sábado, 20 de agosto de 2022

Concretamente Décio


O Décio conheci pessoalmente pelos idos de 2002. Guardo uma foto em que apareço com um amigo e uma amiga ao lado dele, no Cine Teatro Luz. Eu já curtia os poemas dele, os ensaios também. Naquele tempo a internet engatinhava. As informações eram menos acessíveis. Eu não tinha o visto até então em fotos ou na TV. Quando o poeta subiu no palco, fiquei surpreso. Então era ele aquele velhinho que eu tinha visto em um curioso filme algumas semanas antes na TV Cultura, no qual ele interpretava um sujeito excêntrico que criava pombos soltos em um apartamento. O filme se chamava "Sábado", e fora dirigido pelo Ugo Giorgetti. Jô Soares e Tom Zé também participavam do longa-metragem. A palestra foi incrível. Naquela noite pensei estar diante de um dos maiores intelectuais vivos do Brasil. Uma lucidez e inteligência imensas. Levei dois livros para ele autografar no final do evento. Um deles para a biblioteca da Universidade onde eu estava concluindo a graduação. Décio, vendo o carimbo, me perguntou se eu tinha roubado o livro de algum acervo (deve estar em alguma prateleira lá na biblioteca, um exemplar de "Comunicação Poética"). Não lembro se rimos. Talvez ele fosse sisudo o bastante para isso. Pedi uma foto. Ele aceitou. Li alguns anos depois, não lembro onde, que ele acreditava em questões mediúnicas implicadas no ato de sua escrita literária. Mas não recordo se a questão era basicamente tratada em termos semióticos. Naquele mesmo ano, descobri que Leminski o venerava. Reza a lenda que o curitibano teria oferecido maconha para o Décio em um "petit comité". Pignatari recusou dizendo que não precisava de aditivos para criar. Caetano, Torquato e tantos outros sabiam com suas antenas que Décio era uma de nossas maiores cabeças. Gosto muito da foto em que o poeta concretista aparece de cueca clicado por Ivan Cardoso ao lado de Grünewald e Oiticica. Com aquela cara de italiano mal humorado Décio bem poderia ter sido meu avô. Um daqueles patriarcas de Osasco com sotaque carregadamente italiano ordenando aos netos que não entrassem em seu escritório. Esse cara incrível viveu seus últimos anos em Curitiba, lecionando. Apareceu duas vezes entrevistado pelo Abujamra no Provocações, dizendo que a monarquia era um atraso, e que os professores não arriscam e só têm gostos médios e medianos. Polêmico como sempre. Sua índole "crica" era fruto de um olhar profundamente crítico e sagaz. Seu pensamento é fundamental. Décio era do futuro. Continua sendo o cara de um Brasil pós-nacionalista, de um meta-Brasil (quando o "guaraná for coca-cola", dizia o autor de "Poesia pois é poesia"): "Neste pais só não resulta o que você não faz", sugeriu ao ser entrevistado pelo Abujamra. Daqui uns 50 anos vamos entendê-lo um pouco mais e melhor. Não era um cara do século XX embora tenha sido fundamental para ele. Hoje faria 95 anos.



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