Dias atrás, recebi a visita de um amigo. Conversamos, como sempre, sobre literatura, mulheres e outros bordéis. Ele viu na minha prateleira os livros do Bernardo Carvalho – todos, com exceção de O sol se põe em São Paulo, que ainda não li. Fiquei surpreso quando comentou que não gostava nem um pouco dos livros de B.C. Achava-o metido à cosmopolita, “presunçoso demais”, como “a maioria dos paulistas”. Só faltou chamá-lo de “filho da puta”. Não concordo com a afirmação desse amigo, que por sinal é um ótimo lingüista e exímio professor. Difícil julgar a pessoa pela obra. Por exemplo, ao ler Amor Natural, de Drummond, não posso dizer que o poeta era pervertido, ou julgar Dalton Trevisan um tarado por ter escrito A polaquinha e O vampiro de Curitiba. Agora se a literatura de B.C. é presunçosa, isso são outros 500. Presunçoso é aquele que é pretensioso, orgulhoso, metido. Acho que não é o caso da literatura de Bernardo Carvalho. É claro que o projeto literário do escritor, que também é colunista da Folha de São Paulo, é ousado para os padrões brasileiros, estando muito mais próximo do labirinto narrativo de Jorge Luis Borges, e de outros escritores cosmopolitas, do que das palmeiras e dos sabiás de Gonçalves Dias. Acostumados com “macumbas para turistas”, “Tietas”, “Gabrielas”, e outros carnavais, tomamos um susto com os jogos literários propostos pelo autor de Nove Noites e Mongólia. Jogos literários que contam sempre com personagens desterritorializados, sempre em movimento, em constante deslocamento.


Em O Filho da Mãe, Bernardo Carvalho, à maneira de seus livros anteriores, mescla diversas vozes e pontos de vista. A diferença é que neste livro, o escritor narra em terceira pessoa, o que não é comum em sua obra. Esse foco narrativo permite que Carvalho mergulhe no íntimo das fortes personagens que criou, enfocando o sentimento de orfandade e de desamparo. Tudo em meio à barbárie da guerra da Tchetchênia e da reconstrução de São Petesburgo às vésperas de seu terceiro centenário. Mas a guerra é apenas pano de fundo para desenvolver uma narrativa sobre a figura da mãe, nas diversas histórias que se entrelaçam no livro. O Filho da mãe nos convida a reler com cautela a obra de Carvalho, - o talvez nos faça repensar aquele preconceituoso argumento de que sua literatura é metida à cosmopolita e presunçosa. Esse argumento é geralmente falacioso quando o que está em questão é a literatura de B.C. – cuja mobilidade desarma, a partir do modus operandi de sua narrativa, discursos estáveis, dogmáticos e tradicionais.
c. moreira
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