Poderia falar de
greve, mas hoje falarei de algo menos grave. Há algum tempo, venho adiando a
leitura e escrita de textos (ou pelo menos diminuindo consideravelmente o
ritmo). Os motivos são variados, no entanto, não estando disposto a importunar
o leitor com lengalengas, prefiro nem elencá-los. Cito apenas dois deles. O
primeiro diz respeito aos compromissos do magistério, profissão que abraço
todos os dias com um misto de amor e temor. Os leitores bem sabem o quanto
exige a docência de um professor disposto a ensinar a seus alunos e aprender
com eles também. Mas, pensando bem, essa questão não vale como desculpa. Há
sempre um tempo entre uma aula e outra, entre reuniões pedagógicas,
orientações, correções de trabalhos e elaboração de planos de ensino. Que essa
tarefa não seja nunca motivo para adiarmos a escrita. Pelo contrário, que seja
um convite a permanente construção de ideias, mola propulsora de todo exercício
de pensamento e ação. Há anos, leciono literatura e para mim pensar e escrever
sobre ela será sempre um prazer, apesar de que toda escrita traz em seu bojo um
fantasma com o qual é difícil conviver.
O segundo motivo
de tal adiamento vale como justifica, pois é o mais belo de todos os outros que
poderiam nos roubar o tempo e as condições necessárias à escrita de um texto ou
a consecução de toda e qualquer atividade. Falo da paternidade. O texto que não
paro e não me canso de ler e escrever há três anos se chama Catarina. Ela chegou
para alegrar a nossa vida. Tem um sorriso encantador, menos de um metro, e uma energia
capaz de movimentar uma usina hidroelétrica (Perdoem-me a hipérbole, coisa de
pai exagerado). Para somar-se à Catarina, multiplicando-nos em afeto, acaba de
chegar a Aurora, que tem, ao lado de sua irmã, nos dado alegrias imensas.
Aurora, de olhar terno e doce, veio para nos amanhecer lá em casa, que agora
anda de novo com cheirinho de bebê.
Minhas filhas
têm sido os únicos motivos a dificultar consideravelmente as condições da
prática de leitura e escrita, o que me deixa muito feliz porque se ler é bom,
ser pai é muito melhor. Qualquer outro motivo - que não elas - a me impedir ou
dificultar o exercício do pensamento, deixaria em mim um sentimento de falta
que não conseguiria mensurar. E, no entanto, ter lido ou escrito nos últimos
três anos muito menos do que costumava fazer até então tem me deixado
imensamente feliz. É que Catarina e Aurora são para mim pura literatura.
Nos olhos de
minhas filhas encontro a força de William Shakespeare, a doçura e o amor dos
versos de Vinícius de Moraes, o mar de Homero ou Camões, o céu de Saint-Exupéry,
a terra de fadas ou do nunca, o fogo que a literatura tenta traduzir em palavras,
os mistérios de uma civilização perdida escondida em um livro esquecido em
alguma biblioteca. Escrevo isso para dizer o quanto de poesia existe naquilo
que amamos, para além de palavras e textos. O leitor me questionará e eu
responderei com um piparote. Sim, um poema é feito de palavras, mas a alma que
nele se guarda ou voa se chama poesia. E o prazer gratuito que nela encontramos
pode se traduzir na alegria de um abraço, no calor de um beijo, no trabalho de
um povo, nas cores de um quadro, no sorriso de uma criança, nas cenas de um
filme, nas notas de uma música, no sal de uma emoção, no último capítulo de uma
novela, na alegria da amizade, entre outras coisas boas que a vida nos dá ou
que damos a ela enquanto ainda estamos aqui. Que essa poesia nos convide sempre
à leitura e escrita de novos poemas. Que possamos ler e escrever a nossa
própria vida. Isso dá um belo livro. Sem falar na maternidade, cujo dispêndio
de forças e tempo supera em muito todo e qualquer exercício de paternidade. É
sim o amor mais belo. Daria muito mais do que um livro. Daria todos. Daria
tudo. Amor de mãe é uma imensa biblioteca.
Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória, em 27 de julho de 2019
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