segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

SOY CUBA: REVOLUÇÃO NO CINEMA OU CINEMA NA REVOLUÇÃO?

Na década de 60, alguns anos depois da Revolução Cubana, que derrubou Fulgêncio Batista e colocou Fidel Castro no poder, estabeleceu-se uma parceria cinematográfica entre Cuba e União Soviética. Seu objetivo não era apenas tecer laços culturais entre os países, mas principalmente desenvolver na pequena ilha um cinema político que estivesse à altura dos interesses da revolução. O resultado pode ser conferido em Soy Cuba (1964), de Mikhain Kalatozov. Considerado como um fracasso, o filme foi redescoberto e restaurado por Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, nos anos 90 – uma ironia do destino. Digo isso porque é curioso o fato de o filme ter interessado tanto aos americanos, tendo em vista que a potência do norte é claramente retratada como o grande inimigo da nação de Guevara. Mas o fato pode nos dizer algo mais. Significa que arte e política são coisas que, se de um lado estão indissoluvelmente ligadas, de outro, não necessariamente precisam se confundir. Scorsese e Coppola não são ignorantes: O cinema não precisa engolir bloqueios. Até porque antes de ser política, toda arte precisa ser ARTE.

O objetivo do filme é claro: servir como propaganda comunista, defender e louvar a revolução, mostrar os problemas que o imperialismo norte-americano, acolitado por Fulgêncio, estava causando principalmente às classes pobres, situadas na periferia de Havana, ou mesmo em localidades rurais. Num contexto em que os EUA e a URSS travavam um embate que ficaria conhecido como Guerra Fria, Soy Cuba poderia inicialmente servir como uma bandeira não apenas aos revolucionários de Sierra Maestra, mas também à própria União Sovitética. No entanto, o filme foi um fracasso. A produção russa foi questionada pelos próprios cubanos, que viram na película uma representação romântica que era tão ideal quanto irreal – caso semelhante aconteceu no Brasil, como o filme Orfeu da Conceição, dirigido por Marcel Camus, em que o retrato das mulatas e dos sambistas beira o caricatural. Outro exemplo pode ser encontrado naquele filme do Zé Carioca, produzido por Walt Disney, em 1945. Por isso, para não cairmos num juízo falacioso, penso que devemos assistir a um filme como Soy Cuba sabendo que se trata de uma estetização da política e de uma visão idealizada produzida por um olhar estrangeiro. A despeito disso, o filme é muito bem produzido, contando com uma fotografia requintada e com seqüências muito bem elaboradas. Duas, especialmente, chamaram a minha atenção. A primeira é aquela que retrata uma típica cena da vida burguesa cubana pré-revolução. Um grupo de pessoas se diverte na piscina do Hotel Capri. A câmera passeia pelo pátio e mergulha na piscina. A segunda retrata a saída de um magnata estrangeiro da favela. O homem passara a noite com Maria, uma jovem prostituta. Novamente, a câmera passeia pelos becos da favela, focalizando personagens típicos da periferia de Havana que poderiam ser de qualquer favela do mundo. Outras seqüências poderiam ser citadas, mas o melhor seria assistir ao filme.

O tom poético de Soy Cuba parece se construir não apenas nos versos de protesto que são declamados pelo narrador, mas também por cortes, movimentos e aproximações que caracterizaram o cinema experimental russo. As quatro histórias contadas acabam por desenhar um panorama da situação do país. O homem explorado que é expulso da terra que arrendara. A prostituta que vende o corpo aos turistas americanos, o pai de família que decide entrar para o grupo de Fidel e Guevara, depois de ter sua casa bombardeada em Sierra Maestra, um estudante da Universidade de Havana, que luta até a morte em prol da transformação social. A visão política unilateral do filme, mesmo tocando numa questão que sabemos ser verídica, a da exploração das grandes potências capitalistas, faz com que vejamos o roteiro com desconfiança. Mas o real, no cinema, é sempre uma areia movediça. Poderíamos encontrar no cinema contemporâneo uma “contra-visão” de Soy Cuba em Cidade Perdida (2005), de Andy Garcia, produção norte-americana que encena também a queda de Fulgêncio e a ascensão de Fidel, mas com o olhar do Tio Sam. Guevara, por exemplo, é retratado como um sanguinário, capaz de sacrificar qualquer bom senso em prol do poder. Restaram as belas paisagens, a boa música e a beleza das mulheres da ilha, mas bons filmes não se fazem apenas com belas mulheres.
Depois de assistir ao filme, devemos concordar que Soy Cuba pode ter perdido a força revolucionária, mas não estética, o que nem sempre acontece com as obras, sejam literárias, cinematográficas etc, quando a preocupação principal é fazer política e não arte. Se Soy Cuba ainda me toca é porque está além de Fulgêncio ou Fidel.

c.moreira

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