quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

It´s all true: BRASIL
Sganzerla po(u)sando de (em) Orson Welles
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Carmem Miranda (Carmencita segundo o locutor) cantando O que é que a baiana tem? Um navio singrando o mar. Orson Welles acenando para a câmera. Uma visão panorâmica de uma avenida do Rio de Janeiro, da década de 40. Orson Welles apresentando um programa de rádio. No fundo, o Pão de Açucar. It´s all true. João Gilberto cantando. Uma mulata gingando. Grande Otello cantando Praça 11. As imagens poderiam servir como ingredientes de um bom vatapá. Trata-se de Tudo é Brasil, de Rogério Sganzerla.

Certo filósofo, e não era só ele, costumava dizer que a história é o que menos vale. Importa mais como se conta do que o que se conta. Nesse sentido, em cinema, poderíamos pensar:

· Como se constroem os planos; como em um plano sobrevive o plano anterior, bem como nele se prefigura o plano seguinte;
· Que força a imagens produz. Com que outras forças ela se relaciona;
· O que a cena está dizendo no rodapé da página;
· Que sentido há naquela imagem que não se produziu, ou que se produziu, mas foi propositalmente poupada do plano, etc, etc, etc.

O filme de Sganzerla não é somente um filme sobre Orson Welles. É sobre o próprio Rogério, já que esse tema tornou-se uma obsessão para ele (tome como outro exemplo Signo do Caos). Mas isso agora não vem ao caso.

Falava eu no outro texto sobre a polêmica ficção/documentário. Agora, depois de assistir Tudo é Brasil, outras questões suscitaram a continuidade daquela breve reflexão. Afinal de contas o documentário inacabado de Welles, que estava sendo filmado no Brasil, chamou-se It´s all true. Poderíamos dizer que todo grande documentário tem como principal mérito encarnar uma verdade numa outra verdade. Mas continuo falando daquela verdade que se olha no espelho e pisca num ato íntimo de sedução, como que querendo seduzir ela mesma – não falo de narcisismo, falo de Orson Welles.

Pois bem, o vídeo-mosaico de Sganzerla tem como pano de fundo a vinda de Orson Welles ao Brasil, em 1942. O objetivo do autor do impecável Cidadão Kane era realizar um documentário sobre o país. Lembremos que o país vivia o momento da política da boa vizinhança de Roosevelt, durante a Grande Guerra. O projeto foi abortado. Welles começara a retratar cenas de carnaval, favelados e outros mafuás. Os produtores americanos não viram com bons olhos as “misérias” retratadas pelo diretor. Talvez pensassem que fosse mais uma das armadilhas do locutor da invasão dos marcianos. A pobreza brasileira provavelmente assustou os “gringos”, tanto quanto os extraterrestres que invadiram os EUA por meio do programa radiofônico de Welles. A morte do jangadeiro Jacaré, durante as filmagens, foi talvez o estopim da bomba que faria com que Welles fizesse as malas de volta para sua casa, na Califórnia.

GRIFO MEU: Welles inovou uma série de procedimentos cinematográficos, com Cidadão Kane. Sganzerla, pelo menos no Brasil, foi um dos primeiros a potencializar a questão da montagem como fator constitutivo de uma obra cinematográfica.

A COBRA MORDE O PRÓPRIO RABO: Welles morreu em 1985 sem terminar as filmagens e a montagem. Talvez Sganzerla fosse a pessoa certa para operar a colagem, montar o quebra-cabeça de Welles. Mas Sganzerla também já se foi. Talvez Tudo é é Brasil possa servir como um aperitivo, tanto da obra de Rogério, quanto de It´s all true, do prodígio Welles. Mesmo sem saber, o americano deixou rastros. Nesse sentido, ambos os filmes, a despeito das peculiaridades de cada um, se aproximam, suavememnte se tocam, formando aquela sétima arte que chamamos cinema.

c.moreira

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