segunda-feira, 14 de setembro de 2020

9 poemas para rezar

***

Cristo
tua cruz
É o nosso
mundo

Antes fosse
Que a treva
Esse peso
Um facho de luz

De tudo o que o Pai
Criaste
Somos
Mesmo e de fato
O calvário e a cruz

Perdoa os desatinos,
Não sabemos o que dizemos,
Não sabemos o que fazemos,
Livra-nos de nós mesmos,
Mas deixa um cadinho
Pra esperança,
Pra ver se o sopro
chamusca de novo a chama,
Amem, Jesus!

***

Santo Antonio

 

Antes do mundo
Do que de Pádua
ou Lisboa


Devoto sou
Desse ser
que tirou
As sandálias
Para virar
O senhor
dos caminhos

Quem me dera
Seguir os seus passos
Ou ficar em seus braços
Feito fosse de gesso ou barro
No altar Jesus menino


***


Oratório

Fadado na imagem
A carregar ad aeternum
Como Atlas o mundo
Jesus criança nas costas

Vai e cruza o rio
Pagão convertido
Reprobus ou Offerus
Em Cristóvão cristão

basta ao mártir
um bastão ou cajado
E a fé, essa carga pesada,
Que transforma
Em divina graça
O karma do peregrino

E assim
Benfazejo
Vai Cristóvão
Vai benzendo
Com água santa
O viajante,
O motorista
O caminhão

E então o milagre
No nascer da palmeira,
Me empolgo com a história
E como num filme de Pasolini
Me transformo no santo:
Vem o rei e me corta a cabeça
Agora só vejo
Por Deus,
Nosso senhor,
Com o coração:
Corta!

***

Ano novo

 

Que você
Receba

(No ano que chega)

Tudo o que quiser!
Sagrado seja
O teu viver e
Tudo o que vier!

!Hay que hacer da vida
Un eterno
Milagro!
Como o ar
que se respira
O sal do mar,
Do pão, o vinho,
E o sangue vivo de
San Gennaro


***

Um tau para Francisco,
Solo para árvores e passarinhos

Uma vida desapegada
De tudo o que o tempo rói
Espero um dia alcançar
Um centímetro das relíquias
morais de Francisco
Um fio de cabelo que seja
Um fiozinho só
Um pouco de seu destino de índio
(avesso a todo e qualquer latifúndio)
Um pouco de sua poesia em reza
Regar com ela a semente
e regá-la
Para além da hagiografia
Só pra ver brotar a virtude
Em púrpura, índigo
ou vermelho carmim
Para que desabrochado em flor
Tudo o que é bom
Nasça naturalmente
Em meu jardim

***

São Chico

São como São Chico
Das coisas do céu e da terra
Os índios respeitando seus rios
Os bichos e toda floresta

São como São Chico
O homem um dia será
Se ler em seu breviário
No tempo que ainda lhe resta
O canto de um sabiá

São como São Chico
O tal rio que leva seu nome
E a água como a fé o tau
E a palavra a todo mortal
Que dela tem sede e tem fome

***

Santa Maria
Madre Aparecida 
Teu ventre
em Ó
todo sol irradia
O mundo
Fecunda 
Em teu nome
Toda mãe
Engravida
Em teus braços
Sou eterno menino
Senhora do sagrado feminino
Em meu ser o teu
Tudo o que sei
Santíssima
Mater nossa
Mater dei

***

Em toda mãe preta
O semblante da padroeira
Que abraça seu filho Brasil

Regando com seu leite
O solo auriverde
E a boca faminta
Do menino que traz
Gravado no peito
E ao mesmo tempo
Seu destino de pária
Neste vale de lágrimas
E a esperança
De uma pátria
mais mátria
mais justa e gentil
 
***

Ó

o ventre
entre
o dentro
e o fora

o ventre 
dando a Deus
circunferência
no Ó da barriga
de Nossa Senhora

no ventre
a chama vive
vibra e sopra
e entre
o dentro 
e o fora
como labareda
ou meteoro 
arde divina
e imensíssima
agora

O poema "Ó" foi publicado com o pseudônimo Maria de Fátima Marcondes, 
na antologia Poesia, da Therezinha Cartonera, de União da Vitória (2013).
***


Caio Ricardo Bona Moreira


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