sexta-feira, 28 de abril de 2017

A CRÍTICA LITERÁRIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX (alguns apontamentos)



Álvaro Lins

Flora Süssekind, no texto “Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica moderna”, presente no livro “Papéis Colados”, traça um panorama da crítica literária brasileira do século XX, do impressionismo que pautou um modelo crítico que tinha como veículo privilegiado o jornal ao modelo acadêmico, cujas formas de expressão dominantes seriam o livro e a cátedra. Nos anos 50, segundo Flora Süssekind, observa-se uma mudança de paradigma, em que uma crítica à moda antiga, figurada, por exemplo, pelos trabalhos de Álvaro Lins, cede espaço para uma “crítica especializada”, desencadeada pelo surgimento de faculdades e universidades que propiciaram a especialização dos estudos críticos. Nesse época, ampliam-se as áreas de domínio e o prestígio do crítico universitário. Daí o seu interesse em examinar as opções intelectuais de duas figuras verdadeiramente paradigmáticas no campo dos estudos da literatura brasileira: Afrânio Coutinho e Antonio Candido. O primeiro interessado em uma crítica estética e o segundo em uma crítica dialética, duas linhas de força que marcariam o pensamento crítico brasileiro subsequente.

Antonio Candido

Até os anos 50, o Brasil é marcado pela “crítica de rodapé”, ou seja, uma crítica ligada fundamentalmente à não-especialização. Ela era exercida no jornal e oscilava entre a crônica e o noticiário, pendendo muitas vezes para a eloquência ou para o impressionismo. Nesse modelo, aparecem figuras como Tristão de Ataíde, Otto Maria Carpeaux, Agripino Grieco, Mário de Andrade, Álvaro Lins, entre outros. Depois dos anos 50, intensifica-se um outro modelo crítico, interessado na especialização e na pesquisa acadêmica. Afrânio Coutinho e Antonio Candido são dois nomes que se destacam nessa segunda linhagem. Se nos anos 50, há um embate entre a perspectiva de Coutinho e Álvaro Lins, depois disso, mais especificamente a partir dos anos 60, passam a se delinear com mais clareza as diferenças no âmbito da própria crítica universitária. É o caso da querela entre Afrânio Coutinho e Antônio Candido.

Otto Maria Carpeaux

Flora Süssekind observa que a trajetória de Cândido e Coutinho lembra por vezes o conto “Duelo”, de Guimarães Rosa. Nele há um confronto esperável, mas, mesmo quando seguem trilhas próximas, os oponentes (Toríbio Todo e Cassiano Gomes) parecem deixar escapar sempre o encontro fatal. Mesmo tendo vários pontos de contato, como a formação universitária, a colaboração na imprensa diária e a carreira docente, vários foram os confrontos entre ambos. Afrânio interessou-se em pensar a supressão parcial da história e a afirmação de uma autonomia plena do literário. Ele discordava de uma crítica dominada pelos fatores extrínsecos que condicionam a gênese do fenômeno literário. E resgatando exemplos de figuras como Nestor Vitor, Tasso da Silveira, Andrade Muricy e Mário de Andrade, propunha então o privilégio de uma crítica estética. Ao método histórico deveria caber um lugar secundário, dada a própria natureza do fenômeno literário. Esse ponto de vista o filiava numa tradição próxima de Araripe Júnior e o distanciava da tradição de Sílvio Romero e José Verísimo. Não à toa, Afrânio Coutinho foi um dos grandes disseminadores do “new criticism” no Brasil dos anos 50 e 60. Para Candido, ao contrário, interessam as relações entre literatura e sociedade e uma crítica que trabalhe dialeticamente com tais relações. É o que materializa em um livro como “Literatura e Sociedade” (1965), em que discute a separação entre fatores externos e internos ao texto literário. Para Candido, trata-se de levar em conta o elemento social, não como referência para situar historicamente a obra, mas como fator da própria construção artística.  

Andrade Muricy 

Tasso da Silveira
    
No prefácio da segunda edição (1961) do livro Introdução ao "Método Crítico de Sílvio Romero" (1945), Antonio Candido observa que apesar dos erros cada vez mais apontados e de suas teorias cada vez mais superadas, Sílvio Romero permanecerá. O mesmo poderia ser dito sobre o próprio Antonio Candido. Por mais que os críticos encontrem problemas teóricos e metodológicos na sua obra, Candido continuará sendo referência para os estudos críticos e historiográficos da literatura brasileira.


Quando publicou, em 1959, a Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, Candido já tinha percorrido os caminhos da história da literatura, matéria de sua Introdução ao método crítico de Sílvio Romero, e de sua participação no capítulo “O escritor e o público”, no projeto idealizado por Afrânio Coutinho e intitulado A literatura no Brasil. O crítico já vinha trabalhando na revista Clima, no começo da década de 40, e nos jornais Folha de São Paulo, diário de São Paulo e Estado de São Paulo (cujo famoso Suplemento Literário ajudou a planejar e manter) nos anos 40 e 50, de que resultaram os estudos reunidos em Brigada Ligeira,de 1945, e O observador literário, de 1959. Mas o grande projeto literário do autor, que se caracteriza também como um projeto de Brasil, se encontra na obra seminal Formação da Literatura Brasileira, em que se consolida um método de leitura que acompanha a trajetória do crítico.

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