Desde que visitei o Império dos Signos, de Roland Barthes, pela primeira vez, percebi que estava diante de uma nobre escritura (que conjuga, para usar uma expressão do próprio, saber e sabor). Mil doces coisas de uma vez, nesse livrinho. No fragmento a seguir, ao comentar sobre os palitos com os quais os japoneses comem, Barthes traça uma sintomática diferença entre "eles" e "nós":
"Pois os pauzinhos, quando têm que dividir, separam, afastam ou apertam, mas não cortam nem agarram, como fazem nossos talheres. Os pauzinhos jamais violentam o alimento: ou o desembaraçam pouco a pouco (no caso das verduras) ou o desfazem (no caso dos peixes, das enguias), redescobrindo assim as fissuras naturais da matéria (e nisso são muito mais próximos de nossos dedos primitivos do que das facas).
Por fim – e esta é talvez sua mais bela função –, os dois pauzinhos transferem a comida: cruzados como duas mãos, suporte e já não mais pinça, eles deslizam sob o floco de arroz e o suspendem até a boca do comensal; e, num gesto milenar que se repete em todo o Oriente, fazem escorregar a neve alimentar da tigela até os lábios, como uma pá.
Em todos esses usos, por todos os gestos que implicam, os pauzinhos se opõem à nossa faca (e a seu substituto predador, o garfo): são o instrumento alimentar que se recusa a cortar, a agarrar, a mutilar, a furar (gestos muito limitados, relegados à preparação do prato: o peixeiro que esfola diante de nós a enguia viva exorciza de uma vez por todas, num sacrifício preliminar, o assassinato da comida). Por causa dos dois pauzinhos, a comida já não é uma presa sobre a qual exercemos violência (carnes sobre as quais nos arremetemos), mas uma substância harmoniosamente transferida. Os pauzinhos transformam a matéria previamente dividida em comida para pássaros, e o arroz em fluxo de leite; maternais, eles remetem incansavelmente ao gesto do biscato, deixando aos nossos costumes alimentares, armados de espetos e de facas, o gosto da rapina".
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
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