Costumam dizer que todo crítico literário e todo professor de literatura é um escritor frustrado. A afirmação é errônea. Bastaria lembrar que grande parte da boa literatura brasileira contemporânea vem sendo produzida justamente por professores universitários. Silviano Santiago, Milton Hatoum, Cristóvão Tezza, Veronica Stigger, Marcos Siscar, só para citar alguns. Todos professores. Mas há um nome que não poderia faltar nessa lista – apesar de que uma lista - todo e qualquer paideuma -, sempre é uma coisa muito questionável. Falo de Miguel Sanches Neto, que além de professor de literatura, da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), vem se destacando como um dos principais escritores e críticos do nosso país. Entre 2000 e 2002, o autor desenvolveu um trabalho importante na direção da Imprensa Oficial do Paraná. Ele foi responsável pela louvável reedição da revista Joaquim, publicada originalmente na década de 40, por Dalton Trevisan, e estudada por Sanches Neto em sua tese de doutorado. Outro trabalho que merece destaque foi a organização em livro dos contos que haviam sido publicados na década de 70 em Ficção, uma revista praticamente esquecida pelo grande público.

Na trama, um professor de literatura, Carlos Eduardo, reencontra uma antiga namorada, Solange, agora candidata à prefeita da cidade. Ela está sendo ameaçada e pede proteção ao professor; pede também que a ajude a encontrar o filho desaparecido. Ao passo que se envolve novamente com a mulher, deixando para trás as aulas na universidade e a vida relativamente comum que levava antes de reencontrá-la, Carlos mergulha numa investigação que é apenas mote para o desenrolar da narrativa. Isso porque outras veredas se bifurcam e outras mulheres também estão em jogo: Lílian, sua aluna e namorada - pelo menos a daquele ano letivo -, e dona Ilza, a mãe carinhosa que vive em um mundo bastante diferente do filho. Nesse sentido, talvez pudéssemos falar não apenas da “primeira mulher”, mas da “segunda” e da “terceira”. Há um momento muito especial no livro, as passagens de um poema que o professor de literatura considera uma versão autoral do “Cântico dos cânticos”. Esses fragmentos que permeiam a obra nos fazem lembrar a paixão de um pastor árcade, Dirceu cantando Marília. Eles parecem sobrar no conjunto do livro. No entanto, se prestarmos atenção, essas sobras, esses restos, esses suplementos, são tão importantes quanto os fatos propriamente ditos. De um lado, operam um corte na narrativa, uma fissura, potencializando um estranhamento, uma destituição, “o saber de uma ausência”, como nos diria o crítico Raúl Antelo, já que na linguagem da poesia a destituição faz o sujeito se confrontar com o lugar vazio da representação. De outro, redimensionam a própria narrativa - dialogando com ela - já que a prosa também é tocada pelo vazio: a memória do narrador, assim como uma moeda, possui sempre dois lados: a lembrança e o esquecimento. Em Carlos, a lembrança da juventude escapa, assim como escapa a primeira mulher que, depois de muitos anos, já não é a mesma. Mas ao invés de falar sobre o livro, ou de tentar em vão resumi-lo, prefiro convidar o leitor a abrir as páginas de A primeira mulher e ler. A primeira mulher também é nossa.

c.moreira