quarta-feira, 28 de julho de 2010

FOFOCAS DA NOVELA DALTON TREVISAN

.
,
Na página 54, do livro Duzentos Ladrões, editado em 2008 pela L&PM, o contista curitibano Dalton Trevisan apresenta um poema intitulado "Hiena Papuda". Pelo que fiquei sabendo, o texto é dirigido veladamente ao crítico e escritor Miguel Sanches Neto. Depois da publicação de Chá das Cinco com o Vampiro, a Hiena Papuda faz mais sentido. Entre outras provocações, a tal hiena é tratada como “traveca de araponga louca”, “chorrilho merdoso”, “delator premiado”, “Judas” e “filho adotivo espiritual de Caim”. Dalton descasca o verbo e a banana ao ex-amigo. Reza a lenda que o livro de Miguel já estava pronto há vários anos. O escritor hesitou em publicá-lo até que uma cópia caiu nas mãos do velhinho-vampiro por meio de um amigo de Miguel que insistira em ler os originais. Todos um pouco traidores. A partir daí os acontecimentos se turvam como a própria lenda de Nosferatu, o vampiro que mora no Alto da Glória da capital paranaense. Segundo comentários, Dalton teria enviado cópias do livro para algumas editoras com o intuito de coibir a sua publicação, o que de fato aconteceu. Até que a editora Objetiva tomou partido de Miguel e lançou. Em entrevistas, Miguel comenta que não iria lançá-lo, mas as provocações de Dalton foram tantas que ele mudou de idéia. A partir daí várias discussões interessantes começaram a serem tecidas dentro das “rodinhas” literárias, dos “clubinhos do Bolinha”. Seria o livro uma espécie de biografia não autorizada de Dalton? Teria Miguel Sanches Neto sido leviano ao publicá-lo? Aonde termina o real e começa a ficção? Miguel estaria se aproveitando do fato de ter participado do convívio de um dos maiores contistas vivos do mundo? Muitos críticos aproveitaram a situação para tecer comentários sobre o tema principal do livro, que envolve um dos “silêncios mais ruidosos” da literatura brasileira, Trevisan. O fato já rendeu variadas reportagens. No entanto, poucos críticos se debruçaram efetivamente sobre a obra, o que demonstra que não só escritores e leitores estão interessados em fofocas, mas principalmente os críticos. Assim, o que fica sugerido é que grande parte dos críticos que comentaram Chá das cinco com o vampiro estão mais interessados na polêmica do que em literatura. Claro, o livro está repleto de fofocas, mas creio que não é só isso. É possível lê-lo como literatura, uma boa literatura, diga-se de passagem. Abro um parêntese aqui e confesso: Apesar de apreciar os romances de Miguel, comprei Chá das Cinco com o Vampiro mais interessado em ler fofocas. Também gosto delas.
.
(A capa faz lembrar a arte gráfica da literatura de vampiros, onda no Brasil e no mundo)

Maurício Melo Júnior, no artigo "Vaidade Revelada" (Jornal Rascunho – Ed. 123), discute dois pressupostos “bem modernos” (o que me parece questionável) sobre os quais o romance se dimensiona. O primeiro é a reflexão sobre a vaidade e o segundo é a reflexão sobre a condição que envolve os grupos familiares. É claro que essas questões são bem exploradas na narrativa, mas me pergunto se seriam necessariamente "bem modernos"? Creio que a força da narrativa não se encontra especificamente na temática, nos pressupostos a que se refere Maurício Melo Júnior, mas na maneira como o escritor opera o enredo, ao conseguir manter duas narrativas paralelas funcionando com desenvoltura. A primeira envolvendo o relacionamento do crítico Beto Nunes com o escritor-vampiro Geraldo Trentini e a segunda reconstituindo a adolescência de Beto na pequena cidade de Peabirú, no interior do Paraná. Lá, ele leva uma vida conflituosa com o pai, que não se interessa pelos gostos intelectuais do filho. A mãe tenta criar o filho com amor, mas, por outro lado, é submissa ao marido, um apaixonado por álcool e futebol. A salvação do menino é Ester que, além de sua tia é também uma espécie de paixão da adolescência. Essa personagem é responsável por despertar a paixão pela literatura em Beto e também por influenciá-lo decisivamente na sua partida para a capital. Lá, o jovem conhecerá Geraldo Trentini e frequentará círculos literários – que mais tarde lhe parecerão medíocres e enfadonhos. Alguns críticos apresentam o núcleo de Peabirú e mais especificamente a figura de Tia Ester como o eixo principal da obra. Discordo. O fio do rio de Beto são os encontros com o escritor Trentini, daí o título do livro. Todavia, não devemos esquecer que as duas narrativas se entrelaçam e exercem papéis complementares. Peabirú como sintoma do universo interiorano e atrasado. Curitiba como sinônimo de uma civilização cosmopolita. Isso pelo menos até um determinando momento, quando o jovem percebe que a cidade não é tudo aquilo que parece. Não é à toa que o livro termine com a volta de Beto à cidade natal. Esses dois movimentos, um centrípeto e outro centrífugo foram muito bem planejados pelo autor que, em uma entrevista ao blog da livraria Osório explicou: “Cada livro exige uma estrutura. Não dá para repetir sempre a mesma forma de narrar. Tento buscar um novo formato a cada romance, e este precisava de uma estrutura dupla, pois coloca em oposição o mundo interiorano e o da grande cidade, o jovem rebelde e o mestre arraigado na força de sua notoriedade, o passado e o presente. Ao construir o romance alternando tempos e espaços, eu acredito ter dado mais agilidade à narrativa, permitindo alguns choques. Ao passar de um capítulo para outro, o leitor sente a sensação brusca de sair de um lugar aquecido para o vento frio de inverno. O livro vai montando um quebra-cabeça narrativo. Fiz plantas-baixas para este livro, com cada cena bem definida.” Algo parecido já tinha sido feito no livro anterior, A primeira mulher, sobre o qual escrevi um post no ano passado.
.

Um dado curioso é que o escritor não faz questão de criar quebra-cabeça ou segredos em relação às personagens. Todas são apresentadas e facilmente identificadas com as pessoas que fazem ou fizeram parte do convívio de Miguel em Curitiba. Geraldo com a inicial G, de Gerson, primeiro nome de Dalton. Trentini com a inicial T, de Trevisan. Valter Marcondes: Wilson Martins. Akel: Jamil Snege. Valério Chaves: Valêncio Xavier. Uílcon Branco: Wilson Bueno. E por aí vai. Para variar, Valter Marcondes é praticamente endeusado por Beto, o que é endossado na "vida real" por Miguel, que vê em Wilson Martins um dos maiores críticos da história do Brasil. Beto, discípulo de Valter. Miguel, de Wilson Martins. Valério Chaves é descrito como um senhor interesseiro e gago que se veste de maneira extravagante e que não se furta de louvar a própria fama. Uilcon Branco é apresentado como um escritor de péssima qualidade e adepto de práticas suspeitas como o hábito de freqüentar saunas gays. Por ironia do destino, ou mesmo da tristeza, foi esse o caminho que levou Wilson Bueno à morte. Creio que Miguel tenha exagerado na dose ao produzir um humor negro e ácido em relação ao grande escritor Wilson Bueno. Mas não devemos cair no extremo oposto, pois apesar de tudo, o domínio da obra é o da ficção. Como podemos ler na última página: “Este livro é uma obra de ficção e seus personagens são seres construídos para atender à verossimilhança da obra. O autor não emite, portanto, opinião sobre as pessoas nem sobre os episódios da vida real”. Engraçado, não? Miguel se escondendo atrás do toco? Creio que não. A maioria dos livros traz esse tipo de alerta. Não devemos cair armadilha de ler o livro como se fosse um relato das relações de Miguel com Trevisan e outros escritores, e sim da relação entre Beto e Geraldo Trentini. No blog que criou para o livro, o escritor defende: "Tudo que a linguagem ficcional toca se transforma em matéria de ficção. Caso contrário, o próprio Dalton teria que ser acusado de satirizar pessoas reais, que se identificam em sua obra cáustica".
Claro, já disse e repito. No fundo, no fundo, comprei o livro porque gosto também de fofoca. Há verdades? Sim. Mas nenhuma que mereça ser levada tão a sério, pois literatura é literatura. A consciência do crítico deve estar tranqüila. O livro é consistente? Minha resposta não importa, mas tenho certeza que sim. Miguel é um escritor que me agrada. Creio que seja um dos principais na prosa do presente. Mas não esqueçamos. Se o livro é sobre a vaidade, tal vaidade é também a de Miguel (ele imaginava a polêmica que causaria) e não apenas dos escritores "inventados" por ele. As provocações no livro são óbvias, mas menos importantes do que a ficção. Se o livro é "moderno", ou responde às questões que legitimam uma obra como pertencente à literatura contemporânea, a despeito do fato de ser escrita nos dias de hoje, é muito mais por produzir uma narrativa que enfoca a sensação de "falta de lugar", de "não pertencimento" do narrador no ambiente em que vive - o que segundo a orelha do livro pode "significar a ruína de um homem mas também a sua redenção" - do que necessariamente o interesse pela vaidade, o que escritores de várias épocas fizeram muito bem.  
.
C.MOREIRA

2 comentários:

Henrique Wagner disse...

Você é curitibano? Porque dizer que Dalton é um dos maiores contistas do mundo ou é falta de leitura, ou bairrismo, ou ainda daltonismo mesmo... Dalton escreveu alguns contos bons, apenas bons, em começo de carreira, e depois criou um estilo próprio que, a rigor, não serviu à criação de contos, mas à criação de textos. Dalton é um grande criador, um grande escritor, mas há muito deixou de ser um bom contista. É qualquer outra coisa, acima da média, mas não mais um contista. Sua estreia é de contista, assim como seu livro Cemitério de Elefantes é um bom livro de contos. Mais alguns poucos títulos ainda tentam colocá-lo dentro do gênero. O próprio autor depois vai se importando cada vez menos com rótulos. Até aí, direito dele. Agora, dizer que Dalton é um dos maiores contistas do mundo, é desconhecer completamente literatura.

Anônimo disse...

Poxa! Sacanagem!! Fotografaram o velhinho e publicaram sua foto sem permissão. O atual ganhador do prêmio Camões, nem pode fazer compras sossegado, como qualquer mortal, que fiquem assediando, fotografando...
Ele tem o mesmo direito que qualquer um em manter-se no anonimato. Ô, seu fotografo, gostaria que fizessem isso com seu avô? Tenham mais respeito e cuidado com os comentários equivocados, como o do Henrique Mauro, que, por sinal, se acha um grande crítico literário, melhor que a comissão julgadora do prêmio Camões. Coisa de classe média intelectual medíocre curitiboca que se acha...