quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Canto e sangue negro de um branco




À memória dos ancestrais
Dos pais dos pais
De nossos pais
Ou melhor da mãe
Do pai de meu avô
Que é pai de meu pai
Negra e neta
De uma escrava
Ou melhor filha
Da filha de uma
Mulher escravizada
(Cujo nome meu avô
Diz ter infelizmente
Esquecido)
Trago comigo
Não na pele mas na alma
Um quinhão, o gosto ou a marca
Uma pequena parcela no sangue
Mas no ser extenso traço
Longa saga bem gravada
na complexa genética memória.
A dívida do meu lado branco
É assim um saldo que salga
A minha própria história
O canto da avó do meu avô
vem de longe e me cala
De alguma fazenda longínqua,
de algum lugar de Santa Catarina,
Corupá ou São Francisco,
de algum canto de alguma senzala,
Das entranhas de seu corpo
Brotam longe seu banzo e suspiro
Um misto da beleza
e da tragédia africana
Que hoje ainda perdura
E nos conclama, com desespero, ao grito!

c.moreira

Foto de Mateus Aleluia
Créditos da imagem: Vinícius Xavier

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