sábado, 7 de maio de 2016

Quando todos os acidentes acontecem


Em 2009, entrevistei o poeta Manoel Ricardo de Lima. A entrevista foi publicada no extinto e dinossáurico jornal urtiga!

Entrevista


1 – Manoel, depois que você lançou “Falas Inacabadas – Objetos e um Poema”, em parceria com Elida Tessler, parece que seu trabalho vem interagindo cada vez mais com as artes plásticas. Você concorda com essa afirmação? De que maneira essa relação tem sido produtiva para você?
Manoel- Não sei se assim tão diretamente, Caio, como eu queria. Mas tenho uma proximidade com algumas questões que acho mais pertinentes quando as vejo em trabalhos de alguns artistas visuais que gosto. Muito mais do que em alguns poetas. E aí, esta conversa aberta me interessa para o meu trabalho com o poema. Há uma tensão de pensamento entre a fala e o trabalho nos artistas visuais que acho bem mais articulada e mais livre do que nos poetas. Mas é uma linha de interesse, uma maneira de olhar e de fazer, apenas isso.

2 – Poesia, que fantasma é esse?
Manoel- Para mim eu poderia dizer que é o fantasma do tempo e da alegria. Minha produção é pouca porque preciso de muita alegria pra isso e porque escrever me mantém vivo e alegre. Acabei de lançar meu último livro de poemas - 'Quando todos os acidentes acontecem' (7Letras, RJ)- porque durante o ano passado pude me dedicar a ele, me debruçar sobre poemas que já vinha trabalhando há oito anos. E isto tem a ver com trabalho, com demora, com espera, com muita alegria.

3 – Como você, que além de poeta é professor, articula as reflexões oriundas do universo acadêmico no âmbito da criação literária?

Manoel- Há complicadores aí muito maiores do que posso perceber e dizer deles. A academia é um espaço mantido, hoje (como muitos espaços e esferas públicas no Brasil) como se fosse uma truculenta instituição privada, cheia de donos, de articulações terríveis para manutenções de poder, com concursos estranhos, formas de favorecimento e outros impasses medonhos . Mas é também ali que se pode ainda, com tanta adversidade, esperar alguma potência numa ou noutra gentileza de pensamento. E amém, mesmo que muito raramente, há, ainda há. E é bem aí, nesta pequena brecha, que mora a alegria de um contato possível entre o professor honesto que tento ser comigo e com meus alunos, como uma política de ação livre e pensamento minimamente severo, e meu trabalho quando escrevo. Porque escrevo o tempo inteiro, sem papel, caneta ou computador. Escrevo o tempo inteiro, pra nada, mas é assim que é.

4 – O poeta parece ter abandonado os grandes gestos modernistas, no entanto, a poesia continua. Que pode o poeta na comunidade que vem?
Manoel- Ainda acredito, como o pensador Walter Benjamin, que é possível ter como tarefa política a do caráter destrutivo: arejar, romper, abrir caminhos entre as ruínas. Penso que o lugar do poeta e do poema ainda é e pode ser esse. Isto também pode ser a nossa tarefa da alegria.

5 – A relação do poeta com seu paideuma é sempre complexa, não se resolvendo como uma mera questão de influência. Como você vê, no seu trabalho, a presença de Joaquim Cardozo e Paulo Leminski, poetas que você estudou no Mestrado e no Doutorado?
Manoel- São dois tempos diferentes, como aqueles motores antigos que tinham dois tempos. Leminski foi mais ou menos o cara que parece ter me dito algo assim: 'poesia pode ser outra coisa'. Eu tinha aí uns 16, 17 anos. Poesia podia ser roquenrou. E é, e pode ser. O Joaquim é porque é sempre melhor pensar por onde as vias estão ainda abertas e muito contaminadas das mesmas coisas. Acho que a poesia e a crítica que Joaquim Cardozo produziu no Brasil no século XX atravessada pela ciência, pela etnografia, a arquitetura e a engenharia, o poema, o teatro, as artes visuais, a sua delicadeza, seu gesto generoso e quieto é das coisas mais radicais que temos. Por aí, imagino, é mais interessante ler e reler o moderno, ler e reler o presente: por onde as pegadas ainda são nenhumas.

6 - A concisão parece ser um dos traços fortes de sua poesia. A despeito daqueles que afirmam não haver mais espaço para esse procedimento, o "múltiplo no mínimo" ainda parece dar bons resultados, como nos poemas do Chico Alvim.
Manoel- Meus poemas estão muito diferentes desta primeira linha concisa, Caio. E acho que isto se deve ao meu trabalho de expansão da linha, que pode vir de João Cabral de Melo Neto, mas pode vir também muito mais da linha da escultura de Eduardo Frota ou dos trabalhos desencarnados de Giuseppe Penone. Então, o procedimento no meu trabalho, a meu ver, agora está expandido para a linha contínua, como já havia experimentado na minha novela 'As Mãos' (2003). E isto me interessa muito agora: expandir a linha até a linha não ter limite.

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