Na introdução de História e Narração em
Walter Benjamin, Jeanne Marie Gagnebin (2007) relembra a aventura de Ulisses na
viagem-escritura de Odisseia. Observa que a narração do herói estaria
atravessada por dois grandes gestos praticamente paradoxais: de um lado, a
necessidade de Ulisses retornar à sua casa; de outro, a necessidade de diferir
esse retorno para poder viver a Odisseia e realizar o relato. A narração
ocidental se constituiria a partir da rememoração, da “retomada salvadora pela
palavra de um passado que, sem isso, desapareceria no silêncio ou no
esquecimento” (GAGNEBIN, 2007, p.3). Narrar seria, assim, uma forma eficaz de
lutar contra o esquecimento, contra a morte. É esse elo que parece aproximar a
literatura da história. Ambas são movidas pelo ímpeto de narrar com o objetivo
de não esquecer. Gagnebin lembra que ainda hoje literatura e história
enraízam-se no cuidado de lembrar. No entanto, nem por isso a narração deixa de
ser atravessada pelo esquecimento, pela morte: “esquecimento que seria não só
uma falha, um branco de memória, mas também uma atividade que apaga, renuncia,
recorta, opõe ao infinito da memória a finitude necessária da morte e a
inscreve no âmago da narração” (idem, p.3). Curiosa questão: Na morada de
Calipso, Ulisses esquece. Em outra passagem, Ulisses dorme, enquanto os
tripulantes abrem a bolsa de Éolo, provocando a tempestade. Assim, não podemos
deixar de considerar que desde a origem da narrativa ocidental, memória e
esquecimento formam os dois lados de uma só moeda, ou o mesmo lado de duas
moedas diferentes. Mesmo as musas são também filhas do esquecimento:
Se as Musas fossem só memória, sem o
esquecimento e a pausa, não deixariam de ser o mesmo que representam as Sereias
e acabariam por tornar-se fatais. Ora, ao unir-se a Memória a Zeus,
mesclando-se com ele, na própria lógica da metáfora sexual, introduz-se nela
algo diferente, algo que, tratando-se de uma divindade cujo nome revela um
atributo unívoco bem estabelecido, só pode ser não-memória. As Musas, portanto,
não são exclusivamente memória, mas memória e não-memória (expressa esta última
como esquecimento, pausa) (BRANDÃO, 2000, p.18).
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