segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

À memória dos trisavós Paulo Sedor, João Pastuchen, e seu povo





O sol que a tudo aqui ilumina
Não é o mesmo que hoje invade 
Lviv, Bucha, Mariupol ou Kharkiv. 
Lá, onde viveu o pai da mãe
Da mãe de minha mãe,
Hoje talvez uma bomba exploda. 
Em Rava-ruska, 
onde nasceu
O pai do pai 
da mãe de meu pai,
Crianças estão guardadas
Nos porões como em cofres
com seus medos nucleares,
Pesadelos de Pripyat ou Chernobyl,
pais, avós e brinquedos.
Lágrimas regam a relva
E tanques desenham
outras rotas 
Misturando no chão 
o sangue eslavo
De quem no fundo, 
E abaixo do poder, é irmão,
Porque sim, 
este poema,
como uma cidade devastada, 
fala mesmo é dos inocentes. 
É preciso voltar os olhos para a Ucrânia
Ou refazer o caminho de volta,
Mas como voltar para a casa
Se casa já não há? 
E o poema toca a dor
Como os dedos uma bandura
E ambos tiram do solo a áspera 
Flor, feito um sabre em música, 
Ou a szabla que a rubra mão empunha. 
Enquanto isso 
no topo de uma colina sagrada de Lima,
xamãs peruanos com suas folhas de coca
Preveem em seus vasos de cerâmica com fogo
Que a Rússia e os Estados Unidos solucionarão seus conflitos

c.moreira

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Sueño de tango



Messi é um acontecimento! Força, ímpeto, movimento, precisão, imaginação, beleza, seriedade e respeito, tudo o que um bom bailarino de tango oferece quando dança. No passe ou passo de un gancho, un boleo, la finta, aguja, lapiz y ocho. Un señor milonguero!! Quando a bola chega em seus pés (qual mãos de maestro escrevendo no ar um compasso) do céu azul de Rosário - como se a distância longínqua ou o tempo não fossem mais do que um drible ou uma música de Osvaldo Pugliese ou uma nota de Piazzola - dá de ouvir um anjo rebelde desses de arrabalde que é também um sol a sussurrar: !baila baila!

c.moreira

O encantado



Eis que versa o seu lamento

Aquele que cantou em rima
O peito ilustre Lusitano
Do Algarve até o Aveiro
De Cascais até Barreiro
do Tejo ao Bojador
História anunciada
Numa lenda que pervive
Lá na Ilha dos Lençóis
do Maranhão
É o fado e o fardo
Que vira festa
Em Rabat ou Marrakech
Em Alcácer-Quibir ou Agadir
Lá nas terras do açafrão
Com o gol de El-Nesyri
Encantou-se o encantado
Que voltou agora vertido
Em craque mouro marroquino
El Rei Dom Sebastião

c.moreira

Gal Fa-tal






 Morrer é assim

Como dizem alguns
Uma coisa muito normal
Todo mundo morre um dia
Ou de susto
Ou de doença
De acidente
Ou de causa natural
Fosse assim tão simples
Não deixava ninguém surpreso
Tão triste
Esse aperto no peito
Esse nó na garganta
Essa saudade que fica
E vai levando a todo vapor
um pouco
da gente junto
Sem deixar nenhum sinal
Hoje o dia amanheceu
tão claro,
Divino e maravilhoso
E ninguém imaginava
O vendaval
Porque no fundo
Tempo bom
não tem Tempo
pra temporal
Vi que o Gil
Falou da voz
Maviosa da Gal
Vi Bethânia
Em choque
Chorar ao lembrar
De sua voz magistral
Vi Caetano relembrar
A canção "Sorte" e
E o beijo entre eles
Na cena final
E tudo me fez pensar em
Como o dia pôde nascer
Tão claro justamente
Na manhã em que se apagam
Para sempre aqui
Os olhos acesos da Gal?
Como pode a vida
Ser ao mesmo tempo
Tão doce e tão bárbara
Tão Azul e tão Fa-tal?

c.moreira

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

"Dario Vellozo: Em busca do templo perdido" , de Caio Ricardo Bona Moreira


"Dario Vellozo: Em busca do templo perdido", da Editora Humana, no acervo da Biblioteca Pública do Paraná 

Ainda dá tempo de ler mais um livro em 2022. 📚 Estas são algumas obras que fazem parte do acervo da BPP. #bibliotecapr #literatura #recebidosbpp

Lançamento do livro "Dario Vellozo: poesia e magia", pela editora da FECILCAM

 



Livro: Dario Vellozo: poesia e magia
Autor: Caio Ricardo Bona Moreira
Editora FECILCAM
296 páginas
ano: 2022
capa: Fabiano Vianna
Posfácio: Antonio Carlos dos Santos 
Apresentação: Manoel Anísio Moscalewski

16 de novembro de 2022, às 17h00, com transmissão aberta pelo canal da Unespar, no endereço disponível abaixo.

o lançamento pode ser assistido aqui

"Os figurantes: esses protagonistas"

 




Participei no dia 28 de novembro de 2022 da Semana de Extensão e Ensino, de História e Cultura afro-brasileira da Unespar, campus de União da Vitória, com uma conferência de abertura sobre a obra de Eliana Alves Cruz. Uma atividade voltada à Semana de Consciência Negra. 

Título da Conferência: "Os figurantes: esses protagonistas, ou os escombros da experiência diaspórica em O crime do cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz"

Fragmento:

O romance O crime do cais do Valongo, investindo seu olhar no que poderíamos chamar de “estética da encruzilhada”, ou “arte do encruzamento”, ou ainda “poética do cruzo”, promove um encontro entre diferentes elementos narrativos. Aliás, o conceito de encruzilhada é amplamente discutido por pensadores como Luiz Rufino (2019), inserindo-o no universo da filosofia e da educação, como uma espécie de sabedoria de fresta, uma espécie de jogo contra o carrego ocidental e a violência do colonialismo. Eliana faz do limiar, ou melhor, da encruza, o lugar de contato entre dois países, Moçambique e Brasil, entre dois continentes, a África e a América, entre dois tempos, o início do século XIX e o início do XXI, entre duas dimensões, o Orum e o Aiyê (céu e terra na língua do colonizador), entre dois narradores, Muana Lomuè e Nuno Alcântara Coutinho. Tais encruzamentos dão sentido à experiência diaspórica que é pano de fundo da obra. Maria Farias Rebelo, no recente artigo “Sobre cruzos, soterramentos e redescobertas” (2022), em que analisa a literatura de Eliana Alves Cruz, centrada na figura do cais do Valongo, já apontou para o conceito de encruzilhada, tal como desenvolvido por Leda Maria Martins, com o objetivo de “deslindar o caráter rizomático da cultura africana que, na diáspora brasileira, se conforma em especificidades plurais de performances e movências (...)”. Além dos cruzos do espaço físico, da pluralidade de narradores, dos mundos variados postos em questão, Marina Rebelo chama a atenção para a relação entre letrados e não-letrados no livro, entre deslocados e realocados na diáspora, entre mortos e vivos.  Para ela, o Valongo acionado como operador teórico no livro, “(...) é centro deslocado de um mundo em que vida e morte coexistem”.

Seria o momento de perguntarmos o que fazer para que as vítimas do crime do cais do Valongo ganhem voz, nome e rosto, e não desapareçam soterrados no limbo da história? E qual é o papel do romance nessa tarefa?

Se há uma desproporção entre a experiência vivida pelos homens escravizados e seus relatos sobre essa experiência - tendo em vista o processo de silenciamento a que foram submetidos milhões de negros na diáspora (quase não há testemunhos) -, não seria o caso de recorrermos à literatura, e mais precisamente à imaginação, para além da pesquisa arqueológica e historiográfica, pois que imaginar é também uma forma de saber. Lá onde falham os arquivos, se alevanta a imaginação.


120 anos de Cecília Meireles


 Retrato de Caio Ricardo Bona Moreira , por Fernandinha Meireles, em 11 de outubro de 2022 . Rio de Janeiro, Brasil. Versos do poema " Espêlho Cego" de Cecília Meireles, na grafia da poeta. Assinado. Nanquim à pincel e bico de pena sobre cartão.

Na noite de 27 de outubro, conversei com Fernanda Meireles - neta de Cecília Meireles - em seu canal no Instagram, sobre a vida e obra dessa autora que tanto admiro. Cecília é uma voz incomum, um caso singular na literatura de nosso país. Cecília, aliás, é de todo o mundo e de outros mundos também. Ler seus poemas é uma ótima forma de descobrir quem somos, ou o que deveríamos ser. Acho o "Romanceiro da Inconfidência" um dos livros mais bonitos da literatura brasileira, uma obra atual e necessária. Fernanda tem disseminado com muita força e júbilo a obra de sua avó. Uma alegria mesmo! (Fernanda, que é também desenhista, me retratou em uma ilustração. Agradeço o presente)

A conversa pode ser assistida aqui (parte 1)


120 ANOS DA INÚMERA CECÍLIA MEIRELES
1901.2021

Filmando o levante “No Intenso Agora”, com Caio Ricardo Bona Moreira (UNESPAR)





Confira aqui a palestra


João Moreira Salles, em “No Intenso Agora”, documentário lançado em 2017, parte de vídeos caseiros e anotações realizados por sua mãe durante uma viagem à China, em 1966, confrontando este episódio com uma reflexão sobre as manifestações de Maio de 68, na França, sobre a Primavera de Praga, e sobre a Ditadura Brasileira. O que todos esses acontecimentos têm em comum, além de atravessarem ou serem atravessados pelo mesmo tempo, é uma questão que vai se delineando ao longo do filme, a saber, a forma como a história é filmada, ou seja, a maneira como os levantes são registrados. O título do filme aponta para uma das chaves de sua leitura, que é a questão do tempo, a forma como lidamos com ele, ou melhor, a forma como somos transformados por suas imagens. O documentário é nesse sentido profundamente contemporâneo, assim como o nosso tempo é profundamente político, assim como é político todo o tempo para todos aqueles que em sua época o experimentam em profundidade.

Os episódios que percorrem “No Intenso Agora” estão a sinalizar os espectadores para incêndios futuros. Se esses acontecimentos estão no filme é porque alguém os registrou. Eles estão na história. Em um momento o cineasta observa que essas imagens existem porque a liberdade de expressão não acabou de um dia para a noite. À medida que isso acontecia, aumentava a sensação de urgência, enquanto ainda era possível o registro, o testemunho. O filme, nesse sentido, acaba refletindo também sobre os usos políticos das imagens. O que fazer com elas? Ou ainda, como fazer o levante, ou melhor, como filmar a história no Intenso Agora? A nossa proposta é promover com a conversa a proliferação dessas perguntas. Sobre o ciclo O ciclo “Imagens para sobreviver ao contemporâneo” reúne palestrantes de diferentes campos dos estudos literários para debater questões contemporâneas marcadas pelo signo da urgência. A ideia é que cada palestra parta de uma imagem ou de um grupo de imagens para tecer suas formulações. Esta proposta está baseada em uma esperança – possivelmente infundada ou infundável – aberta pelo conceito de Nachleben cunhado por Aby Warburg: se as imagens sobrevivem ao tempo, são inerentemente anacrônicas, então talvez refletir sobre elas nos possibilite sobreviver e mesmo reverter o fluxo de tempos sombrios.
O escopo das imagens é o mais amplo possível: de fotografias a ícones religiosos, de pinturas pré-históricas a peças de propaganda.
Organização: Tiago Guilherme Pinheiro e Pró-Reitoria de Extensão da UEPG Equipe organizadora: Pedro Henrique Hara Matoso, Rosana Divina Furtado e Marta Ferreira Pinto

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

41ª Semana Literária do Sesc

 




Estarei na Semana Literária do Sesc. No dia 15 de setembro, às 19h30, no auditório da Unespar, campus de União da Vitória, participarei com a professora Karim Siebeneicher Brito de um bate-papo com o tema "Territórios Imaginários: vozes em trânsito". O foco da conversa será o meu livro "Esquinas", lançado pela Micronotas, em 2020. 

sábado, 20 de agosto de 2022

Concretamente Décio


O Décio conheci pessoalmente pelos idos de 2002. Guardo uma foto em que apareço com um amigo e uma amiga ao lado dele, no Cine Teatro Luz. Eu já curtia os poemas dele, os ensaios também. Naquele tempo a internet engatinhava. As informações eram menos acessíveis. Eu não tinha o visto até então em fotos ou na TV. Quando o poeta subiu no palco, fiquei surpreso. Então era ele aquele velhinho que eu tinha visto em um curioso filme algumas semanas antes na TV Cultura, no qual ele interpretava um sujeito excêntrico que criava pombos soltos em um apartamento. O filme se chamava "Sábado", e fora dirigido pelo Ugo Giorgetti. Jô Soares e Tom Zé também participavam do longa-metragem. A palestra foi incrível. Naquela noite pensei estar diante de um dos maiores intelectuais vivos do Brasil. Uma lucidez e inteligência imensas. Levei dois livros para ele autografar no final do evento. Um deles para a biblioteca da Universidade onde eu estava concluindo a graduação. Décio, vendo o carimbo, me perguntou se eu tinha roubado o livro de algum acervo (deve estar em alguma prateleira lá na biblioteca, um exemplar de "Comunicação Poética"). Não lembro se rimos. Talvez ele fosse sisudo o bastante para isso. Pedi uma foto. Ele aceitou. Li alguns anos depois, não lembro onde, que ele acreditava em questões mediúnicas implicadas no ato de sua escrita literária. Mas não recordo se a questão era basicamente tratada em termos semióticos. Naquele mesmo ano, descobri que Leminski o venerava. Reza a lenda que o curitibano teria oferecido maconha para o Décio em um "petit comité". Pignatari recusou dizendo que não precisava de aditivos para criar. Caetano, Torquato e tantos outros sabiam com suas antenas que Décio era uma de nossas maiores cabeças. Gosto muito da foto em que o poeta concretista aparece de cueca clicado por Ivan Cardoso ao lado de Grünewald e Oiticica. Com aquela cara de italiano mal humorado Décio bem poderia ter sido meu avô. Um daqueles patriarcas de Osasco com sotaque carregadamente italiano ordenando aos netos que não entrassem em seu escritório. Esse cara incrível viveu seus últimos anos em Curitiba, lecionando. Apareceu duas vezes entrevistado pelo Abujamra no Provocações, dizendo que a monarquia era um atraso, e que os professores não arriscam e só têm gostos médios e medianos. Polêmico como sempre. Sua índole "crica" era fruto de um olhar profundamente crítico e sagaz. Seu pensamento é fundamental. Décio era do futuro. Continua sendo o cara de um Brasil pós-nacionalista, de um meta-Brasil (quando o "guaraná for coca-cola", dizia o autor de "Poesia pois é poesia"): "Neste pais só não resulta o que você não faz", sugeriu ao ser entrevistado pelo Abujamra. Daqui uns 50 anos vamos entendê-lo um pouco mais e melhor. Não era um cara do século XX embora tenha sido fundamental para ele. Hoje faria 95 anos.



domingo, 7 de agosto de 2022

Dario Vellozo: poesia e magia

 



Com imensa alegria, comunico o lançamento do livro "Dario Vellozo: poesia e magia", que está saindo pela editora Fecilcam e pela Editorial Casa. A edição está linda. É o segundo livro que lanço neste ano sobre o poeta, o anterior saiu pela Editora Humana. São duas obras que dialogam embora com enfoques diferentes. Esta conta com a belíssima capa desenhada pelo Fabiano Vianna, que soube captar a pluralidade da personagem tratada no livro. A ilustração é cheia de nuances. A publicação traz uma apresentação escrita pelo caríssimo Manoel Anísio Moscalewski. O belíssimo posfácio é do professor e amigo Antônio Carlos Santos. O livro foi contemplado com um edital da Unespar e da Fundação Araucária. Agradeço à Universidade e a todas as pessoas que tornaram possível a sua publicação. O meu agradecimento também vai para aqueles que contribuíram com ideias muito importantes, Susana Scramim, Alberto Pucheu , Carlos Eduardo Capela e Raúl Antelo. Viva Dario!
Dario Vellozo: Poesia e Magia
Editora Fecilcam
Editorial Casa
296 páginas

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

A arte de gastar o tempo ou de inventar uma vida para os outros

 

Nighthawks de Edward Hopper, 1942


Vez e outra, na rua, no trabalho, ou em qualquer outro lugar, sem intenções muito claras, me pego pensando na vida das pessoas que me rodeiam. Não necessariamente daquelas que já conheço, que acabam por me despertar pouca curiosidade, porque é fácil e até desinteressante sondar com interesse o que no fundo já sabemos. Refiro-me ao exercício de tatear o mistério da existência dos outros, daqueles que me são completamente estranhos. Ás vezes, basta encontrar alguém que nunca vi e vou logo casando o sujeito com uma vendedora daquela loja de sapatos que fica em frente à praça. Já começo a enxergar seus filhos na creche enquanto o pai e a mãe trabalham. Ele perdeu a avó para a Covid no início da pandemia, quando ainda não havia vacina. A tristeza não fez com que o rapaz perdesse o gosto pelo futebol, esporte praticado religiosamente com os amigos todas as quintas-feiras, antes de uma cervejinha no Bardella, aquele bar e pizzaria que fica perto da Perimetral. E por aí vai. É um trabalho da imaginação cujo controle me foge e cuja teimosia beira quase a esquizofrenia.

Não sou o único a sofrer desse mal. Constatei o fato há alguns anos quando li o romance “Rimas de Vida e Morte”, do escritor israelense Amós Oz. É um belo livro. Nele, um romancista, enquanto se prepara para dar uma palestra no centro cultural de um bairro de Tel Aviv, passa o tempo em um café e ali começa a imaginar uma história para cada indivíduo que vê à sua volta. A bela garçonete que o atende, por exemplo, vira a ex-namorada de um goleiro reserva de um time de futebol. Dois desconhecidos próximos à sua mesa viram mafiosos discutindo a situação de um homem que está morrendo na UTI de um hospital etc. O livro é essa viagem. A literatura é essa máquina da imaginação que promove uma ponte entre o homem e o mundo, entre um ser e outros seres. Tudo pelo viés da imaginação, essa senhora que nos move a vida.

Aliás, já em Aristóteles, a verossimilhança é essencial no caráter imitativo da arte. Para ele, a poesia encerra mais verdade e filosofia que a história justamente porque enquanto a história diz respeito ao que aconteceu, a literatura se refere àquilo que poderia ter acontecido. A arte é da ordem do verossímil. Ao inventar estórias para os outros talvez estejamos ali fazendo uma espécie de literatura, tornando, assim, a vida mais possível ou pelo menos mais suportável. É uma ótima forma de passar o tempo. Aliás, imagino que uma das funções mais importantes da literatura seja exatamente esta: a arte de gastar prazerosamente o tempo. Isso vale para quem escreve tanto quanto para quem lê.

Imagine a cena: estou em uma academia, no Bairro Santa Rosa. Não sou muito dado a exercícios físicos, mas me rendo a eles em troca da perspectiva de uma vida mais longa e feliz. Opto com mais frequência pela esteira devido a uma certa preguiça de manejar aparelhos e pesos. Dali do canto da grande sala, onde está instalada a máquina, tenho uma vista panorâmica do ambiente. Gosto de observar as pessoas de soslaio pelo espelho. E já vou logo imaginando uma vida para aquela senhora que se exercita na bicicleta ergométrica. Na minha fantasia, ela se matriculou na academia depois do seu médico denunciar severamente o alto colesterol. Ou fazia regime e exercícios com regularidade ou morreria em breve. Com medo de não ver os netos crescerem, estava agora ali entregue devotamente à musculação. Seu marido, aposentado, continuava trabalhando, agora como taxista, para melhorar o ordenado e não cair no ócio assassino. Próximos dela, dois jovens conversavam animadamente. O rapaz na cadeira flexora, a moça na cadeira abdutora. Muitos risos e um teor exibicionista na regularidade dos movimentos. Eram como dois pombos que mostravam um ao outro a dança do acasalamento. A namorada dele estava na faculdade terminando o curso de nutrição. O namorado da outra, extremamente ciumento, era filho do dono de uma agropecuária. Cursava veterinária e planejava se casar depois da formatura. Os dois pombos não saíram juntos da academia, mas se encontrariam naquela noite iniciando assim um caso extraconjugal. Um careca de meia idade se olhava no espelho feito um narciso com dois halteres nas mãos. Ele tinha sobrevivido a um acidente e desde então nunca mais dirigiu bêbado. Agora abstêmio, desejava ganhar mais uns quilos de massa muscular. Daqui a uns dois anos morrerá atropelado por uma caminhonete de lavanderia. Não, muito triste, esse final. Não merece terminar assim. Sua simpatia me inspira piedade. Reescrevo a história. Morrerá velho e feliz daqui uns trinta anos casado em segundas núpcias com uma mulher que é justamente a dona da lavanderia.            


Publicado originalmente no jornal Caiçara, em julho de 2022.

domingo, 31 de julho de 2022

Lançamento de "Dario Vellozo: em busca do templo perdido"




Em Curitiba, no dia 20 de julho, às 19h, na livraria Arte e Letra, aconteceu o lançamento do livro “Dario Vellozo: em busca do templo perdido” (Humana Editora), de Caio Ricardo Bona Moreira. Aconteceram leituras de textos de Dario Vellozo por membros do Centro de Letras do Paraná, da Academia Feminina de Letras do Paraná, da Academia Paranaense da Poesia, da União Brasileira de Trovadores – Seção Curitiba, do Centro Paranaense Feminino de Cultura, da Academia de Letras José de Alencar e do Instituto Neo-Pitagórico. Dario Vellozo foi um dos nomes mais importantes da poesia simbolista paranaense. O evento contou com a presença do editor e escritor Fernando Broppré, que lançou lá seu livro "Sándor Lénárd no fim do mundo". O evento contou com uma fala do poeta e músico Manoel Anísio Moscalewski.