sábado, 16 de agosto de 2008

UMA CANÇÃO PARA CAYMMI
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Poderia fazer um tableau e nele guardar teus cabelos e tua voz.
Poderia pisar na areia, imaginar uma praia, todas as praias que guardam poemas, palmeiras, um passeio em Salvador.
Mas tudo o que dissesse talvez fosse apenas um eco, uma onda, memória de uma canção. Lembro de ver no filme de Leon Hirzman e Paulo César Saraceni tua conversa com Caetano, em Roma. Lembrava que a Bahia era a Roma negra – nada mais justo.

Nesse encontro, respondia carinhosamente a todas as perguntas: sim, foi também um dos mestres de Carmem; falava também de outras coisas, mas essas já são minhas lembranças e não tenho certeza se as vi no vídeo ou se imaginei. Talvez tua voz me encante por lembrar de longe a voz de meu avô quando cantava – ou era a voz de meu avô que me fazia lembrar a tua?

Poderia escrever um belo tableau. Mas não seria a mesma coisa. Prefiro imaginar uma canção. Um pescador, depois de encontrar Iemanjá, não mais precisará de um tableau. Será possível na escrita a expressão de um sentimento? Na tua canção, sim... na minha, não sei. Nos últimos dois anos, no momento em que fazia a barba – lembro-me bem, pois ainda a faço – colocava para tocar aquele disco de um show que fizeste com Vinícius e com o Quarteto em Cy, na década de 60, no Zum Zum.

Comprei o disco no Rio e, desde então, ouço-o compulsivamente. Foi coisa de Orixá não tê-lo perdido, como perdi o disco em que Caetano, na Itália, homenageia Fellini. No show do Zum Zum, você pediu para Vinícius declamar o Dia da Criação. Vinícius sorri e corresponde ao pedido do amigo. O poeta lembra o dia de uma bela pescaria em Salvador... uma boa pescaria é a celebração de uma amizade. Há um disco seu que não está mais comigo. Aquele em que, com a família, visita Tom. Linda interpretação em Das Rosas, acompanhado de um contra-baixo e do afinado coro dos filhos. Acho que um lance de dados pode mesmo abolir o acaso. Mallarmé poderia estar errado.

Mas o disco está em boas mãos – com um amigo que também ama tua voz. Faz tanto tempo que já não me lembro bem, mas parece que acompanhava Vadinho, em Noite Cheia de Estrelas, naquela serenata para a Dona Flor. Posso estar errado. Mas não importa se essa informação seja fruto da minha imaginação: estás na serenata imaginária...e eu, na casa da frente, espiando.


Caio Ricardo Bona Moreira

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