terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Pensando a Vida: retrospectiva 2015


Em 2015, tive o prazer de receber o convite para escrever a orelha o livro Pensando a Vida, de Marli Terezinha Andrucho Boldori. Seguem as breves reflexões da orelha, que desejam apenas ser um convite para os leitores:

Nada acontece por acaso. Assim como um chocolate lambuzado na roupa de alguém pode salvar-lhe a vida, cada um dos textos que compõe este livro tem um destino a cumprir. Que esta convicção não passe despercebida durante a leitura de “Pensando a Vida”, rico e curioso mosaico literário de Marli Terezinha Andrucho Boldori. Estamos diante de uma máquina de produzir imagens, ou seja, de um caleidoscópio. Para conhecê-lo, o leitor precisa girá-lo contra a luz, pô-lo em movimento, ou melhor, virar suas páginas, lendo cada uma de suas frases como quem degusta com júbilo uma imensidão íntima e repleta de sabores e saberes. Daí a pluralidade de gêneros (poemas, crônicas, contos, ensaios) e de temas (política, família, amor, nostalgia, ecologia, segurança pública, cinema, música e outras artes), responsáveis pela riqueza do livro, riqueza potencializada também pela dimensão poética que a autora alcançou em sua escrita. Os textos delineiam em suas cores e formas uma filosofia poética do cotidiano, por meio de um desvendamento da realidade que, ao mesmo tempo, dá prazer e faz pensar. Talvez o seu destino seja essa epifania! Não é por acaso, acredite em mim. E não estranhe, caro leitor, se em alguma frase deste livro algo muito importante se esclareça ou torne-se mais mágico e misterioso para você.  



Tive o prazer também de fazer a apresentação do livro na noite de lançamento. Segue abaixo o texto lido no evento:

APRECIAÇÃO DO LIVRO "PENSANDO A VIDA", DE MARLI TEREZINHA ANDRUCHO BOLDORI
26 DE NOVEMBRO DE 2015

Boa noite a todos e todas. Coube-me a importante e difícil tarefa - embora ainda menos árdua que prazerosa - de apresentar o livro da professora, amiga e escritora Marli Terezinha Andrucho Boldori, intitulado "Pensando a vida", que para a nossa alegria vem a lume nesta noite de 26 de novembro de 2015. Embora não me considere à altura de apresentá-lo com a devida qualidade e atenção que merece, aceitei pensá-lo, desejando pensar este "Pensando a vida" como quem pensa o pensamento, como quem, curioso, mergulha no íntimo de uma escrita pensante e poética, prenhe de sabor e saber, para usar uma expressão do crítico e teórico Roland Barthes, em sua aula inaugural no Collège de France. Pelo menos assim se mostrou para mim desde o início essa obra gestada carinhosamente pela autora durante alguns anos, um livro de sabor e saber.

Roland Barthes

Apresentar um livro talvez exija mais do que falar "sobre" ele. Apresentar um livro talvez signifique falar "com" ele, ou em outras palavras criticá-lo, não para dele falar bem ou mal, posto que a crítica sempre me pareceu menos destinada a dar um veredito feito um juiz no Tribunal da Santa Inquisição e mais vocacionada a devolver potência à obra lida, estabelecendo relações curiosas, ou seja, constelando os próprios textos que lê, fazendo assim com que aquele que ouve ou lê a apresentação - ou mesmo o comentário crítico -, nunca mais leia a obra apresentada ou criticada com os mesmos olhos, que os leitores sejam transformados também pelo comentário, ou pelo menos por ele convidados a ler. Alegro-me em poder aqui, neste momento, convidá-los a ler este livro encantador de uma escritora encantadora. Encantadora em dois sentidos, por ser agradável, simpática, sensível, e encantadora por, feito uma alquimista-feiticeira, transmutar palavras, acordando-as de seu sono e sonho de dicionário, despertando-as, assim, para a magia da literatura. Não se trata de um falso milagre, como aqueles produzidos por encantadores e magos diante de Moisés e Arão, no Velho Testamento, em uma das passagens de Êxodo. Trata-se de uma operação literária que, para usar uma expressão de Octavio Paz, é "capaz de mudar o mundo", já que a atividade poética é, como ele sugeriu, "revolucionária por natureza". Que ela, antes de mudar o mundo, mude-nos. 

Octavio Paz

Por isso lemos, por isso pensamos no que lemos, por isso pensamos com o que lemos, por isso, na apresentação, desejamos falar "com" a obra que lemos. Que essa fala seja poética como a obra é o que desejamos, principalmente em se tratando de um livro tão rico em temas e gêneros. Como não lembrar aqui da alquimia descrita pelo poeta simbolista Dario Vellozo, nascido curiosamente no dia 26 de novembro. Seus versos hoje são sinais de bom agouro: "Genuflexo, o alquimista ora e medita / A Grande Obra o preocupa, o arcano / da existência, a Fênix, soberano / anseio de dar ouro à alma precita" (VELLOZO, 1069, p. 542).

Dario Vellozo

Davi Arrigucci Júnior, ao prefaciar o livro "Valise de Cronópio", de Julio Cortázar, observou algo que traduz uma certa experiência literária que encontro no livro "Pensando a Vida". Faço minhas as palavras do crítico e peço licença para ler na íntegra a citação:

"Neste livro há um mosaico; no mosaico, como sempre uma única e múltiplas faces, facetas e assim por diante. (...) Os mosaicos são múltiplos por natureza: nascem um pouco daqui e dali; podem ser híbridos, integrar a variedade, recompor figuras inteiras através dos cacos, da dispersão dos fragmentos; de repente, a visão se alarga e, zás, as partes consteladas são um todo. No fundo de um tubo, um livre rodopio cria do caos um cosmos: os cacos imantados são céu e são estrela (...). Quando se descolam e liberam seus componentes na descontinuidade do fragmentário, revelam sempre o lúdico essencial que encerram, armados. São, então, um convite ao jogo, à montagem problemática, à participação ativa de quem se delicia com eles, como certos brinquedos de criança: caleidoscópios, quebra-cabeças, enigmas, labirintos e outros avatares de provas iniciatórias, capazes de tocar fundo na gente (...)" (in CORTÁZAR, 2004, p. 7-8).


Júlio Cortázar

Esta longa citação de Arrigucci nos ajuda a compreender não apenas a obra de Cortázar, mas também o livro que hoje se apresenta, permitindo-nos imaginá-lo como uma espécie de máquina de produzir imagens, porque, feito um caleidoscópio, "Pensando a Vida" produz a cada movimento de leitura novos desenhos e cores, de variados matizes e nuances. Talvez, dessa maneira, sua riqueza não esteja apenas na qualidade da escrita literária de Marli Terezinha, mas principalmente na forma como a escritora arma um mosaico, convidando os leitores a montar com ela um quebra-cabeça de temas e estilos variados. Figuram nesse mosaico o cinema de Mazzaropi, de Francis Ford Copola, Hitchcock, Vittorio de Sica, Meryl Streep, Elizabeth Taylor, entre outros. Surgem também de seu baú literário poemas que evocam, por exemplo, o lirismo amoroso em "Juro-te", a paixão pelos livros e pela literatura, na bela "História para Viajantes Anônimos", o amor pela terra natal, em textos como "Ser de lá..." e "Ode a União da Vitória",  a nostalgia da infância em poemas como "Um dia o trem passou por aqui", "Ao meu avô" e "Saudades". 
À medida que avançamos na leitura de "Pensando a Vida", é possível nos sentirmos muito próximos da autora. A forte presença das nossas cidades em seu livro, bem como a de sua família, em especial a da figura de seu pai, permite a nós, leitores, adentrarmos em um universo íntimo e lírico que traduz não só uma subjetividade sutil e encantadora como imprime marcas poéticas em cada um de seus textos. Generosa, a escritora cria uma série de tableaux para homenagear pessoas especiais como Fernanda Montenegro, Fernandinho, René Augusto, Odilon Muncinelli, Inezita Barroso, Chico Mendes etc. Perfis embalados pela música, por exemplo, de Dorival Caymmi. Viremos um pouco mais esse caleidoscópio e seu movimento nos revelará também uma Marli cronista e ensaísta, pensadora crítica que olha para a vida social com um perfil humanista e ao mesmo tempo engajado. Preocupada com a ecologia no textos "A palmeira solitária", e "A enchente nas Gêmeas do Iguaçu", atenta a questões de educação e segurança pública, em ensaios como "15 de outubro: dia do professor" e "Polícia para quem precisa". Como é bom ler um livro difícil de ser resumido. Trata-se, de fato, de um gabinete de variedades.
A escritora argentina María Negroni, em um dos ensaios que integram seu "Pequeno Mundo Ilustrado", observa que os poetas, como as crianças, intuem o vínculo exato entre curiosidade e memória, melancolia e resistência, aventura e tolerância:

María Negroni

E o que buscam é nada menos que liberar as coisas de seu destino utilitário e a linguagem de suas taras mais odiosas: permanecer em seu próprio terreno de caça onde é possível continuar sendo um pequeno príncipe. A poesia é a continuação da infância por outros meios (2011, p. 103).
Essa associação da poesia ao reino da infância, tão forte na obra de Manoel de Barros, por exemplo, se traduz na obra de Marli não apenas no interesse pela memória, inscrita em textos que viajam até a sua infância, mas principalmente na atividade lúdica de escrever um livro como quem monta um quebra-cabeças, cujas imagens, como sugerimos anteriormente, são produzidas por uma máquina semelhante a um caleidoscópio. Nesse sentido, "Pensando a Vida", como uma espécie de colcha de retalhos, ou um álbum de figurinhas, faz a graça de um colecionador. Marli produz e coleciona pérolas, poemas e prosas, reunidas no dia a dia, nos mais variados lugares e situações. E essa pluralidade é sinônimo de sua grande riqueza. Cumpre lembrar que para um bom colecionador a coleção nunca está completa. Seu compromisso, para usar palavras de María Negroni, é com o "inalcançável". E aqui reside seu segredo mais árduo: ao priorizar o que falta ("já que uma coleção completa estaria morta), o colecionador consegue relançar o desejo, estando disposto então a multiplicar as séries, ou seja, a continuar escrevendo. Sempre lhe falta uma figurinha. E se a coleção de textos produzida por Marli está incompleta, é apenas porque desejamos que ela continue escrevendo e que novos textos aumentem a sua coleção, em outras palavras, encerro solicitando que a autora continue pensando a vida. Vida longa a sua obra! Muito Obrigado!

Um comentário:

Marli Terezinha Andrucho Boldori disse...

Caio, a apresentação feita por você em meu livro, e no dia do lançamento abrilhantaram o evento. Você foi a pessoa certa, para que o sucesso tivesse um resultado tão maravilhoso, melhor que o esperado e planejado. Só tenho a agradecê-lo, Dr. Caio!
Que Deus o abençoe!