(cena de O homem com a câmera na mão, de Dziga Vertov)
Quando Susan Buch-Morss, no texto "A tela do cinema como prótese de percepção", fala do cinema como uma prótese de percepção, está se referindo ao “ato puro de ver” estudado por Husserl. O cinema protético, levando em conta o jogo inerente do simulacro, colocaria o elemento corpóreo em suspensão.
Quando Susan Buch-Morss, no texto "A tela do cinema como prótese de percepção", fala do cinema como uma prótese de percepção, está se referindo ao “ato puro de ver” estudado por Husserl. O cinema protético, levando em conta o jogo inerente do simulacro, colocaria o elemento corpóreo em suspensão.
A pesquisadora parte de algumas
palestras apresentadas por Edmund Husserl, em 1907, em Götting sobre “A Ideia
da Fenomenologia”. O objetivo principal das palestras era evidenciar um método
de cognição que, “enquanto mantivesse a análise 'imanente' aos conteúdos da
consciência, ainda podia chegar a um conhecimento 'absoluto' e 'universal'”.
A proposta básica de Husserl, que
por sua vez se tornaria uma das propostas da Fenomenologia ao longo do século
XX, era fazer conhecer o pensamento em sua forma pura, essencial no mundo da
experiência. A noção de “experiência”, um dos conceitos fundamentais da
Fenomenologia, foi comentada por Merleau-Ponty, em A Fenomenologia
da Percepção. O filósofo entende a fenomenologia como uma filosofia que
repõe as essências na existência, não acreditando que se possa compreender o
homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua “facticidade”.
Impossível estocar o conhecimento, impossível a própria possibilidade de conhecimento
antes da experiência. Talvez por isso Susan Buch-Morss tenha sugerido que para
termos uma visão precisa do objeto puro a que se refere Husserl melhor seria
abandonar o texto e ir ao cinema. A partir da experiência do cinema
entenderíamos o que Husserl queria dizer com o pensamento-absoluto
Buch-Morss encontra no cinema as
“reduções fenomenológicas” de Husserl. Tais “reduções” colocam entre parêntesis
os objetos do ato mental e o sujeito que os pensa. Tanto a proposta de Husserl,
quanto a de Susan Buch-Morss, pretende examinar esses objetos. Com isso, a
autora do texto não está querendo dizer que o cinema é algo imanente e que
questões sociais, históricas ou culturais não devem ser levadas em conta num
processo de análise. O que ela pretende mostrar é que a imagem do cinema é o
traço gravado de uma ausência. Logo, não seria mais relevante perguntar se as
imagens representadas no cinema seriam reais ou não: "O que conta é o simulacro, o
objeto não corpóreo por detrás. Na cognição protética do cinema, a diferença
entre documentário e ficção, portanto, é apagada. Claro que ainda “sabemos” que
são diferentes. Mas habitam a superfície da tela como equivalentes cognitivos.
Ambos o acontecimento real e o encenado estão ausentes".
O texto ainda nos apresenta um
paradoxo. Por um lado, a imagem do cinema é construída pelo diretor, pelo homem
que opera a câmera, pelo editor, o que faz com que seja possível uma
consciência intencional; por outro, os “pedaços” do filme podem ser percebidos
como algo “dado”, o que faz com que a verdade não seja intencional. Nesse
contexto, esse fato torna possível uma espécie de violência. Uma violência que
não diz respeito apenas à montagem que corta a realidade, mas à violência da
“própria percepção protética”.
Susan Buch-Morss fundamenta suas questões filosóficas
apresentando exemplos do cinema soviético e americano. Poderíamos concluir, com
base no argumento da autora, que em alguns filmes soviéticos do início do
século XX, por exemplo, a extensão do olhar por meio da prótese foi responsável
por fazer a “massa” perceber não apenas as cenas, os personagens, a sua
história, mas principalmente ver “(...) a ideia de unidade dos povos
revolucionários, a soberania coletiva das massas, a ideia de solidariedade
internacional, a própria ideia de revolução”. Eisenstein, parece ter conseguido produzir aquela arte revolucionária nos dois sentidos: estético e político. Dziga Vertov, com O homem com a câmera na mão, também. Neste, a prótese é explicitada na metáfora da lente que vê e filma, mostrando ao mesmo tempo que constitui um olhar. A cena é bárbara, ou seja, belamente estrangeira.
Susan Buch-Morss
Nenhum comentário:
Postar um comentário