Como "E lucevan le stelle", o Brasil é uma ária de Tosca e queima
Em 1970, depois de participar do Festival de Cinema de Mar del Plata, e antes de voltar à Itália, Pier Paolo Pasolini conheceu o Rio de Janeiro e Salvador. Antes de chegar ao Festival, ele já havia feito uma parada em Recife, quando o avião sofreu uma pane, precisando fazer uma parada forçada. Ele viajava com Maria Callas, diva da ópera que atuara em "Medéia" (1969). O encontro com o Brasil é evocado em dois poemas que integram o livro "Transumanar e organizzar", de 1971: "Comunicato all’Ansa (Recife)" e "Gerarchia". No primeiro, ele faz uma referência aos operários brasileiros que encontrou no aeroporto: "no aeroporto em construção, passando / diante de um grupo de operários que trabalham, dos olhos / que se levantam aos passageiros / É assim que o Brasil me saúda". No segundo poema, Pasolini se irmana ao brasileiro, lendo criticamente suas contradições. O poema é tristemente atual...
"(...)
Brasil, minha terra,
terra de meus verdadeiros amigos,
que não se ocupam de nada
ou se tornam subversivos e como santos são cegados.
(...)
Ó Brasil, minha pátria desgraçada,
destinada sem escolha à felicidade
(de tudo são donos o dinheiro e a carne,
ao passo que você é tão poético)
dentro de cada habitante seu, meu concidadão,
há um anjo que não sabe nada,
sempre dobrado sobre seu sexo,
que se move, velho ou jovem,
para pegar em armas e lutar
indiferentemente pelo fascismo ou pela liberdade –
Oh, Brasil, minha terra natal, onde
as velhas lutas – bem ou mal já vencidas –
para nós, velhos, readquirem sentido –
respondendo à graça de delinquentes ou de soldados
à graça brutal (...)"
(Tradução do poema: Maurício Santana Dias)
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