terça-feira, 6 de abril de 2010

Tulipa (da série Flores)

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Tua flor predileta. Como não cantá-la? Qual troféu natural, campanulada e solitária, a tulipa encanta. Como se o corpo, apontando para cima e aspirando a tocar as estrelas, saudasse o céu. Bolbo tunicado, pedúnculos, braços finos e pernas delicadas, desfila pelo jardim qual modelo magra e marota. Sem origem específica e ascendência precisa, da família das liliáceas, essa guardiã do jardim não tem começo, meio ou fim. Suas folhas oblongas, ovais ou lanceoladas revestem uma haste ereta, em cujo centro talvez morasse uma deusa grega ou um periquito que me dissesse “teu olhar é só meu”. Como uma mulher, dona de cem espécies, a tulipa não hesita em forjar mil máscaras. Sou todas, sou nenhuma. Ninguém desconfiaria que algumas delas seriam por demais venenosas, causando a morte do beija-flor, da abelha, do namorado, hipnotizado por seu fulgor.
Pensei que fosse fácil namorá-la no verão. Ledo engano. Aprendeu a guardar seu charme, uma espécie de chama, fogo e paixão, só para dias de frio, casaco e cobertor. Por baixo da coberta é que a flor desabrocha fazendo o pássaro cantar, enquanto venta lá fora. E se sugere por trás de um suposto turbante a ausência de qualquer perfume, mais um engano. Tua discrição esconde todos os cheiros que há neste mundo. Mas as palavras também não têm cheiro. Melhor abandonar as frases e ficar só com as tulipas.
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c.moreira

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