Está saindo pela editora Micronotas o livro "Fissuras", do poeta e tradutor Juan Terenzi. Tive o prazer de escrever a orelha. Os poemas dessa bela edição atuam na confluência amorosa, mas não sem conflito, de dois territórios, que são dois idiomas. Sua poesia está na fronteira, ou melhor, no limiar, onde as línguas se amam e se armam. Nas frestas falam sempre as fissuras. A edição está linda!
Orelha:
Serpiente o ser puente?
Aqui, duas línguas estão postas em confluência amorosa. Elas se amam, poderíamos dizer, mas não sem confronto. Por isso, ariscas se arriscam fazendo nascer no atrito da fricção a faísca da poesia. Elas dançam e assim se enlaçam, ambas na mesma vertigem. E como num poema de Christophe Tarkos, elas se beijam e vão se acariciando mutuamente na boca do poeta. E lá onde uma língua toca a outra, Juan Terenzi multiplica as possibilidades sonoras e simbólicas de seu jogo. Tal experiência põe em evidência a própria complexidade da fronteira, entendida como zona estável e precisa. É expandindo o idioma para além do seu limite que a poesia cumpre a vocação de uma deriva nômade. Que terceira língua é essa? Que geografia está implicada aqui? A do confim, certamente, na qual é abolido o limite preciso entre o dentro e o fora, o eu e o outro, Troia e Desterro. O problema das identidades está lançado. Duas línguas se amam e se armam, se tocam e se trocam, abrindo-se para um limiar. Às vezes, o encontro sonoro só se dá pela mistura das duas línguas. É quando a heteroglossia salva a rima. A poesia, assim, se constrói como diferença. É também uma política. Naturalmente, essa riqueza amplia as potencialidades sígnicas dos poemas ao passo que complexifica a oposição de dois termos no seu desejo de Neutro. Tal jogo faz lembrar as escritas inventivas e radicais de Douglas Diegues e Wilson Bueno, embora estas também lhe sejam bastante diferentes. A zona de indeterminação linguística é o território sobre o qual se move a língua literária de Fis(s)uras. Leio o livro perguntando o que lhe motiva em cada lance a passagem de um registro a outro? E aos poucos vou descobrindo uma resposta. É a língua que cavalga o poema e não o seu contrário. José Martí bem disse que “la lengua es jinete del pensamento y no su caballo”. O poema é esse sol que passeia al revés. No fim, desnudos estão o poeta e a língua. E o jinete acaba por ser esse mago alquimista amante e lutador, indecidido entre “el que no sigue nada fijo o / aquele que une dois em um”. Que bela luta amorosa e estrangeira.
Caio Ricardo Bona Moreira
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