Quando menos se
espera, eis que ressurge, dos rincões do Paraná, a Besta dos Pinheirais, a Fera
do Pilarzinho, o Bigodudo do Bife Sujo, o Fileleno do Templo das Musas, o
Outsider da Rua XV, o Judoca que Fez Chover no Nosso Piquenique, o Ex-Estranho,
o Bandido-Polaco que Sabia Latim. Quanta coisa no mesmo sujeito, não? Refiro-me
ao poeta, tradutor, publicitário, poliglota, jornalista, compositor, agitador
cultural, Paulo Leminski. Hora ou outra aparece alguma publicação que desperta
em mim a vontade de reler esse poeta que talvez tenha sido, no Brasil, o melhor
de sua geração. É o que sinto ao passear pelas páginas do “Roteiro Literário”
dedicado ao autor de “Catatau”, “Não fosse isso e era menos não fosse tanto e
era quase”, “Distraídos Venceremos”, “Caprichos e Relaxos”, “La vie em close”,
entre outros. O livro, escrito pelo exímio poeta Rodrigo Garcia Lopes (filho
também do Paraná), apresenta um belo panorama crítico da vida e da obra daquela
figura que se autoproclamou no poema um “mestre em disfarces”.
Editado pela
Biblioteca Pública do Paraná, o livro, que veio a lume em novembro de 2018 -
para somar com uma série de outros estudos já realizados da obra de Leminski -,
integra uma coleção que já contemplou nomes como Helena Kolody e Jamil Snege. Segundo
Luci Collin, neste Roteiro temos não só a apresentação da vida meteórica deste
escritor Curitibano, mas “a oportunidade de um mergulho na vigorosa obra do
criador múltiplo que, há algumas décadas, é referência para escritores,
artistas e leitores brasileiros”. Diferencia-se de outros livros publicados
anteriormente ao apresentar reflexões pouco abordadas, além de trazer alguns
textos inéditos em livro. A publicação é um ótimo convite à leitura daquele que
há alguns anos teve sua obra reunida em “Toda Poesia”, editada pela Companhia
das Letras e que virou um best-seller nacional.
O livro é composto
por três partes: A primeira oferece um panorama da vida do autor, posto em contato
com a sua obra, sem cair no lugar comum das biografias tradicionais. Rodrigo
Garcia Lopes divide a vida de Leminski em fases-estações que partem da infância
para chegar a sua morte precoce e trágica, passando pelos loucos e fecundos
anos 60 e 70, período no qual o poeta amadureceu seu pensamento crítico e sua
veia poética. A segunda parte se concentra em um estudo de sua obra, passando
pela dimensão melopaica, fanopaica e logopaica de sua produção, considerando o
traço experimental que o situou entre os mais produtivos artistas da poesia
brasileira da segunda metade do século XX. A última parte mostra como Leminski
se relacionou com a sua cidade e como ela foi assimilada por sua obra. Esse
momento é contemplado com uma série de fotografias de lugares frequentados pelo
poeta, ambientes que fecundaram poemas e convivências afetivas com sua cidade.
Nessa geografia social, Lopes traz fotos (de Eduardo Macarios) e comentários
sobre lugares frequentados por Leminski em Curitiba. Do Teatro Paiol à Livraria
do Chain, passando pelas casas onde morou, a maternidade onde nasceu, o
cemitério onde está enterrado, entre outros.
Rodrigo Garcia
Lopes caminha por uma perspectiva de análise que desvia dos aspectos já amplamente
estudados, apontando para detalhes que muitas vezes passaram despercebidos pela
fortuna crítica. É o caso por exemplo da relação do escritor com o Simbolismo. Segundo
o autor, embora se busque a precisão, a poesia de Leminski é marcada por um
alto grau de incerteza e indeterminação: “Em muitos momentos ela dialoga com a
busca pelo vago da poesia simbolista, afeita aos aspectos misteriosos da
existência, assim como as relações tênues entre aparência e realidade”. Em outro momento, o autor do “Roteiro
Literário” lembra a falta que faz Leminski na cena cultural e literária
brasileira: “Fico imaginando para onde teria ido sua poesia se ele tivesse
sobrevivido. O que ele, que sempre interveio no debate cultural de seu tempo,
estaria achando das coisas que andam acontecendo hoje na literatura, no mundo e
no Brasil? Tempos sombrios”.
Corajoso ao
abordar um poeta que já tem sido bastante estudado nos últimos anos – depois de
sua consagração midiática – o livro consegue produzir novos lances de dados no
estudo da obra do curitibano, outras faíscas, oferecendo, ao mesmo tempo, uma
bela descoberta aos leitores recém-chegados, bem como um diferenciado olhar
para aqueles já acostumados com as palavras leminskianas e sua crítica. É
importante reconhecer suas nuances, seus novos matizes, seus renovados pontos
de vista. O livro, assim, nos mostra o quanto uma obra de referência pode nos
convidar a ler de forma sempre diferente o mesmo objeto. Caminha por aí sua
principal contribuição.
Fotos: Dico Kremer
Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória (PR), no dia 23 de março de 2019.
Um comentário:
Texto muito interessante. Parabéns.
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