Maiakóvski
Maiakóvski, em 1914, num artigo intitulado “Os dois
Tchekhov”, afirmou que Tchekhov fora o primeiro escritor da literatura russa a
compreender que o escritor apenas modela um vaso artístico, e que não importa
se ele contém vinho ou porcarias.[1]
A
posição tomada por Maiakóvski está intimamente ligada à sua intrínseca relação
com o movimento futurista. A afirmação poderia ser vista como uma afronta pelos
historiadores da literatura na época. No entanto, não deveria ser lida como um
convite ao descaso para com o conteúdo, mas como uma observação consciente de
que não há qualquer possibilidade de se pensar o conteúdo sem atentar para a
forma. Essa concepção é levada ao extremo chegando a ponto de se perceber que
as categorias forma/conteúdo não poderiam ser pensadas à luz de uma ruptura que
colocasse a forma de um lado e o conteúdo de outro.
É nesse mesmo período de
efervescência cultural que surge na Rússia o Círculo Linguístico de Moscou.
Leitor de Maiakóvski, Roman Jakobson foi o responsável pela fundação do grupo.
Em 1915, tem-se o primeiro encontro do movimento que teve como objetivo
promover a linguística e a poética. Segundo Erlich:
O
escopo real da atividade do Círculo era mais largo do que o seu nome
implicaria. Nos primeiros dois anos os problemas do folclore e da dialetologia
russos ocuparam o centro do palco. Mas, mais tarde, a ênfase principal passou
do levantamento de dados linguísticos para as discussões metodológicas tanto
sobre a poética como sobre a fala prática.
Inserido
num contexto czarista, seguido de um regime stalinista, o grupo acaba se
dissolvendo, não durando mais do que quinze anos, mas nem com isso perdeu forças,
visto que os seus membros continuaram desenvolvendo estudos de interesse do
grupo. Boris Schnaiderman demonstra estranheza ante o fato de que
enquanto Maiakóvski era exaltado na Rússia[2],
o formalismo era condenado radicalmente. Essa estranheza reside no fato de que
as idéias do primeiro estavam intrinsecamente ligadas ao movimento formalista.
Para ele, a relação de Maiakóvski com o Formalismo Russo ficou marcada pelo
apreço que dedicava aos críticos daquela corrente, como iniciadores de uma
determinada metodologia que permitiria ao escritor e ao poeta apoiar-se numa
teoria de produção.
Roman Jakobson
Schnaiderman lembra o fato de que quando os formalistas eram alvo de ataques,
Maiakóvski defendeu a ideia de que eles prosseguissem. Para o futurista, a
escola formal não contradizia o marxismo.
É equivocado o pensamento de que os formalistas
não se preocupavam com o social e com o histórico. É claro que sem esses
fatores não existiria literatura, mas eles fugiam da especificidade de suas
análises, visto que o objetivo principal era chamar a atenção da análise
literária como uma ciência autônoma que visse a próprio texto literário como
elemento fundamental nos procedimentos análise.[3]
Um
ano depois (1916) surge o OPOYAZ (Sociedade para o Estudo da Língua Poética).
Para Erlich:
A
OPOYAZ era um tanto mais heterogênea do que sua contrapartida de Moscou. Esta
representava a incursão coletiva de lingüistas na poética. Aquele era uma
“coalização” de dois grupos distintos: os estudantes profissionais da língua da
escola de Baudoin de Courtenay, tais como Lev Iakubinski e E. Polivanov e S. I.
Bernstein, que tentavam resolver os problemas básicos de sua disciplina por
meio da lingüística moderna.
Podemos
dizer que o ponto de encontro ente o Círculo Linguístico de Moscou e a OPOYAZ
será justamente a insistência na ideia da impossibilidade de dar conta do “literário”,
afastando-se do que é intrinsecamente literário.
Peter
Steiner sintetiza as três principais correntes
do formalismo em três metáforas: a máquina, o organismo, o sistema.
O
conceito de máquina, para Steiner, é a figura mais visível do primeiro instante
do Formalismo. Tezza cita uma carta de Chklovski enviada a Jakobson.
Nela, comenta: “Nós sabemos como é feita a vida, e também como são feitos o Dom
Quixote e o automóvel.”[4]
A
imagem de “organismo”, segundo Steiner, tem
como figura mais proeminente Vladimir Propp. O autor, em “As transformações dos
contos fantásticos”, considerado por Tezza e outros como um formalista tardio,
coloca a seguinte questão:
Podemos,
a vários títulos, comparar o estudo dos contos com o das formas orgânicas da
natureza. O folclorista, tal como o naturalista, ocupa-se de fenômenos diversos
que, na sua essência, são contudo idênticos. A questão da origem das espécies
colocada por Darwin pode ser colocada também no nosso domínio.
As
estratégias usadas por Propp eram tipicamente formalistas. Basta observarmos as
já lembradas invariantes para concordar com o fato de que Propp poderia ser
considerado um formalista.
Wladimir Propp
Morfologia da Fábula foi publicado por
Propp em 1928. Nela, o formalista fazia uma descrição sistemática das fábulas,
explorando a questão da transferibilidade que, como lembra Haroldo de Campos,
explicava porque determinados elementos de uma fábula poderiam ser encontrados
em outras.
Em Morfologia de Macunaíma,
Haroldo de Campos (1873) aplica as funções desenvolvidas por Propp no livro de
Mário de Andrade, coincidentemente publicado no mesmo ano de Morfologia da Fábula.
Sobre a teoria de Propp, Haroldo lembra que ele estava preocupado em fazer uma
descrição sistemática da estrutura fabular. Para o formalista, as fábulas possuíam
uma importante característica: “as partes componentes de uma poderiam ser
transferidas para outra, sem modificação alguma, a chamada lei de
transferibilidade”.
Dentro
dessa proposta, os personagens das fábulas poderiam ser os mais diversos, mas
as ações praticadas por eles seriam poucas. A essas ações Propp chamou funções,
individuando 31 e depois examinando a maneira como elas se organizariam num
eixo sintagmático.
Desenho de Maiakóvski
Assim como Propp, que recorreu a inúmeras
fábulas para então criar um protótipo, uma “fábula” de todas as fábulas, Mário
de Andrade buscou reunir no folclore temas que pudessem ser trabalhados na
confecção de uma “rapsódia brasileira”, uma espécie de bricolagem literária. A
diferença é que Propp não escreveu propriamente uma fábula, mas um modelo que
visava ao auxílio da teoria por meio de uma análise estrutural.
[1] O artigo
apareceu na revista Nóvaia jízn (Vida nova), em junho de 1914, por ocasião do
décimo aniversário de morte de Tchekhov. A Poética de Maiakóvski, de
Boris Schnaiderman, traz o artigo na íntegra traduzido para o português.
[3] Segundo
Eikhenbaum, para os formalistas o essencial não era o problema
com o método nos estudos literários, mas a literatura enquanto objeto de
estudo.
[4] Para
Chklovski, uma pessoa que deseja se tornar um
escritor deve examinar um livro com a mesma atenção com que um relojoeiro
examina um pêndulo ou um mecânico um automóvel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário