sexta-feira, 5 de abril de 2013

Bakun, Poty, Valêncio

                                                                    auto-retrato de Bakun

A figura de Miguel Bakun, um dos maiores pintores do Paraná, sempre me impressionou. Seu traço forte (os adjetivos não são capazes de descrevê-lo), que a meu ver figura  entre os mais expressionistas do nosso país, fundou no Paraná uma linhagem de pintores interessados nessa estética cerebral que pinta a própria linguagem e não apenas a natureza ou a embriaguez do coração. Lembro de Bakun quando vejo os desenhos de Poty, as ilustrações do jovem Fabiano Viana, bem como quando leio a prosa de Dalton Trevisan. Um dos retratos do pintor nascido em Mallet, mas que viveu boa parte de sua vida em Curitiba, foi produzido pelo Poty, para figurar no livro "A propósito de Figurinhas", de Valêncio Xavier. O livro, inspirado nas tradicionais balas Zequinha, apresenta, além da imagem, um poema de Valêncio sobre Bakun: 

"Foi ser pintor / do pinho fez o quadro / da estopa fez a tela / da terra fez a tinta / da corda do enforcado / fez os pêlos do pincel / e começou seu retrato / saiu a cara do Miguel Bakun / não tenho nada a dizer". 

No desenho, o quadro com o semblante de Bakun sobrepõe-se ao rosto, que não aparece mas que também é uma representação (palavra estranha que apesar de tudo ainda ouso usar). Desenho sobre desenho, camada sobre camada, personagem sobre personagem, o espelho pelo avesso de si mesmo. Bakun ganha, assim, uma aura fantasmática no livro "A propósito de figurinhas". O que por sua vez injeta potência na própria figura do escritor que, ao fazer da arte uma forma suprema de vida, comete o suicídio, gesto máximo do silenciar, fazendo do fim um quadro trágico de sua vida pintado a garrote. Pobre e sem o reconhecimento do público e da crítica, o artista enforca-se em 1963. Bakun reaparece em outros dois livros de Valêncio. Primeiro no livro "Curitiba de Nós". Depois no livro "Poty, trilhos, trilhas e traços", uma biografia sobre o maior muralista do Paraná. 
Ao apresentar a influência do pintor de Mallet na obra de Poty, Valêncio compara a obra de Bakun a de Goeldi. Estamos diante de um homem-fantasma, rabiscado por Goeldi: 

"Coisa que não consigo entender é como o Goeldi, que nunca veio a Curitiba, nem conhecia o Bakun, creio eu, fez, nessa gravura que mandou para a Joaquim, um homem com a cara dele, torturado como ele era no meio duma paisagem bem alucinada como a dos quadros de Bakun". 

Bakun talvez seja o homem do guarda-chuva vermelho da xilogravura de Goeldi que caminha na selva escura da cidade para lugar  nenhum.
Depois de assistir ao curta-metragem de Sylvio Back sobre Bakun fiquei ainda mais fascinado ainda pela figura do pintor suicida (O município de Mallet tem valorizado seu artista mais importante?). A trilha sonora mística cria um forte impacto ao misturar-se com as pinturas apresentadas no vídeo. Em uma das cenas mais impressionantes, Back filmou uma médium que incorporou o espírito do pintor. Então, Bakun (seu espírito ou seja lá o que for) fala sobre a arte e sobre o suicídio. Cinema, espiritismo, pintura e mistério se misturam compondo algo que transcende o próprio cinema como os quadros do artista transcenderam a própria arte vigente no Estado.

Ilustração de Bakun feita por Poty para o livro A propósito de figurinhas, de Valêncio Xavier

Ilustração de Poty e texto de Valêncio Xavier sobre Bakun para o livro Curitiba de Nós

Ilustração de Goeldi, presente na biografia de Poty escrita por Valêncio Xavier

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