sexta-feira, 29 de julho de 2011

Literatura mediana ou crítica mediana?: “Então você quer ser crítico?” (Sobre o livro Então você quer ser escritor? e uma crítica)

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“Velai o rosto, ó cientistas da crítica!
– o bom crítico é... o artista da crítica"
Adolfo Casais Monteiro





Pergunto-me o que é pior, uma literatura mediana ou uma crítica mediana? Será possível circunscrevê-las em territórios estanques e seguros? Será possível ao crítico julgar uma literatura como mediana sem lambuzar os dedos, sem perceber que para julgá-la dessa maneira deve produzir uma crítica que não seja também mediana? O que estou querendo dizer é que uma crítica mediana pode ser tão censurável quanto uma literatura que é considerada como tal. Critiquemos a crítica, façamos literatura. Com isso não quero sugerir que uma é melhor do que a outra. Não se trata também de reiterar a tola cisão entre ambas, que é antiga e improdutiva. Trata-se de observar que se o crítico não se entusiasma com determinada obra, o leitor (quizás un crítico, mira, mira!) tem todo o direito de não se entusiasmar com uma crítica. Como leitor, defendo aqui, a título de piada, a disseminação de um novo gênero: a crítica da crítica. Ele não é novo, mas deveria ser mais valorizado por jornais e revistas, e não apenas pelos tratados acadêmicos. Críticos deveriam ser tão louvados ou execrados quantos os escritores que eles estão dispostos a analisar (julgar).

Depois de ler o mais recente livro de Miguel Sanches Neto, a reunião de contos “Então você quer ser escritor?”, deparei-me com uma crítica do livro produzida por Marcos Pasche, intitulada “Entre oito e oitenta” (Jornal Rascunho: maio de 2011). O crítico começa o seu texto observando que, diante de extremos - o “livro grandioso” ou o “péssimo” -, a tarefa da crítica ganha certo conforto. Para Pasche, seria muito mais fácil criticar as ótimas obras e as péssimas obras, do que as medianas. De início, estamos diante de um ponto problemático, já que o fenômeno literário não se entrega fácil aos charmes de um crítico-juiz, aquele que possui uma autoridade: “Esta obra é grandiosa”, “esta é péssima”. Reduzir a obra a um juízo de valor como esse é perigoso. Penso que a crítica exige um tipo de entrega que suplanta as meras noções de valor. Depois de ready-mades como o Urinol, de Duchamp – para citar o exemplo mais óbvio e um dos mais curiosos – o que fazer com as noções tradicionais de valor? Terá o crítico a mesma autoridade de um juiz do Tribunal da Santa Inquisição? Talvez, mas apenas no sentido de que esse juiz tenha a consciência de que os lugares do tribunal e suas vozes são intercambiáveis. Somos todos juízes (talvez a palavra não seja mais essa), réus, algozes, vítimas e testemunhas. Somos todos responsáveis pelo crime literário. Sem direito à fiança. Logo, essa zona de conforto, do crítico que julga sem lambuzar os dedos na lama, parece-me cada vez mais ineficaz. Walter Benjamin, em “Conceito de crítica de arte no romantismo alemão”, fez uma lúcida afirmação ao observar que com os românticos se estabeleceu de uma vez por todas a expressão “crítico de arte” em oposição à expressão mais antiga “juiz da arte”, evitando-se a representação de um tribunal constituído diante da obra de arte, “de um veredito fixado de antemão como lei escrita ou não escrita”.

Voltemos ao texto de Pasche. Ele escreve que os livros medianos são mais desconfortáveis para a crítica, precisamente “por se situarem numa terceira via, a qual, neste contexto, não costuma ser muito fértil, visto não ser tão curta a ponto de inviabilizar o trânsito, nem tão longa a desafiar o horizonte e nos impulsionar ao deslocamento”. Essa é a impressão que lhe causou o livro de Miguel Sanches Neto, “Então você quer ser escritor?”. Convém ressaltar que Pasche não deixa muito claro o motivo de considerar o livro como mediano, o que por si só bastaria para colocar seu texto no rol das críticas medianas. A justificativa mais convincente, porém ainda não satisfatória, advém do argumento: “O autor (Sanches Neto) nunca escreve de forma rasteira; não cede aos azulejos frios da abstração nem se embala pela chapa quente dos tiroteios neonaturalistas; também não decai na gozação banalizada que se acredita transgressora nem se confina na seriedade experimental refratária a qualquer espontaneidade. Tanto na prosa quanto no verso, o paranaense não se submete aos receituários da época, revelando um trabalho elaborado com idoneidade e autonomia. No entanto, mesmo a evitação dos vícios somada a essas virtudes não conferem às peças em questão maior expressividade”. Que idoneidade e autonomia é essa a que se refere Marcos Pasche? Não seriam suficientes? Que expressividade é essa que falta a Miguel Sanches Neto? Ficamos sem saber. O crítico, com esse argumento, pressupõe uma obra ideal, o que ela deveria ser em relação às outras obras, aos outros autores. Nota-se que o crítico parece se colocar em um lugar bastante seguro. Mas seria esse lugar suficiente? O analista contenta-se em julgar. O fato me faz lembrar de um livro quase esquecido de um intelectual também quase esquecido. Trata-se do estudo “Clareza e mistério da crítica”, de Adolfo Casais Monteiro. Em uma das passagens do belo livro, lemos que “a função da crítica não será pôr um rótulo definitivo em cada obra, em cada autor, mas atualizá-los permanentemente, conservá-los vivos, tirar deles o valor e o sentido que, por mais variável, se conserva permanentemente atual pelo seu poder de repercutir e reviver em nós, por muito diferentes que sejam as sucessivas interpretações”. Encanta-me a expressão usada por Casais Monteiro: “conservá-los vivos”. Se a boa crítica tem o poder de conservar vivos um autor e uma obra, isso se deve ao fato dela revestir-se de uma característica inquestionável: a capacidade de doar vida à literatura, dar força, devolver potência. Para que isso aconteça, a crítica deve lambuzar os dedos.



Nota-se que Casais Monteiro percebeu na década de 60 (o livro é de 1961) – momento que sofríamos com o excesso do Estruturalismo e da crítica marxista – que criação e crítica não são elementos opostos. Cito mais uma colocação: “(...) nada nos impede, essa é que é a verdade, de supor, também, que a crítica não está na dependência da obra anteriormente criada – mas que apenas a continua, a prolonga, e, assim, não se distingue dela por oposição”. Não sei se o autor dessas linhas era um leitor de Walter Benjamin, mas provavelmente leu com interesse os românticos alemães, e, convenhamos, aprendeu a lição.

Creio que uma crítica mediana pode ser pior do que àquela apaixonada, que execra ou acende uma vela à obra que está disposta a ler. Pasche, ao não exercitar a crítica apaixonante (ele escreve que “o estudioso inevitavelmente contamina seu juízo pela paixão” – ó inquisidor), abandona aquilo que Casais Monteiro considerou como algo fundamental para o exercício crítico: a paixão. Segundo ele, a paixão “não tem o significado de cegueira, nem de demência, mas indica precisamente aquela força comunicativa que se opõe ao frio raciocínio. O frio raciocínio nunca poderia levar um crítico a tomar partido, porque o caracteriza precisamente aquela presunção de objetividade à qual se deve por uma grande parte a má fama de que goza a crítica pelos seus repetidos malogros, e a freqüência com que prefere os autores de segunda (ou medianos, para aludir à expressão de Marcos Pasche), quando não de terceira ordem, os quais precisamente não perturbam o frio raciocínio, por isso mesmo que perturbar não é virtude sua”.

Em determinado momento, Pasche escreve que Miguel errou ao “não alicerçar sua forma narrativa sobre técnicas de composição que garantiriam ao conjunto maior densidade estética”. Forma narrativa? Densidade estética? O que é uma densidade estética? Os pressupostos do crítico estão intimamente ligados a uma linhagem modernista – autonômica - que pensava a literatura como forma e não como força. Em outra passagem, defende que, nos contos do livro, não há uma penetração aguçada no interior dos personagens, os quais, segundo Pasche, vivenciam “situações de grande tensão emotiva, as quais são relatadas com escassa tensão narrativa”. Pergunto-me se a tensão narrativa a que se refere o crítico não estaria nos pequenos detalhes que compõe os textos: na “coisa visguenta” que mancha o vestido da protagonista do conto “Sangue”; nas “árvores submersas” que dão nome a um dos textos (um dos mais bonitos do livro, por sinal); nos olhos do filho, que iluminam a narrativa de “Animal Nojento”; no misterioso personagem que é descrito em “Não comerás carne”, uma espécie de irmão pródigo; na vida que poderia ter sido e não foi, em “Duas Palavras”; na aventura e prazer que se convertem em asco, em “Redentor”; na vida que não é mais, em “O último abraço”. Outros pontos poderiam ser destacados. O livro, em sua heterogeneidade temática, parece guardar ainda elos, fios, redes subterrâneas. Penso que os contos guardam afinidades eletivas entre si. Não são secretas, mas tênues. Trata-se da vida que escorre, como aquela “coisa visguenta”, do conto. Estados estão em constante transformação nos contos de Miguel Sanches Neto. Não se trata de exigir deles grandes tensões narrativas, como quer Pasche, mas de perceber nessas pequenas transformações – na vida que escorre, que é e não é sempre a mesma – acidentes, acasos, desastres que transformam constantemente seus personagens, que são e não são todos nós.

Se eu me julgasse um juiz, certamente olharia para a crítica de Pasche, lembrando de Fellini, e daria a minha nota: entre oito e oitenta, 8,5.

c.moreira

domingo, 27 de março de 2011

ZOONA

ZOONA - encontro literário de Curitiba. Acontecerá
nos dias 15, 16 e 17 de abril. Durante três dias,
escritores e artistas da cidade e de outros lugares, com a intenção de
abrir um espaço simbólico que consiga festejar, refletir e mostrar
trabalhos criativos, apresentarão temas-provocações em debates de
mesa-redonda, poesia ao vivo, performances, lançamentos de livros e
mostra de video. APEGOS é apenas o começo de uma
série de atividades que comemorarão a obra e a vida dos
homenageados Wilson Bueno (1949-2010) e Valêncio Xavier (1933-2008).

terça-feira, 15 de março de 2011

Cineclube urtiga!

O Colegiado de Letras, da FAFIUV (Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória - PR) inaugurará o Cineclube Urtiga no próximo sábado (19/03/2011). O Cineclube é um projeto coordenado pelos professores Luisandro Mendes de Sousa e Caio Ricardo Bona Moreira. As sessões serão quinzenais e contarão, além da projeção de um filme previamente selecionado, com debates entre os participantes. As projeções ocorrerão normalmente no Salão Nobre da Instituição. Em caso de algum outro evento na Faculdade, será utilizada alguma sala de aula.

Visando cumprir o previsto no Projeto Polítco Pedagógico (PPP) do curso, o Colegiado de Letras promoverá durante o ano letivo de 2011 a exibição de diversos filmes, inseridos dentro de ciclos temáticos ou históricos. De acordo com o PPP do curso de Letras, é tarefa do curso promover atividades culturais que integrem a comunidade acadêmica com a população, visando a difusão dos bens culturais, tecnológicos e científicos. Um dos objetivos do cineclube é também ser uma alternativa ao cinema comercial convencional, educando o gosto da comunidade para outras formas de expressão cinematográfica, que de outra forma seriam inacessíveis ao público universitário e à comunidade em geral. Assim, esse tipo de atividade funciona como um incremento na formação cultural acadêmica, que nem sempre é possível de ser contemplada em sala de aula.


O cineclube exibirá no primeiro ciclo clássicos do cinema mudo. O segundo ciclo contemplará o documentário nacional. No segundo semestre os filmes serão de dois períodos do cinema europeu, a Nouvele Vague francesa, e o Neo-realismo italiano.

O primeiro ciclo exibirá no próximo dia 19 de março (sábado), às 17:00hrs, o filme "Limite" de Mário Peixoto. Lançado em 1931, e única produção do diretor, é um marco no cinema brasileiro, tanto por sua beleza, quanto por sua narrativa ousada, influenciada pelas vanguardas européias da época.
A entrada é franca e aberta a toda comunidade.  

Programação provisória:

- março/abril
Clássicos do cinema mudo
12/03 - Limite (Mário Peixoto, 1931)
26/03 - Homem com uma câmera na mão (Dziga Vertov, 1929)
09/04 - O gabinete do Dr. Caligari (Robert, Weine, 1920)
16/04 – Metrópolis (Fritz Lang, 1927)

- maio/junho

O documentário nacional
07/05 - Cabra marcado pra morrer (Eduardo Coutinho, 1984)
21/05 - O prisioneiro da grade de ferro (Paulo Sacramento, 2004)
04/06 - Ônibus 174 (José Padilha, 2002)
18/06 – Estamira (Marcos Prado, 2006)

- Agosto/setembro (datas a serem agendadas)

Nouvele Vague
- Acossado (Jean-Luc Godard, 1959)
- Os incompreendidos (François Truffaut, 1959)
- Band a part (Jean-Luc Godard, 1964)
- Hiroshima mon amour (Alan Resnais, 1959)

- Outubro/novembro (datas a serem agendadas)

Neo-realismo italiano
- Ladrões de bicicletas (Vitorio de Sica, 1948)
- Roma, cidade aberta (Roberto Rosselini, 1945)
- A aventura (Michelangelo Antonionni, 1960)
- A estrada da vida (Fellini, 1954)

terça-feira, 8 de março de 2011

amor de carnaval

Pierro, Arlequim e Colombina, óleo sobre tela - 78 x 65 cm- 1922 - Di Cavalcanti.
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Ela morava no Vice King. Ele no Cristo Rei. Eurídice trabalhava no comércio. Orfeu, de repositor, no mercado. Ela gostava de beijar e torcia para ser promovida. Orfeu gostava de palavras cruzadas e amava música. Nos finais de semana, tocava guitarra em uma banda gauchesca. E fazia segunda voz. Foi então que, em um baile de carnaval, conheceu Eurídice. Amaram-se no portão, depois no sofá e, por fim, na cama e no chão. Casaram-se. Passou um ano e ainda se amavam, alegres ma non troppo. Aristeu, o gerente, promoveu Eurídice. O casal comemorou na choperia. No entanto, Aristeu tinha segundas intenções. Queria amar Eurídice na cama e no chão. Eurídice amava Orfeu, mas desejava Aristeu. O outro carnaval chegou. Domingo, a jovem esperou Orfeu dormir. Escondida e fantasiada foi encontrar Aristeu no Clube. Alta madrugada, Orfeu acordou e encontrou o lado esquerdo da cama vazio. Ainda teve tempo de sentir os restos de um perfume ladino e sagaz que Eurídice, há meses, deixara de usar. Seguindo os eflúvios que atestavam a fuga momentânea e planejada da mulher amada, Orfeu invadiu o Clube, decidido a resgatar Eurídice daquele Inferno. Orfeu chegou ao trono de Hades. O deus dos mortos se enfureceu com a intromissão daquele que não comprara ingresso e nem era associado do distinto estabelecimento. Mas comoveu-se com a triste música de sua lira. E permitiu que Eurídice regressasse. No entanto, o jovem Orfeu não deveria olhar para ela, ou extrair sua máscara, até que nascesse a luz do sol. Caso contrário, Eurídice voltaria para o Inferno. Aristeu sai da história e Eurídice cai nos braços de Orfeu. Eu já disse que Eurídice amava Orfeu? Pois bem, saíram felizes pela cidade a caminho de casa. Orfeu, todavia, desrespeita a ordem de Hades e olha para Eurídice, que imediatamente é tragada definitivamente pelas profundezas do Inferno. O canto de lamento do jovem fez tremer a cidade e adjacências. Triste e desiludido, todos os anos Orfeu passa o carnaval bebendo, chorando, discutindo futebol e comendo batata temperada em um bar da cidade.

segunda-feira, 7 de março de 2011

é assim que deveria começar Metamorfose, de Kafka


Para Carmen, numa madrugada de Carnaval
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"Certa manhã, após um sono conturbado, Caio Moreira acordou e viu-se em sua cama transformado em um passarinho monstruoso. Com as asas abertas, cheias de penas, deparou-se com um pescoço negro e duas pernas finas, sobre as quais tentava, em vão, se equilibrar. Abriu o bico, abaixou a cabeça e enxergou seu ventre acinzentado, acentuadamente estufado, como o peito de uma pomba. Não, não era uma pomba. Era um pardal. O quarto transformara-se numa gaiola gigante. Ao seu redor, percebeu papéis, papéis e mais papéis, a que o vulgo chama Tese..."

domingo, 6 de março de 2011

a masturbação da crítica


Várias das críticas dirigidas ao Cisne Negro, de Darren Aronofsky, insistiram em “malhar” algumas cenas consideradas bizarras e grotescas, como a do nascimento de penas pretas nas costas da bailarina Nina, protagonizada pela linda Natalie Portman, e a da masturbação. Paulo Roberto Pires, na Bravo! (Fevereiro), argumentou que a obra mais recente de Aronofsky vai da tensão psicológica ao horror gótico e obtém um “resultado francamente cafona”. João Pereira Coutinho, no Caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo, escreveu que ao confundir a natureza da arte com a arte da masturbação, “tudo que resta de Cisne Negro é um ecrã viscoso e sujo. Como um lençol de adolescente”. Ambos destacaram a bela interpretação de Portman, mas lamentaram o resultado final.

Antes mesmo de assistir ao filme, achei estranha a opção dos dois críticos, colaboradores de dois veículos informativos de grande circulação nacional, em reiterar lugares comuns, não apenas do filme, mas da própria crítica: Isso é ruim, isso é bom. E o pior, a transformarem a crítica em uma sátira de mau gosto. Não estou defendendo aqui uma crítica bem comportada, aquela que acende uma vela para o objeto que se propõe analisar. Pelo contrário, creio que uma crítica deve fazer faísca, produzir uma energia capaz de transformar a própria arte que julga necessário criticar. Não estaríamos aqui distante do Princípio da Incerteza, tal como formulou Heisenberg, cientista alemão que descobriu que o observador influência com o seu olhar o comportamento das partículas observadas. Ao modificar a obra, o crítico pode modificar um filme, bem como a nossa percepção da própria realidade. Situar-se em um lugar “de fora” da arte, como se não fizesse parte dela,  é um erro inocente de uma crítica que se julga apta para condenar ou louvar. Não seria fortuito aqui observarmos que são também os críticos masturbadores de plantão.

João Pereira Coutinho parece que só assistiu a cena da masturbação. Foi infeliz. Paulo Roberto Pires chegou a afirmar que a tensão produzida pelo filme ficaria melhor em A Bruxa de Blair. Há exageros no filme, concordo. No entanto, não devemos esquecer que o bizarro e o grotesco apontados pelos críticos fazem parte da materialização da “paranóia” de Nina. Qualquer indício de transbordamento do copo cheio é sintoma de um mergulho profundo no horror vivido pela bailarina perfeccionista. Exigir coerência interna da obra é uma coisa, cobrar sanidade de um filme que coloca em "xeque" a sua própria razão é outra. Prantear o fato dela extrapolar no bizarro pode ser infrutífero, já que estamos na ordem de uma personagem que não nos garante nada mais do que restos de uma luta interior.

Penso que não devemos olhar o filme como quem vê uma alucinada, mas como quem, alucinado, assiste a um balé de horrores. Em outras palavras, devemos assisti-lo com olhos de Nina. Se olharmos com olhos de “fora” o filme parecerá uma versão barata de um suspense-terror B. E tudo será arranhões à Bebê de Rosemary e corredores escuros de Stephen King. Se olharmos de “dentro” (e haja psicanálise para isso!), com os olhos dos dedos de Nina, tocando fundo os pêlos pubianos de um Cisne Branco/Negro, outras coisas poderemos ver. Trata-se de um filme-música. Uma obra que insiste em marcar uma zona de indiscernibilidade entre vida e arte. E mais do que isso, entre a vida que se deve viver e a arte que insiste em nos apavorar. Aí, então, poderemos perceber a transformação gradual e trágica na qual Nina se vê envolvida. Não estamos diante de um capricho, dos exageros de um diretor de forte expressão. Uma artista como ela (a Bailarina) poderia muito bem romper a fina linha que separa verdade e ficção (linha que alguns insistem em desconsiderar). Se por um lado as linhas separam, por outro, unem. Perceber a sua rápida metamorfose, acompanhada da música – como se o filme fosse o próprio balé – nos ajuda a entender melhor o que está em jogo aqui: uma reflexão sobre o limite entre o palco e a vida. E os exageros aqui podem ser criticados – eu mesmo considerei algumas cenas bastante esdrúxulas (como aquela das pernas se quebrando ou a do hospital em que a ex-bailarina interpretada por Winona Ryder tem um acesso de fúria, ou terá sido mais uma dos delírios de Nina?). Mas não podemos esquecer que estamos diante de uma razão em frangalhos. Nina é engolida pelo próprio personagem. Julgar a loucura do diretor e da bailarina, considerando o filme simplesmente como algo cafona (o que é pouco para uma crítica séria) é colocar-se em um lugar seguro – um lugar pleno de razão e sentido – o que, diga-se de passagem, não deve ser o lugar da arte e nem da crítica. Critico logo sou, masturbo-me logo existo. Por que grande parte da crítica insiste tanto em dizer sempre as mesmas coisas, em buscar os mesmos resultados, em chegar em um acordo comum? Desconfio de unanimidades. Quero ler outras coisas sobre o mesmo filme. O registro do esperado - tudo o que não espero do cinema - tudo o que não quero ver em uma crítica. Entre a masturbação de Nina e a dos críticos, fico com Natalie Portman. Fico com a música de um largo Lago dos Cisnes e com a pesada impressão de que sobrou cafonice nos comentários.

c.moreira

quinta-feira, 3 de março de 2011

Poesia, ah, a poesia

Há algum tempo, a Kiara Domit, amiga e escritora, me convidou para uma entrevista para o JMAIS. Tratava-se de uma série especial sobre poetas da região do Vale do Iguaçu. Aceitei com prazer, mesmo não me considerando um poeta com P maiúsculo. Sou apenas um arteiro. Um matuto arteiro. Vaidade? Talvez. Creio que não. Se fosse para ficar famoso, com certeza, eu escolheria um outro caminho. Um caminho mais fácil e que rendesse trocados. Como diria Leminski (acho que ele dizia mais ou menos isso), para ganhar dinheiro seria mais fácil abrir uma banca e vender banana do que fazer poesia. Se é por vaidade, é a vaidade da palavra... (uma daquelas mulheres dengosas que insistem pelo cheiro em dizer: eu estou aqui) uma palavra apressada, que se faz aos trancos e barrancos, mas que sabe que dizer ainda é uma opção... esperar é bom, mas quem gosta de ficar na porta tantas horas esperando o filme começar? Talvez valesse a pena esperar mais um pouco. Talvez a pena nem valesse. No fim das contas uma palavra a mais não vale "nem um" vintém.
"Poeta é quem se considera". A maioria nem escreve... apenas lê. Talvez o poeta escreva apenas para dizer que está aqui. Não acredito em poetas que escrevem para si próprios. Pensar demais pode ser um ponto fraco. Não pensar também. Eu quero comunicar, nem que seja por meio de uma palavra oblíqua, dissimulada - expressiva - eu quero comunicar nem que seja por meio de uma anti-comunicação... POESIA. Lembro-me das palavras de Mario Perniola: "Se for verdade que a poesia é linguagem liberada, é, porém, da mesma forma verdade que essa liberação permanece impotente e separada, não porque produz o poema, mas porque se manifesta em um falar e em uma palavra distintos do falar e da palavra comuns: a poesia monopoliza o significado em uma sociedade na qual a economia monopoliza a realidade". É preciso dizer... mesmo errando. Como dizia o grande Sérgio Sampaio: "Um livro de poesia na gaveta não adianta nada / Lugar de poesia é na calçada / Lugar de quadro é na exposição / Lugar de música é no rádio".
Confiram também as outras entrevistas... a dos poetas Issak, Amós e Emili



quarta-feira, 2 de março de 2011

Até o dia em que o cão morreu...


Hoje, depois de ver um pequeno cão ser atropelado e morrer na minha frente, na rua Matos Costa, senti vontade de reler Até o dia em que o cão morreu, do Daniel Galera, livro que me impressionou muito mais do que o filme Marley e eu. Antes, porém, pensei em ligar para alguém... bombeiros, Coala, veterinário, alguém que assoprasse um pó mágico e fizesse aquele cachorro levantar, abanar o rabo, latir e continuar... Aproximei-me da criatura - sim, cachorros são criaturas - e não tive coragem de ampará-lo, tocá-lo, tirá-lo do meio da rua. O corpo morto, seja o de um homem, o de um pássaro ou o de um cachorro sempre me pareceu sagrado e abjeto. No fundo mesmo, é a minha morte que tenho medo de tocar no corpo de um outro. O problema sou eu e não o morto. Primeiro, foi a batida. Imaginei o choque de dois automóveis. Procurei a colisão e nada encontrei. Depois o forte latido de dor. Entendi. Tratava-se da morte. O bicho ainda encontrou forças instintivas - ou foram reflexos? - para levantar as patas traseiras. E, então, ele me olhou. Ou apenas imaginei que ele me via enquanto eu o olhava? Ele me olhou por pouco tempo. Seu corpo era magro mas bonito. Seu pêlo, branco acinzentado. Aos poucos a respiração foi cessando. E um senhor corajoso se aproximou. Olhou para mim: "Está morto". Puxou o corpo inerte pelas patas trazeiras até o canto da calçada. Instisti: "Será que não está vivo? Parece que respira. Talvez possamos ligar para alguém". O homem não esboçou reação alguma, o que não representou desumanidade alguma. Pelo contrário (foi ele quem tocou no animal e não eu). O homem afirmou o destino, a morte é apenas a morte, uma tautologia que não nos fornece solução. Talvez ele agisse da mesma forma se o acidente fosse com uma pessoa, o que não caracterizaria uma desumanidade, mas apenas conferiria mais humanidade à reação frente ao bicho.  Tudo resolvido. Morri junto com aquele cachorro. Quem escreve aqui é um morto. Um cadáver adiado que procria. Um leitor de Fernando Pessoa e um homem que não tem a mínima coragem de encarar e tocar um morto, e por metonímia, a morte. Para isso veio o cão, para a inutilidade de nascer, como o tucano morto que Drummond registrou em seu último poema. O motorista que o atropelou não parou o carro. É sempre isso que nos apavora. As rodas continuarem girando depois de nossa viagem. O mundo continuará depois, frio e cego como o morto que insiste em ignorar. Os carros continuarão trafegando, homens e mulheres funcionando regularmente, as flores do bem e do mal se abrindo, qual pernas de mulher lasciva. Isso é pior que morrer. Quem disse isso? Pois bem... no livro de Daniel Galera, o protagonista, em uma determinada passagem, descobre que seu cão está morrendo: "Fiquei olhando nos olhos do cachorro, tão de perto que conseguia ver minha própria imagem refletida na superfície do olho, depois de dois ou três minutos, a imagem foi sumindo, enquanto os globos oculares ressecavam". A relação entre o personagem e o cão, no livro de Galera, é linda, pois vai da companhia gratuita até a estimação recíproca. Para finalizar, quero dizer que é a nossa imagem que vemos nos olhos de um morto: a faccies hipocratica da morte - como viu o jovem personagem. Esse foi o dia em que o cão morreu: 02/03/2011. Perdoem o texto cafona e pouco elaborado. Não estou querendo fazer literatura aqui. Quem leu as entrelinhas, entendeu que falo também de mim e de você.

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Elegia a um tucano morto
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Carlos Drummond de Andrade
Ao Pedro
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O sacrifício da asa corta o voo
no verdor da floresta. Citadino
serás e mutilado,
caricatura de tucano
para a curiosidade de crianças
e a indiferença de adultos.
Sofrerás a agressão de aves vulgares
e morto quedarás
no chão de formigas e de trapos.
Eu te celebro em vão
como à festa colorida mas truncada
projeto da natureza interrompido
ao azar de peripécias e viagens
do Amazonas ao asfalto
da feira de animais.
Eu te registro, simplesmente,
no caderno de frustrações deste mundo
pois para isto vieste:
para a inutilidade de nascer.

terça-feira, 1 de março de 2011

ATLAS: como carregar o mundo nas costas?


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O panfleto político-cultural SOPRO, publicado pela editora Cultura e Barbárie, editada por Alexandre Nodari e Flávia Cera, apresentou em dezembro de 2010 a tradução (feita pelo próprio Nodari) de um interessante texto de Georges Didi-Huberman. Trata-se de uma apresentação da exposição "ATLAS: Como levar o mundo nas costas", em cartaz até março deste ano no Museu Reina Sofia, em Madri, Espanha. No texto, Didi-Huberman retoma a figura de Atlas que, segundo a mitologia grega, foi punido por tentar, junto com seu irmão Prometeu, enfrentar os Deuses do Olimpo com a finalidade de tomar deles o poder e dá-lo aos homens. Reza a lenda que Atlas foi obrigado a sustentar com seus ombros o peso da abóboda celeste inteira. O que lhe deu um conhecimento ao mesmo tempo fantástico e pavoroso. O fato fez surgir um paradoxo, a possibilidade do conhecimento e a impossibilidade de sua representação. Saber em excesso pode ser uma forma de sofrimento. É a Musa da Impossibilidade que nos fala Alberto Manguel, ao se referir ao ato da escrita. Heautontimonumeros, de Baudelaire... somos, ao mesmo tempo, carrascos e vítimas de nós mesmos. Outra imagem retomada por Didi-Huberman é o projeto magnífico Atlas Mnemosyne, de Aby Wargurg, uma grande mesa de montagem das imagens de nossa história. Aliás, Didi-Huberman é um dos grandes leitores de Warburg. Segundo o historiador da arte, a exposição rediscute de maneira criativa o procedimento de montagem do Atlas Mnemosyne, convidando-nos, por meio da desmontagem, a imaginar modelos alternativos de se conceber a história . Vale a pena conferir:

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Antologia do Vale do Iguaçu II

É com prazer que, depois de meses de trabalho intenso, nós do projeto Memórias Poéticas do Vale do Iguaçu, lançamos a segunda Antologia do Vale do Iguaçu, que dá continuidade ao trabalho idealizado pelos professores Francisco Filipak e Nelson Sicuro. A primeira antologia fora publicada em 1976. A segunda será lançada no dia 11 de Dezembro de 2010.
Segue o convite:
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Escritores que participam da segunda Antologia:

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Adriana Bueno de Oliveira
Affonso Reis Teixeira Filho
Aline Sonálio
Amasília Maciel Tentardini Benghi
Amós Ribeiro
Arlete Therezinha Bordin
Bernadete Chojnacki
Caio Moreira
Célio Reginaldo Calikoski
Celso Godoi
Cláudio Dutra
Claudionor Pereira de Azevedo
Dom Walter Michael Ebejer
Elisiane Gabrielle Domainski
Emerson Rogério de Oliveira
Emili de Albuquerque
Enéas Athanázio
Fernando Tokarski
Francisco Filipak (in memoriam)
Francisco José Rodrigues
Gilian Matzembacher Carraro (in memoriam)
Helena Klotz (in memoriam)
Irene Rucinski
Isaac Nilton Nogueira Neto
Ivahy Detlev Will
Ivan Vidal Portela
João Darcy Ruggeri
Jocely Lona Cleto
Júlia Pacholok Veiga e Souza
Juliana Cornehl
Juliane Aparecida Vladcovski
Kiara Domit
Leda Barcellos
Manoel Claro Alves Neto
Maria Catarina Schmitt Heiss
Natálio Zamo Vargas
Neide Barth Rosenscheg
Neli de Oliveira Melo Sicuro (in memoriam)
Odilon Muncinelli
Raíssa Moretto
Ribamar Bernardes
Sérgio Waldomiro Kuns
Sigismundo Gaias (Zico)
Siomara de Cássia Reis Teixeira
Sonia Luíza de Oliveira Cabral
Sueli de Souza Pinto
Sylvestre Marcon
Therezinha Thiel Moreira
Therezinha Leony Wolff
Ulisses Teixeira
Verônica Huryn (in memoriam)
Yeda Cordeiro Ramirez (in memoriam)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Semana Literária - SESC 2010



Este ano, o município de União da Vitória participa da Semana Literária do SESC, que acontece simultaneamente em várias cidades do Estado do Paraná. Em conjunto com a Feira do Livro, promovida pela Fundação de Cultura de União da Vitória, o evento contará com várias palestras e oficinas. A homenageada do ano é Raquel de Queiroz, que completa, em 2010, 100 anos.

Programação
Conferência de abertura
Leitura e Cotidiano – A formação do leitor
Escritor Sergio Luiz Gadini
Mediação de Nina Rosa Sá
Os livros, portanto, renascem com seus leitores _ e, a cada leitura, um livro é um livro diferente. A arte da leitura é solitária e o leitor é, de certo modo, co-autor do livro que lê. Nessa palestra de abertura, o palestrante irá rememorar sua experiência íntima com os livros. Uma experiência tão secreta que escapa às próprias palavras.
Dia 15/09 às 19h30
Local: Auditório da Fundação de Cultura
Público: Comerciários, Professores, Estudantes.

Conferência de homenagem à escritora Raquel de Queiroz
Escritora Assionara Souza
Mediação de Caio Ricardo Bona Moreira
Em 17 de novembro de 2010 se comemora o centenário de nascimento de Rachel de Queiroz. Romancista, dramaturga, cronista, tradutora e jornalista, Rachel foi uma mulher vibrante, para quem a vida sempre foi mais importante que a literatura. Posição que se reflete, de modo veemente, em seus livros. Essa postura independente e libertária, porém, não impediu que, em 1977, ela se tornasse a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras.
Dia 16/ 09 às 19h30
Local: Auditório da Fundação de Cultura
Público: Comerciários, Professores, Estudantes.

 
Oficina: Como incentivar a leitura
Ministrante: Ana Lúcia de Mattos Santa Isabel
O que podemos fazer para aproximar os jovens dos livros? Que tipos de idéias, de propostas, de exercícios podem facilitar esse encontro? Que obstáculos somos obrigados a enfrentar e como devemos enfrentá-los? É possível despertar a paixão pela leitura? De que modo a leitura pode se aproximar do mundo cotidiano e da vida? De que modo ela pode interferir e alterar a relação que temos com a realidade e com as coisas? Como pode nos ajudar a interpretar o mundo em que vivemos?
Dia 16/09 das 8h às 12h e 13h às 17h30
Local: Núcleo do Sesc de União da Vitória
Público: Educadores
Oficina: A Tecnologia vai à escola
Ministrante: Edna Satiko Trebien

De que modo à tecnologia pode ser usada para aproximar os jovens da leitura e dos livros? A paixão dos jovens pela internet deve ser considerada um estímulo, ou ao contrário um obstáculo, à leitura? Como usar as novas ferramentas tecnológicas a favor da difusão da leitura? De que maneira as novidades tecnológicas pode aproximar os livros e a leitura do mundo e da vida real? Idéias, leituras, debates e exercícios ajudarão os participantes a refletir sobre o tema e a tirar nos proveitos dos avanços tecnológicos em seu dia a dia profissional.
Dia 17/09 das 8h às 12h e 13h às 17h30
Local: Núcleo do Sesc de União da Vitória
Público: Educadores

domingo, 8 de agosto de 2010

Escravidão, Mestiçagens, Populações e Identidades Culturais



Autores


Caio Ricardo B. Moreira, Carlos Alberto M. de Lima, Douglas C. Libby, Eduardo F. Paiva, Ilton C. Martins, Isnara P. Ivo, José Newton Meneses, Maciel H. Silva, Marca Amantino, Paulo Roberto Staudt Moreira, Rafael C. Scheffer, Rangel Cerceau, Vinícius M. Cardoso.

As abordagens teórico-metodológicas são variadas, assim como é diverso o universo das fontes e dos temas enfocados pelos autores. No geral, entretanto, são textos nos quais se estudam a escravidão negra e a indígena; o trânsito de culturas africanas nas Américas; as dinâmicas históricas das mestiçagens biológicas e culturais; o mundo dos alforriados e os aspectos econômicos da sociedade brasileira durante o período colonial e o Império. O Brasil é, naturalmente, o foco principal dos textos, mas as comparações e as conexões estabelecidas o colocam, em vários momentos, relacionado a outras sociedades, marcadamente as da América espanhola, da Europa e da África, assim como se procedeu a comparações entre as distintas áreas internas brasileiras. (Da Apresentação).

O livro organizado por Eduardo França Paiva, Isnara Pereira Ivo e Ilton Cesar Martins
(Annablume/PPGH-UFMG, Coleção Olhares) será lançado:
Dia 11 de agosto de 2010, quarta-feira, das 19h às 22h.
Rua Fernandes Tourinho, 274 - Savassi - Belo Horizonte - MG

Dossiê Simpósio de Fotografia e Cultura Visual – Arquivo e Imagem

Revista Crítica Cultural - Dossiê Simpósio de Fotografia e Cultura Visual – Arquivo e Imagem

http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0402/00.htm

Edição Especial

Dossiê Simpósio de Fotografia e Cultura Visual – Arquivo e Imagem

8. ¿Verdad o belleza? Pintura, fotografía, memoria, historia
Truth or beauty? Painting, photography, memory, history
Laura Malosetti Costa (UNSAM-CONICET)

9. A repetição diferente: Aspectos da arte no Brasil, entre os séculos XX e XIX
Different repetition: Aspects of art in Brazil of the XXth and XIXth centuries
Tadeu Chiarelli (USP)

10. Diante da perda do arquivo: reinvenções e narrativas da memória
Facing the loss of archive
Maria Ivone dos Santos (UFRGS)

11. Mal de Arquivo: a dinâmica do arquivo na Arte Contemporânea
Archive fever: the archive dynamics in contemporary art
Silvana Macêdo (UDESC)

12. No Campo das semelhanças deslocadas e das proximidades empáticas
In the field of dislocated similarities and empathic proximitie
Rosângela Cherem (UDESC)

13. Como a fotografia contemporânea pensa a memória?
How does contemporary photography think memory?
Ana Emília Jung (Universidade Tuiuti)

14. Instantâneos móveis
Mobile stills
Luiz Felipe Soares (UFSC)

15. Poesia modernista. Gestos de ar e de pedra
Modernist poetry. Gestures of air and of stone
Susana Scramim (UFSC-CNPq)

16. Joaquim Cardozo e Pancetti, àguas sem dono
Joaquim Cardozo and Pancetti, waters without owner
Manoel Ricardo de Lima (CNPq-UFSC)

17. Belmiro de Almeida e o realismo: da glosa ao encanto da proximidade
Belmiro de Almeida and realism. From the gloss to the enchantment of proximity
Antonio Carlos Santos (UNISUL)

18. A fotografia como poesia e a poesia como fotografia. Sobre Arthur Omar e Arturo Carrera
Photography as poetry and poetry as photography. On Arthur Omar and Arturo Carrera
Jorge Wolff (UNISUL)

19. A memória dos gestos na poesia simbolista de Dario Vellozo
The Memory of Gestures in the Symbolist Poetry of Dario Velozzo
Caio Ricardo Bona Moreira (UFSC)

20. Espantalho ou a linguagem vertical
Scarecrow or the vertical language
Cristiano Moreira (UFSC)

21. Refabular a história a partir de restos
Re-fable history from ruins
Alexandra Espíndola (UNISUL)

22. A fotografia e o livro como lugares para a ação: projeto espaços
Photography and book as places for action: spaces project
Márcia Regina Pereira de Sousa (UDESC)

23. Recordatórios: Notas sobre memória e fotografia
Reminders – notes on memory and photography
Daniela Martorano Vieira (Universidad de Granada)

24. Um território improvável para um improvável grupo – Ações em torno de um espaço
An improbable territory for an improbable group. Actions around a space
Juliana Crispe (UDESC)

25. Cartografia do meio
Cartography of the middle
Cláudia Zimmer (UDESC)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

FOFOCAS DA NOVELA DALTON TREVISAN

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Na página 54, do livro Duzentos Ladrões, editado em 2008 pela L&PM, o contista curitibano Dalton Trevisan apresenta um poema intitulado "Hiena Papuda". Pelo que fiquei sabendo, o texto é dirigido veladamente ao crítico e escritor Miguel Sanches Neto. Depois da publicação de Chá das Cinco com o Vampiro, a Hiena Papuda faz mais sentido. Entre outras provocações, a tal hiena é tratada como “traveca de araponga louca”, “chorrilho merdoso”, “delator premiado”, “Judas” e “filho adotivo espiritual de Caim”. Dalton descasca o verbo e a banana ao ex-amigo. Reza a lenda que o livro de Miguel já estava pronto há vários anos. O escritor hesitou em publicá-lo até que uma cópia caiu nas mãos do velhinho-vampiro por meio de um amigo de Miguel que insistira em ler os originais. Todos um pouco traidores. A partir daí os acontecimentos se turvam como a própria lenda de Nosferatu, o vampiro que mora no Alto da Glória da capital paranaense. Segundo comentários, Dalton teria enviado cópias do livro para algumas editoras com o intuito de coibir a sua publicação, o que de fato aconteceu. Até que a editora Objetiva tomou partido de Miguel e lançou. Em entrevistas, Miguel comenta que não iria lançá-lo, mas as provocações de Dalton foram tantas que ele mudou de idéia. A partir daí várias discussões interessantes começaram a serem tecidas dentro das “rodinhas” literárias, dos “clubinhos do Bolinha”. Seria o livro uma espécie de biografia não autorizada de Dalton? Teria Miguel Sanches Neto sido leviano ao publicá-lo? Aonde termina o real e começa a ficção? Miguel estaria se aproveitando do fato de ter participado do convívio de um dos maiores contistas vivos do mundo? Muitos críticos aproveitaram a situação para tecer comentários sobre o tema principal do livro, que envolve um dos “silêncios mais ruidosos” da literatura brasileira, Trevisan. O fato já rendeu variadas reportagens. No entanto, poucos críticos se debruçaram efetivamente sobre a obra, o que demonstra que não só escritores e leitores estão interessados em fofocas, mas principalmente os críticos. Assim, o que fica sugerido é que grande parte dos críticos que comentaram Chá das cinco com o vampiro estão mais interessados na polêmica do que em literatura. Claro, o livro está repleto de fofocas, mas creio que não é só isso. É possível lê-lo como literatura, uma boa literatura, diga-se de passagem. Abro um parêntese aqui e confesso: Apesar de apreciar os romances de Miguel, comprei Chá das Cinco com o Vampiro mais interessado em ler fofocas. Também gosto delas.
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(A capa faz lembrar a arte gráfica da literatura de vampiros, onda no Brasil e no mundo)

Maurício Melo Júnior, no artigo "Vaidade Revelada" (Jornal Rascunho – Ed. 123), discute dois pressupostos “bem modernos” (o que me parece questionável) sobre os quais o romance se dimensiona. O primeiro é a reflexão sobre a vaidade e o segundo é a reflexão sobre a condição que envolve os grupos familiares. É claro que essas questões são bem exploradas na narrativa, mas me pergunto se seriam necessariamente "bem modernos"? Creio que a força da narrativa não se encontra especificamente na temática, nos pressupostos a que se refere Maurício Melo Júnior, mas na maneira como o escritor opera o enredo, ao conseguir manter duas narrativas paralelas funcionando com desenvoltura. A primeira envolvendo o relacionamento do crítico Beto Nunes com o escritor-vampiro Geraldo Trentini e a segunda reconstituindo a adolescência de Beto na pequena cidade de Peabirú, no interior do Paraná. Lá, ele leva uma vida conflituosa com o pai, que não se interessa pelos gostos intelectuais do filho. A mãe tenta criar o filho com amor, mas, por outro lado, é submissa ao marido, um apaixonado por álcool e futebol. A salvação do menino é Ester que, além de sua tia é também uma espécie de paixão da adolescência. Essa personagem é responsável por despertar a paixão pela literatura em Beto e também por influenciá-lo decisivamente na sua partida para a capital. Lá, o jovem conhecerá Geraldo Trentini e frequentará círculos literários – que mais tarde lhe parecerão medíocres e enfadonhos. Alguns críticos apresentam o núcleo de Peabirú e mais especificamente a figura de Tia Ester como o eixo principal da obra. Discordo. O fio do rio de Beto são os encontros com o escritor Trentini, daí o título do livro. Todavia, não devemos esquecer que as duas narrativas se entrelaçam e exercem papéis complementares. Peabirú como sintoma do universo interiorano e atrasado. Curitiba como sinônimo de uma civilização cosmopolita. Isso pelo menos até um determinando momento, quando o jovem percebe que a cidade não é tudo aquilo que parece. Não é à toa que o livro termine com a volta de Beto à cidade natal. Esses dois movimentos, um centrípeto e outro centrífugo foram muito bem planejados pelo autor que, em uma entrevista ao blog da livraria Osório explicou: “Cada livro exige uma estrutura. Não dá para repetir sempre a mesma forma de narrar. Tento buscar um novo formato a cada romance, e este precisava de uma estrutura dupla, pois coloca em oposição o mundo interiorano e o da grande cidade, o jovem rebelde e o mestre arraigado na força de sua notoriedade, o passado e o presente. Ao construir o romance alternando tempos e espaços, eu acredito ter dado mais agilidade à narrativa, permitindo alguns choques. Ao passar de um capítulo para outro, o leitor sente a sensação brusca de sair de um lugar aquecido para o vento frio de inverno. O livro vai montando um quebra-cabeça narrativo. Fiz plantas-baixas para este livro, com cada cena bem definida.” Algo parecido já tinha sido feito no livro anterior, A primeira mulher, sobre o qual escrevi um post no ano passado.
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Um dado curioso é que o escritor não faz questão de criar quebra-cabeça ou segredos em relação às personagens. Todas são apresentadas e facilmente identificadas com as pessoas que fazem ou fizeram parte do convívio de Miguel em Curitiba. Geraldo com a inicial G, de Gerson, primeiro nome de Dalton. Trentini com a inicial T, de Trevisan. Valter Marcondes: Wilson Martins. Akel: Jamil Snege. Valério Chaves: Valêncio Xavier. Uílcon Branco: Wilson Bueno. E por aí vai. Para variar, Valter Marcondes é praticamente endeusado por Beto, o que é endossado na "vida real" por Miguel, que vê em Wilson Martins um dos maiores críticos da história do Brasil. Beto, discípulo de Valter. Miguel, de Wilson Martins. Valério Chaves é descrito como um senhor interesseiro e gago que se veste de maneira extravagante e que não se furta de louvar a própria fama. Uilcon Branco é apresentado como um escritor de péssima qualidade e adepto de práticas suspeitas como o hábito de freqüentar saunas gays. Por ironia do destino, ou mesmo da tristeza, foi esse o caminho que levou Wilson Bueno à morte. Creio que Miguel tenha exagerado na dose ao produzir um humor negro e ácido em relação ao grande escritor Wilson Bueno. Mas não devemos cair no extremo oposto, pois apesar de tudo, o domínio da obra é o da ficção. Como podemos ler na última página: “Este livro é uma obra de ficção e seus personagens são seres construídos para atender à verossimilhança da obra. O autor não emite, portanto, opinião sobre as pessoas nem sobre os episódios da vida real”. Engraçado, não? Miguel se escondendo atrás do toco? Creio que não. A maioria dos livros traz esse tipo de alerta. Não devemos cair armadilha de ler o livro como se fosse um relato das relações de Miguel com Trevisan e outros escritores, e sim da relação entre Beto e Geraldo Trentini. No blog que criou para o livro, o escritor defende: "Tudo que a linguagem ficcional toca se transforma em matéria de ficção. Caso contrário, o próprio Dalton teria que ser acusado de satirizar pessoas reais, que se identificam em sua obra cáustica".
Claro, já disse e repito. No fundo, no fundo, comprei o livro porque gosto também de fofoca. Há verdades? Sim. Mas nenhuma que mereça ser levada tão a sério, pois literatura é literatura. A consciência do crítico deve estar tranqüila. O livro é consistente? Minha resposta não importa, mas tenho certeza que sim. Miguel é um escritor que me agrada. Creio que seja um dos principais na prosa do presente. Mas não esqueçamos. Se o livro é sobre a vaidade, tal vaidade é também a de Miguel (ele imaginava a polêmica que causaria) e não apenas dos escritores "inventados" por ele. As provocações no livro são óbvias, mas menos importantes do que a ficção. Se o livro é "moderno", ou responde às questões que legitimam uma obra como pertencente à literatura contemporânea, a despeito do fato de ser escrita nos dias de hoje, é muito mais por produzir uma narrativa que enfoca a sensação de "falta de lugar", de "não pertencimento" do narrador no ambiente em que vive - o que segundo a orelha do livro pode "significar a ruína de um homem mas também a sua redenção" - do que necessariamente o interesse pela vaidade, o que escritores de várias épocas fizeram muito bem.  
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C.MOREIRA

terça-feira, 20 de abril de 2010

Margarida (da série Flores)

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Vez e outra meu avô plantava uma flor e colhia uma poesia. A margarida é poeta e nem sabe. Sua fala, uma arte: elabora pausas, metrifica os horizontes e deixa todo mundo curioso. Não sabe escrever, mas vai longe. Tão fácil escondê-la num labirinto botânico, botá-la no bolso, ou desidratá-la em um livro. Mas não te quero peça de museu nem adereço na lapela. Imagino-te assim, livre e desimpedida, sem prazo de validade, descontada das dívidas do amor. No máximo descascá-la numa séria brincadeira de bem me quer e mal me quer. Dessa maneira, poderei te ler em braille, dedos, toque e coração. No quintal do meu avô, quem manda mesmo é a margarida. Enquanto as formigas vão inventando sua própria sintaxe e os pardais vão tecendo um inusitado idioma repleto de variações lingüísticas, a flor canta Fellings e cava a tarde sem fazer alarde, esperando o príncipe que nunca vem.
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c.moreira