terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Família Teixeira: retrospectiva 2015


Tive o prazer neste ano de prefaciar o novo livro de poemas da Família Teixeira, seu Affonso, Ulysses e Siomara. Segue o prefácio:

3

No Cine-poema dessa família,
três poetas para a nossa alegria:
Affonso compõe a trilha,
escreve o roteiro Siomara, a filha,
e Ulysses, pintor enluarado,
faz a fotografia

Quando Ezra Pound escreveu ABC of Reading, antes de ser internado em um sanatório, refletiu sobre os três elementos básicos que compõe a poesia, nominando-os: melopeia, fanopeia e logopeia. O poema que concentra sua energia na musicalidade poderia ser chamado de melopaico. Na tradição da poesia de língua portuguesa, desde os trovadores até os poetas-músicos de nosso cancioneiro popular, Vinícius, Leminski, Arnaldo Antunes, entre outros, a melopeia sempre rendeu belos frutos. O poema, por sua vez, que concentra sua energia nas imagens, é chamado de fanopaico. Inserem-se nessa linhagem não apenas os poemas concretos que delegam à visualidade seu valor estético, mas também os poemas cujos versos se caracterizam como máquinas visuais, evocando nos leitores imagens das mais variadas. Chico Buarque, por exemplo, na música Vitrines cria uma bela imagem ao escrever "Na galeria, cada clarão / É como um dia depois de outro dia / Abrindo um salão / Passas em exposição // Passas sem ver teu vigia / Catando a poesia / que entornas no chão". Uma cena de cinema. O poema que trabalha com um jogo de ideias, explorando o trabalho sofisticado da construção do pensamento, é chamado de logopaico. É o que encontramos recorrentemente nos poemas barrocos de Gregório de Mattos ou mesmo nos Sermões de Padre Vieira. Rio de raciocínio, dobras e redobras. Muitas vezes, alguns poemas trazem mesclados dois, ou três desses elementos, ressaltando-se, no entanto, sempre um deles. Penso se essas três categorias unidas em laços espirituais e consanguíneos de afinidades eletivas ou familiares não se encontram bem representados na publicação da família Teixeira que agora se publica. Aqui, a tríade familiar se transforma numa potente e bela tríade poética.
Que não se olvide: em Affonso a melopeia se destaca nos poemas que soam como canções, músicas para o ouvido e para a alma, sinfonias também da saudade. Nos poemas de Siomara, que fazem lembrar por vezes o simbolismo hermético de uma poesia nefelibata, no melhor sentido da palavra - ou mesmo barroca -, a logopeia marca com força sua presença, produzindo um jogo sofisticado de ideias e sensações. Em Ulysses, que também é artista plástico do mais alto calibre, a fanopéia grita aos olhos. Não poderia ser diferente nesses quadros poéticos, altamente sinestésicos, que me levam a pensar que o poeta/pintor escreve o que não pode pintar e pinta  o que não pode escrever. Que não se enganem os leitores. Não se trata de incapacidade de expressão, mas de uma pluralidade artística que se derrama em duas linguagens: Ganha a poesia, ganha a pintura. Nada se perde, tudo se faz poesia.
3 poetas, pai, filho e filha, 3 sangues de um mesmo sangue, 3 escritas muito particulares que parecem migrar para um mesmo oceano. 3 rios em discurso, postos em movimento, como que percorrendo seu caminho singular para desaguar na foz da vida que é a poesia. 3 elementos, como 3 são os estados da matéria, como três são as pontas de triângulo, figura geométrica que muitos místicos afirmam representar a perfeição. Santíssima trindade essa música/pensamento/cor, essa "verbivocovisualidade" quase cinematográfica da família Teixeira, família que consegue com presteza recuperar o sentido da palavra poesia, do grego "poiésis", que quer dizer ação. Entrem nesse cine-poema, apaguem as luzes, acendam o projetor: 3,2,1, ação...


Caio Ricardo Bona Moreira

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