no sonho as orientações para as nossas
escolhas do dia a dia.
Para algumas pessoas, a
ideia de sonhar é abdicar da realidade, é renunciar ao sentido prático da vida.
Porém, também podemos encontrar quem não veria sentido na vida se não fosse
informado por sonhos, nos quais pode buscar os cantos, a cura, a inspiração e
mesmo a resolução de questões práticas que não consegue discernir, cujas
escolhas não consegue fazer fora do sonho, mas que ali estão abertas como
possibilidades. (2019, p.51-52).
Essa
dimensão do sonho aparece com força na obra de Kaká Werá Jecupé, um txucarramãe que foi criado pelos guarani, com os quais aprendeu os
fundamentos do ser, entrando em contato com sabedorias ancestrais. No livro
“Todas as vezes que dissemos adeus” (2002), o autor conta que seus espíritos
instrutores, os Tamãi, o empurraram para a boca do jaguar, “essa yauaretê
chamada cidade”, para que ele aprendesse a nossa língua e cultura “de pedra e
aço”. Ele, então “devorou” o cérebro da cidade. E o sonho aparece. Ele conta
que sonhou que os Tamãi lhe deram a incumbência de contar um pouco de sua
história de vida e de revelar alguns mistérios da tradição milenar ensinada
pelos povos originários:
Nesse sonho firmei o compromisso
de traduzir da vermelha “escrita-pintura” de meu corpo para o branco corpo
dessa “pintura-escrita”. Cumprindo a tarefa nesse relato, para tingir o que até
então no mundo tem parecido “intingível”, a mistura do vermelho sobre o branco
resultando na cor da vida (2002, p. 16).
No
sonho, Jecupé aceita o desafio de ser escritor e de usar as suas palavras como
arma de luta (txucarramãe, aliás,
quer dizer, guerreiro sem armas). Em sua obra, ao mesmo tempo e de forma
ecológica e poética, Kaká conta histórias, reflete sobre a dimensão sagrada dos
conhecimentos ancestrais – abordando o xamanismo e outros saberes místicos e
filosóficos não-ocidentais – e milita em prol de causas indígenas. O autor tem
participado ativamente de debates nacionais e internacionais pelos direitos
básicos dos povos originários. Um de seus livros mais recentes, “O trovão e o
vento” (2016), trata do xamanismo tupi-guarani como um caminho de evolução do
ser. Transformando o ser, o homem transforma o seu meio e o mundo, pois o indivíduo
é, segundo Kaká, um microcosmo do Grande Mistério. Portanto, cada ser e cada
coisa é, em si, “uma extensão e um espelho-reflexo do Todo”. Isso implica uma
ética profunda, que parte do reconhecimento da unidade na diversidade” (2016,
p. 57). Curiosamente, as bases desta filosofia se encontram na poesia.
Refiro-me aos textos “Ayvu Rapyta” e “Ivy Tenondé”, que são poemas sagrados, de
origem guarani, e que tratam do
fundamento do ser, bem como da origem do mundo para essa etnia. Kaká os traduz
no livro para o português e os comenta, relacionando-os com o xamanismo, trabalhando,
assim, no limar entre a ética e a estética, perpassadas pelo horizonte do
sagrado.
É
interessante observar que o que está em jogo no pensamento ameríndio é uma
experiência ecológica que se expande do respeito pela floresta - e da luta pela
preservação da tribo (bem como do mundo que é uma grande tribo) – para uma
poética que concilia no texto questões ao mesmo tempo políticas, artísticas,
místico-filosóficas e religiosas. Portanto, há uma confluência das dimensões
éticas e estéticas que norteia o trabalho destes pensadores que acabam
exercendo o papel de diplomatas dos povos originários e poetas-xamãs da tribo,
levando para o mundo suas mensagens. Davi Kopenawa, por exemplo, é um xamã
yanomami que ao mesmo tempo luta internacionalmente, junto à ONU e a outros
órgãos, pelos direitos das comunidades indígenas. Recentemente, o antropólogo
Bruce Albert transformou suas conversas com Kopenawa no importante livro “Queda
do Céu” (2015). Nele, transcreve a fala do índio que apresenta uma longa
reflexão sobre as cosmogonias de seu povo, sua relação como sagrado, por meio
do xamanismo, suas sabedorias poéticas e suas lutas políticas pela
sobrevivência dos yanomami. Kopenawa fala/escreve que não tem livros nos quais
estão desenhadas as histórias de seus antepassados, mas as palavras dos xapiri estão gravadas no seu pensamento,
no fundo de si. São palavras de Omana.
São, segundo ele, palavras muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo.
São palavras que vêm protegendo a floresta e seus habitantes. Agora é a sua vez
– a vez de Davi - de possui-las para que no futuro todos possam desfrutá-las.
Por isso aceitou revelar seus conhecimentos ao antropólogo que conquistou sua
amizade:
Dessa forma, elas (as
palavras) jamais desaparecerão. Ficarão sempre no nosso pensamento, mesmo que
os brancos joguem fora as peles de papel deste livro em que elas estão agora
desenhadas; mesmo que os missionários, que nós chamamos de “gente de Teosi”,
não parem de dizer que são mentiras. Não poderão ser destruídas pela água ou
fogo. Não envelhecerão como as que ficam coladas em peles de imagens tiradas de
árvores mortas. Muito tempo depois de eu já ter deixado de existir, elas
continuarão tão novas e fortes como agora. São essas palavras que pedi para
você fixar neste papel, para dá-las aos brancos que quiserem conhecer seu
desenho. Quem sabe assim eles finalmente darão ouvido ao que dizem os
habitantes da floresta, e começarão a pensar com mais retidão a seu respeito?
(2015, p. 65-66).
O
conjunto dessas ideias nos convida a lançar uma série de perguntas: Como pensar
na poética como o paraquedas colorido de que nos fala Krenak? O que nos ensina a
“pintura-escrita” gravada por Jecupé? O que podem “as peles de imagens” que
registram as sabedorias de Kopenawa e seu povo? Como pensar na literatura como
um espaço ético e estético de encontro com o outro? Como pensar na imaginação e
no sonho como elementos que podem de fato orientar a vida? Como vislumbrar a
natureza da cultura sem abrir mão da cultura da vida? Como perspectivar a
literatura como exercício xamânico e poético da diplomacia? Perguntas que nos
movem aqui, incitando-nos a perceber nas poéticas ameríndias, bem como em sua
rede de sonhos e imaginações, uma atividade de produção de conhecimento. Difícil
responder a todas elas, mas saber fazer as perguntas já me parece um bom
começo.
3.
LITERATURA
COMO OUTRAGEM/OUTRAMENTO
Poderíamos
apontar duas grandes noções diametralmente opostas que tentam, cada uma à sua
maneira, caracterizar a literatura. Na primeira delas, a literatura é
compreendida como linguagem elevada à sua potência máxima. A linguagem é
compreendida como sinal do domínio do homem sobre os animais, sobre a natureza.
É o que nos separa dela. Nessa perspectiva, a linguagem é entendida como uma
espécie de máquina antropológica. E a literatura acaba sendo uma espécie de
suprassumo da linguagem. Escrever é, a partir desse ponto de vista, separar o
homem da natureza. A escrita aqui é um corte. E a literatura nesse contexto
acaba sendo considerada como uma espécie de linguagem elevada. Viveríamos assim
numa espécie de República das Letras, o que não diminui a barbárie, porque
aquilo que separa o homem da natureza não torna o mundo melhor. Parafraseando
Walter Benjamin, poderíamos dizer: “Nunca há um monumento da cultura que não
fosse também um monumento da barbárie” (BENJAMIN, 1994, p. 225).
Na
segunda noção, a natureza é pensada como produção de diferença. Platão, aliás,
em Íon, define a poesia como uma
linguagem extra-humana. Ou seja, há uma dimensão sobre-humana na palavra
poética. A origem não humana da poesia, figurada na exaltação das Musas, é um
sintoma disso. Na perspectiva da inspiração, poderíamos perguntar: quem diz
“eu” quando poeta diz “eu”, já que a palavra vem de fora dele? Dialogando com
Paul Valéry, poderíamos supor que a poesia não é apenas a hesitação entre o som
e o sentido, mas também a excitação entre a natureza e a cultura. A linguagem
não é necessariamente o que nos separa da natureza, mas o que produz dobras. A
poesia nos lança para o corpo da natureza, promovendo o que poderíamos chamar
aqui de exercício de “outragem”. A linguagem reenvolve o homem na natureza,
reenvolve o homem no corpo do mundo. “Outragem” aqui é um exercício de
“outramento”. O homem por meio da literatura se “outra”. Essa segunda noção é
aquela que está ligada a uma concepção perspectivista que transforma a relação
entre sujeitos dentro de uma dada realidade. É o que poderíamos chamar de uma
abertura do olhar e da arte para a heterogeneidade, promovendo, assim, uma
outra experiência ética:
Esta
abertura da arte constitui uma ética da heterogeneidade que deixa irromper o
olhar do outro e transforma a imagem em uma poética de alteridade. A ética que
se revela neste processo se apresenta como práxis de afetação, de contato, de
contágio. Trata-se de uma ética da alteridade e da heterogeneidade que
transforma a arte em irrupção do olhar do outro. Isso porque a questão da ética
pressupõe um reconhecimento do outro anterior à dicotomia eu-outro,
mesmidade-alteridade. Neste sentido, ela é inseparável da política, porquanto a
questão do político é a que nos vem do outro, a que é significada a partir do
lugar do outro. Mas também da estética, já que este olhar do outro transforma a
própria linguagem da arte, realiza um devir-minoritário da língua pela arte,
revela uma presença irrepresentável, que coloca em jogo e desnaturaliza as
formas fixas, homogêneas e excludentes da cultura dominante (CERNICCHIARO, 2015,
257).
A
abertura da arte e do olhar que está explícita no argumento de Ana Carolina Cernicchiaro
chama a atenção para uma ética da heterogeneidade que se abre para a poética da
alteridade. Lembremos aqui que o encontro com a literatura, com seus
narradores, é sempre um encontro com um outro, que nos ajuda a construir uma
imagem de nós mesmos. Pode ser um caminho apaixonado, com-pathos, e em-pathos,
sendo dessa maneira um ritual que promove diplomaticamente a empatia. O argumento
de Cernicchiaro é um argumento-xamã, por isso político e poético em sua
excelência. É uma fala que vem da floresta e que, sem saber, nos leva a um
lugar curiosamente distante, à Rússia. Abramos aqui um parêntese. Invoquemos
com nosso texto xamânico um sábio pajé, um velho griô, o filósofo Mikhail
Bakhtin.
4.
BAKHTIN,
O EU E O OUTRO, NÓS EM DIÁLOGO: CAMINHANDO PARA UMA IN-CONCLUSÃO
Em
2002 ou 2003, recém-egresso da graduação em Letras, assistindo a uma aula
ministrada pelo professor João Wanderley Geraldi, num curso de Especialização
em Língua Portuguesa, fui apresentado ao seu texto “A diferença identifica. A
desigualdade deforma. Percursos bakhtinianos de construção ética e estética”
(2007) – até aquele momento não publicado. Geraldi, ao longo daqueles
encontros, nos motivou a ler com atenção e talvez pela primeira vez filósofos
como Bakhtin e Michel Foucault, causando um abalo em nossas concepções sobre a
política dos discursos. Lembro que o texto sobre Bakhtin chamara a minha
atenção, mas nada mais do que isso. O curso acabou e voltamos à vida normal com
a lembrança de aulas magníficas, no entanto, o texto ficou para trás. De lá
para cá, inseri-me com gosto no magistério, não sem o permanente desassossego
que acompanha a caminhada daqueles que constantemente se sentem aprendizes no
universo complexo e prazeroso da profissão. Com os anos, fui me afastando da
linguística – área que nunca deixei de apreciar – e me aproximando cada vez
mais das pesquisas voltadas para a literatura, arte que me seduzia desde a
infância e adolescência nos tempos de colégio. O texto de Bakhtin foi ficando
para trás, mas não esquecido. Quase vinte anos depois, enquanto ensaiava as
primeiras reflexões para o presente texto, imediata e misteriosamente o texto
de Geraldi me voltou ao pensamento e o reli agora com outros olhos, numa outra
enunciação.

Mikhail Bakhtin
No
artigo, Geraldi transpõe o conceito de “excedente de visão”, oriundo da teoria
estética de Bakhtin, para o mundo da vida, que é o mundo no qual não há um
autor. Sua hipótese é a de que se estamos vivendo, temos um porvir e, portanto,
somos inacabados. O nosso “eu” não domina, então, o todo acabado da vida. Por
isso, para Geraldi, o mundo da vida é um mundo ético, embora possamos viver a
vida esteticamente. O autor dá um exemplo, convidando-nos a imaginar que
estamos no mundo e quem nos vê nos vê com o fundo da paisagem em que estamos:
“A visão do outro nos vê como um todo com o fundo que não dominamos” (2007,
p.44). Portanto, ele tem em relação a nós um “excedente de visão”. O que isso
nos quer dizer? Que ele tem uma experiência de mim que eu próprio não tenho, e
vice-versa de mim sobre ele:
Este acontecimento nos
mostra a nossa incompletude e constitui o Outro como o único lugar possível de
uma completude sempre impossível. Olhamo-nos com os olhos do outro, mas
regressamos sempre a nós mesmos e a nossa incompletude (...) (GERALDI, 2007, 44).
João Wanderlei Geraldi
Daí
Bakhtin nos falar que a memória é uma memória do futuro, pois é somente nele
que se situa “o centro de gravidade efetivo de minha própria autodeterminação”
(BAKHTIN, 1992, p. 141). O-que-deve-ser
e o-que-é-esperado só se situa assim
num tempo que não é o do presente nem o do passado. É da ordem do porvir:
Enquanto a posição
exotópica ocupada pelo Outro lhe permite um excedente de visão, pelo qual
também nos orientamos na busca de completude e acabamento, o próprio sujeito
desloca-se, no tempo, e estabelece no futuro a razão de ser de sua ação
presente que, concretizada, torna-se pré-dado para futuras ações, sempre
orientadas pelo sentido que lhe concede a razão perpetuamente situada à frente.
Se, no mundo estético, o futuro da personagem e dos acontecimentos são desde já
conhecidos do autor -, e são precisamente as formas de operar com este
conhecimento na relação como herói que definem relações monológicas ou
polifônicas nas narrativas – no mundo ético, tempo dos acontecimentos, cada um
tem a responsabilidade pela ação concreta definida não a partir do passado –
que lhe dá condições de existência como um pré-dado -, mas a partir do futuro,
cuja imagem construída no presente orienta as direções e os sentidos das ações.
É do futuro que tiramos os valores com que qualificamos a ação do presente e
com que estamos sempre revisitando e compreendendo o passado (GERALDI, 2007, 45).
É
a partir dos sentidos dessas palavras que Geraldi, recorrendo ao pensamento de
Bakhtin, nos fala da importância de um “cálculo de horizontes de possibilidades”
que a consciência de um excedente de visão nos oferece, porque é a partir da
alteridade que não apenas entramos em comunhão com o outro, mas também nos
constituímos como sujeitos, experimentando a nossa própria singularidade. Daí o
título de seu texto: “A diferença identifica”. Mas o título fala também de uma desigualdade
que deforma. Geraldi observa que quando o olhar para as construções estéticas
deixarem de lado as classificações que tornam desigual tudo o que é diferente,
“talvez reencontremos na experiência estética o que de comum compartilhamos
como homens – a capacidade de criar” (2007, p.52). As reflexões nos ajudam a
pensar não apenas no outro como constituinte e constituidor de nós mesmos, mas
também na nossa responsabilidade ética no entendimento e na compreensão do
outro. Poderíamos aqui refletir sobre as centenas de etnias compostas pelos
povos originários do Brasil, bem como nos milhares de índios (sim, o termo é
problemático), desrespeitados nos seus direitos básicos, como o direito a uma
terra e outros direitos que formam uma vida digna. Pensamos aqui também no
nosso compromisso ético no respeito, compreensão e valorização de suas poéticas
e culturas, que nos convidam constantemente ao nosso próprio devir-índio,
brancos-índios-brasileiros que somos. Relembremos que para Bakhtin, a nossa
existência só se dá pela criação do outro, bem como pela necessidade estética
absoluta do outro:
É nesse sentido que o
homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, de sua visão e de sua
memória; memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe
proporcionar um acabamento externo. Nossa individualidade não teria existência
se o outro não a criasse. A memória estética é produtiva: ela gera o homem
exterior pela primeira vez num novo plano de existência (BAKHTIN, op. cit, p.
55).
Em uma bonita e derradeira passagem do ensaio
de Geraldi, somos lembrados de que a incompletude e a inconclusão andam juntas.
E é exatamente por isso que nossas identidades não se revelam pela repetição do
mesmo, mas resultam de uma “dádiva da criação do outro” (2007, p. 48). Dádiva
que nos permite olhar a nós mesmos pelo olhar do outro. É uma espécie de
perspectivismo. Viveiros de Castro, tal qual Kafka, borgeanamente precursor de
seus precursores. Viveiros de Castro precursor de Bakhtin?
Apoderar-se
da arte que se define pela diferença e é o lugar por onde podemos nos
identificar; aprender a conviver com o inusitado; reencontrar sonhos abortados
e, por fim, fazer ressurgir o sujeito - não como imagem de um deus criador com
o qual cada um tem compromissos de concretizar na vida sua perfeição, à sua
imagem e semelhança, nem como o sujeito todo poderoso certo e certeiro de sua
racionalidade e de suas técnicas - e sim um sujeito frágil, humano
demasiadamente humano, cuja identidade, estabilidade instável, se define pelos
gestos de responsabilidade de ordenar a experiência do nosso fazer e do nosso
padecer. Nossa liberdade maior, aquela que a arte nos ensina, é precisamente a
capacidade de nos darmos uma lei (...) Esta liberdade de darmo-nos uma lei
remete à noção de responsabilidade tal como definida por Bakhtin e certamente
não tendo compromissos ontológicos outros que não com o próprio princípio
supremo do ato ético - a relação concreta entre o eu e o outro, inscreve a lei
a nos darmos na complementaridade que o excedente de visão do outro permite,
porque diferente seu posto de observação; calculados nossos horizontes de
possibilidades, defendendo, ainda que conflituosamente enquanto vivemos entre
desiguais, a sociedade que nossa memória do futuro projetou, dando-nos
acabamentos provisórios para com eles construirmos nossos roteiros de viagens:
eles dirão de nós o que fomos (GERALDI, 2007 ).
Aí
faz sentido que os xamãs ocupem o lugar de interlocutores privilegiados de
outros seres, tendo o poder, ao encontrar o outro, de ser-outro, trans-pessoa,
ou poeta, tradutor de um ser que volta para contar uma história. No xamanismo,
aquele que volta tem o poder de contar, o que ressignifica o conceito de
experiência, pautada meramente pela noção de pobreza, tal como vemos, por
exemplo, em Walter Benjamin. O espírito é aquele que pode voltar pela boca do
xamã. É aquele, por vezes animal, que fala para o homem na boca do homem. O
xamã é esse outro do Outro que se despersonaliza em perspectiva cambiando de
lugares, formulando assim com mais presteza seus “cálculos de horizontes de
possibilidades”. Os poetas-xamãs nos ajudam a interpretar a vida, porque nos
convidam a esse câmbio permanente de subjetividades. Eu me constituo pelo olhar
do outro. Os narradores nos ajudam a construir esteticamente uma imagem ética
de nós mesmos. Perdoem o câmbio de perspectivas teóricas. O xamã traz Bakhtin
para a festa na tribo. Vamos sim antropofagicamente misturando as linhas
teóricas. O poeta celebra o contato com o outro. O que vemos faz mais sentido a
partir do olhar daquele que nos olha. E vamos aprendendo a olhar juntos, de
forma igual, sempre diferente. Todos em volta dessa fogueira vão cumprindo suas
vocações diplomáticas. Como os espaços de conhecimento podem ser também espaços
poéticos e políticos, rendemo-nos à alegria de celebrar nesse lugar, ao mesmo
tempo, uma gaia ciência, a união do saber com a alegria, seja em “peles de
papel” ou na “escrita-pintura” do corpo traduzida no branco corpo de uma
“pintura-escrita”. A título de brincadeira, certa vez, o poeta Roberto Piva
(2000) disse que as universidades deveriam ser transformadas numa coisa viva,
com xamãs no lugar dos professores. Tudo para proporcionar aos alunos uma
verdadeira iniciação.
5. Referências:
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas vol. 1: Magia e técnica, arte e política. 7 ed.
Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CAMARGO, Eliane (Org). Yuxabu Yaixni (A mulher que virou tatu). Tradução Eliane Camargo.
São Paulo: Hedra, 2016.
CERNICCHIARO, Ana Carolina. Perspectivas
Ameríndias na Estética Contemporânea”. In: Crítica
Cultural. Palhoça, vol. 10. núm. 2, 2015 (p. 257-268).
GERALDI, João Wanderlei. A diferença
identifica. A desigualdade deforma. Percursos bakhtinianos de construção ética
e estética. In: FREITAS, Maria Teresa; JOBIM e SOUZA, Solange; KRAMER, Sonia
(Orgs). Ciências Humanas e pesquisa:
leitura de Mikhail Bakhtin. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2007. (p. 39-56).
JECUPÉ, Kaká Werá. O trovão e o vento: um caminho de evolução pelo xamanismo tupi-guarani.
São Paulo: Polar Editorial; Instituto Arapoty, 2016.
____. Todas
as vezes que dissemos adeus. 2 ed. São Paulo: Triom, 2002.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. Queda do céu: palavras de um xamã yanomami.
Tradução Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
LEMINSKI, Paulo. Pajé. In: Caderno Anexo do Diário do Paraná. 30 de junho de 1977. Disponível
em:
< http://www.elsonfroes.com.br/kamiquase/ensaioPL54.htm> Acesso em 08 de
março de 2021.
MOREIRA, Caio Ricardo Bona. Poéticas
ameríndias: Perspectivismo e Transcriação canibal. In: Chuy: Revista de Estudios Literarios Latinoamericanos. N. 6 Buenos
Aires, 2019. (p. 63-82). Disponível em: < http://revistas.untref.edu.ar/index.php/chuy/article/view/310>. Acesso em 10 de
março de 2021.
PEDROSA, Célia. Josely Vianna Baptista: uma
poética xamânica da tradução e da tradição. In: Alea vol.20 no.2. Rio de
Janeiro, May/Aug 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517106X2018000200092&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em 09 de março
de 2021.
PIVA, Roberto. Entrevista: Roberto Piva: Os
artistas são os xamãs da sociedade contemporânea. In: Revista Cult. São Paulo, 2001. Disponível em: < https://revistacult.uol.com.br/home/entrevista-roberto-piva/> Acesso em 08 de
março de 2021.
RISÉRIO, Antonio. Textos & Tribos: Poéticas
extraocidentais nos trópicos brasileiros. Rio de Janeiro: Imago,
1993.
STIGGER, Veronica. Onde a onça bebe água. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
VIANNA BAPTISTA, Josely. Roça Barroca. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
VITEBSKY, Piers. O Xamã: Viagens da Alma, transe, êxtase e cura desde a Sibéria ao
Amazonas. Taschen: Köln, 2001.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros
ensaios de antropologia. 5 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
____. Metafísicas
Canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Cosas
Naify, 2015.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo et al. Araweté:
um povo tupi da Amazônia (3 ed. revista e ampliada). São Paulo:
Edições Sesc, 2017.