O
livro-reportagem “Zilda, o assassinato da Santinha”, da jornalista Mariana
Honesko Bortolini, lançado há alguns dias, vem para preencher uma lacuna na
memória das cidades de Porto União da Vitória. Corajosa ao abordar um sinistro
e misterioso episódio da história local, a obra é um dos poucos registros
dispostos a pensar o caso trágico que vitimou a jovem Zilda Santos, de apenas
13 anos, e que abalou a região do Vale do Iguaçu no final dos anos 40, e que
segue indignando todos aqueles que tomam conhecimento do ocorrido.
Vítima de um
crime extremamente cruel, Zilda Santos, dos Santos ou Izildinha - como alguns
preferem chamá-la – hoje é a popular Santinha, venerada por muitos fiéis no
Cemitério Municipal de União da Vitória. A ela são atribuídos milagres e
graças. Seu túmulo, adornado sempre com flores, é local de novenas e ampla
visitação.
O crime que
ceifou a vida da jovem ficou conhecido como o “Crime da Rua Cruzeiro” ou “Crime
do Iguaçu”, já que seu corpo foi encontrado boiando no rio alguns dias depois
de ter desaparecido. O que aconteceu entre o sumiço de Zilda e o encontro de
seu cadáver é ainda objeto de muitas especulações. A menina teria sofrido abuso
sexual durante alguns dias por homens da “alta sociedade” de União da Vitória e
Porto União, sendo mantida em cárcere privado num lupanar que funcionava no
bairro Santa Rosa, fato que implicou em uma série de silenciamentos sobre o
caso, a saber, o desaparecimento de documentos importantes, morte de supostos
envolvidos, fuga de outros, bem como perseguição àqueles que tentaram denunciar
o crime publicamente, contribuindo para solucioná-lo. É o caso da jornalista
Lulu Augusto, que chegou a fundar o Jornal Caiçara com a finalidade de noticiar
o andamento das investigações e contribuir para a elucidação do crime. Ela
chegou a escrever uma novela radiofônica sobre o assassinato de Zilda levada ao
ar pela Rádio União. Os acontecimentos que circundam a participação de Lulu no
caso são dignos de um filme, sendo relembrados por Delbrai Augusto Sá no
prefácio do livro que agora é publicado.
É a partir
desses silenciamentos da história que, corajosamente e com um senso
investigativo muito caro aos bons jornalistas, Mariana escreveu esse livro que
cumpre um papel muito importante não apenas pelo registro do sinistro, e por toda
a informação que conseguiu reunir, mas também porque investe em um tema que
infelizmente permanece atual, o caso de toda e qualquer violência contra a
mulher. A autora, inclusive, traz muitos dados que alarmam pelos crimes
sofridos por mulheres não só em nossa região, mas em todos os lugares. Entre os
altos índices de espancamentos, feminicídio, e abusos de toda ordem, a
violência sexual na infância é um dos mais abjetos e assustadores. O livro
sinaliza, assim, contra “incêndios futuros”, o que quase toda boa obra de cunho
historiográfico deve fazer.
Destaco no
livro-reportagem de Mariana a farta presença de documentos fotográficos e de
arquivo que fundamentam a sua pesquisa. Chamo a atenção também para a
participação de uma série de colaboradores que deram seu importante depoimento.
É o caso de Odilon Muncinelli, filho de Cícero Muncinelli, capitão da lancha
Santa Terezinha, cujos tripulantes encontraram o corpo da jovem assassinada,
avisando as autoridades na época. Tudo foi relatado no diário de bordo da
embarcação: “O livro foi recolhido como material de prova, mas jamais devolvido
e, até hoje, seu paradeiro é um grande mistério”. Mais um capítulo do
silenciamento que vimos apontando ao longo do texto. Como e por que esse
documento teria desaparecido do processo? Para Odilon, esse não foi um crime
perfeito, porque “a população da época sempre soube quem foram os
responsáveis”.
Creio que
Mariana Honesko Bortolini só não foi mais longe em sua pesquisa justamente
devido ao silenciamento que moveu o caso e porque muitas pistas foram ao longo
dos anos apagadas. O caso Zilda era para a “limpa e reluzente” sociedade local
uma nódoa que maculava uma parcela daqueles que supostamente zelavam por ela.
Mas como o recalcado está fadado a ressurgir como fantasma, o episódio não é
página virada e Mariana contribui para nos lembrar que nem sempre o que reluz é
ouro. Só o fato de não permitir que essa triste memória se apague já ajuda a
descansar esse fantasma. É uma forma também de tentar salvar outras Zildas. Que
Deus dê descanso a todas elas, mas não deixe de fazer justiça. O livro da
Santinha é muito bem-vindo por isso tudo!
Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória (PR), no dia 06 de abril de 2019
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