segunda-feira, 1 de abril de 2013

PERIMETRAL


                                                           Jardim das Delícias, de Bosch

No verão, a Perimetral de Porto União é o jardim das delícias de Bosch. Me encanta o vai e vem de suas gazelas eufóricas e dedicadas na arte de um andar quase voo. Invento um passeio só para flanar nesse museu a céu aberto de quadros e musas, donas de casa e cães de caminhada, jovens e cardíacos, estes reincidentes no pecado da gula e sedentarismo. Mas gosto mesmo de mirar as musas. Vejo Vênus, esbelta, saindo da concha, da curva, a dama de cabelos dourados e esvoaçantes, protetor solar fator 30, tênis com amortecedor da Nike, pernas longas, porte fino. Roupa discreta, sem curvas, nada barroca, apenas clássica, como sempre se supôs. Só não é perfeita porque lhe falta o encurvamento das formas, bem como a minha companhia no trote do flanar. Delira-me a dança de seus cabelos como delirou a Homero que disso fez canção. Botticelli pintou Zéfiro a soprar  as melenas da ninfa não menos aquática que a fonte. Olho tudo. Mas vejo somente aquilo que eu quero. É preciso contemplá-la antes que o passeio acabe, antes que o verão acabe, antes que ela case, se mude para Curitiba, ou volte aqui, depois da lua de mel, com gajo e anel. Vejo Monalisa (sua voz falando baixinho dentro da minha), caminhando com a amiga, uma ruiva de Botero, que é caixa de supermercado. Ambas levitando com o doce incenso de um suor a não poupar perfume e propostas pouco ingênuas. Apresso o passo e chego mais perto. Falam de homens e outras sobremesas, surpresa nenhuma. Vejo Primavera acompanhada das três Graças. Todas riem, menos uma delas que, ouvindo seu MP3, nem olha para os lados. Ou talvez nada escape pelo canto de seus olhos de lua e lince. Que música penetra em seus lindos ouvidinhos de dobras e dengos de aurora? Em meu escritório, num dia chuvoso, me quedo a contemplar a lembrança fictícia desses quadros. Escrevo para não perdê-los. Guardar acesa no texto - caixa de cachivaches - a ruína de uma rubra memória. Apenas um lamento: no quarto ao lado, limpando as vidraças, Isabel, sem escolha e sem passeios, nem sonha o que vou fazendo por aqui. Que música toca no ouvido da Graça? Quem saberá? Nunca olvidar das graciosas gazelas de nuestra perimetral. Nossas Graças, como as de Rubens, têm curvas. Queira Zeus que os exercícios do caminhar não lhes furtem esse bem precioso. 

Um comentário:

Ique in Vogue disse...

gostei muuuuito dos paralelos com o quadro e praticamente vi o que você viu, só de ler...