domingo, 28 de julho de 2019

Sobre livros, poesia e paternidade




Poderia falar de greve, mas hoje falarei de algo menos grave. Há algum tempo, venho adiando a leitura e escrita de textos (ou pelo menos diminuindo consideravelmente o ritmo). Os motivos são variados, no entanto, não estando disposto a importunar o leitor com lengalengas, prefiro nem elencá-los. Cito apenas dois deles. O primeiro diz respeito aos compromissos do magistério, profissão que abraço todos os dias com um misto de amor e temor. Os leitores bem sabem o quanto exige a docência de um professor disposto a ensinar a seus alunos e aprender com eles também. Mas, pensando bem, essa questão não vale como desculpa. Há sempre um tempo entre uma aula e outra, entre reuniões pedagógicas, orientações, correções de trabalhos e elaboração de planos de ensino. Que essa tarefa não seja nunca motivo para adiarmos a escrita. Pelo contrário, que seja um convite a permanente construção de ideias, mola propulsora de todo exercício de pensamento e ação. Há anos, leciono literatura e para mim pensar e escrever sobre ela será sempre um prazer, apesar de que toda escrita traz em seu bojo um fantasma com o qual é difícil conviver. 
O segundo motivo de tal adiamento vale como justifica, pois é o mais belo de todos os outros que poderiam nos roubar o tempo e as condições necessárias à escrita de um texto ou a consecução de toda e qualquer atividade. Falo da paternidade. O texto que não paro e não me canso de ler e escrever há três anos se chama Catarina. Ela chegou para alegrar a nossa vida. Tem um sorriso encantador, menos de um metro, e uma energia capaz de movimentar uma usina hidroelétrica (Perdoem-me a hipérbole, coisa de pai exagerado). Para somar-se à Catarina, multiplicando-nos em afeto, acaba de chegar a Aurora, que tem, ao lado de sua irmã, nos dado alegrias imensas. Aurora, de olhar terno e doce, veio para nos amanhecer lá em casa, que agora anda de novo com cheirinho de bebê.
Minhas filhas têm sido os únicos motivos a dificultar consideravelmente as condições da prática de leitura e escrita, o que me deixa muito feliz porque se ler é bom, ser pai é muito melhor. Qualquer outro motivo - que não elas - a me impedir ou dificultar o exercício do pensamento, deixaria em mim um sentimento de falta que não conseguiria mensurar. E, no entanto, ter lido ou escrito nos últimos três anos muito menos do que costumava fazer até então tem me deixado imensamente feliz. É que Catarina e Aurora são para mim pura literatura.
Nos olhos de minhas filhas encontro a força de William Shakespeare, a doçura e o amor dos versos de Vinícius de Moraes, o mar de Homero ou Camões, o céu de Saint-Exupéry, a terra de fadas ou do nunca, o fogo que a literatura tenta traduzir em palavras, os mistérios de uma civilização perdida escondida em um livro esquecido em alguma biblioteca. Escrevo isso para dizer o quanto de poesia existe naquilo que amamos, para além de palavras e textos. O leitor me questionará e eu responderei com um piparote. Sim, um poema é feito de palavras, mas a alma que nele se guarda ou voa se chama poesia. E o prazer gratuito que nela encontramos pode se traduzir na alegria de um abraço, no calor de um beijo, no trabalho de um povo, nas cores de um quadro, no sorriso de uma criança, nas cenas de um filme, nas notas de uma música, no sal de uma emoção, no último capítulo de uma novela, na alegria da amizade, entre outras coisas boas que a vida nos dá ou que damos a ela enquanto ainda estamos aqui. Que essa poesia nos convide sempre à leitura e escrita de novos poemas. Que possamos ler e escrever a nossa própria vida. Isso dá um belo livro. Sem falar na maternidade, cujo dispêndio de forças e tempo supera em muito todo e qualquer exercício de paternidade. É sim o amor mais belo. Daria muito mais do que um livro. Daria todos. Daria tudo. Amor de mãe é uma imensa biblioteca.  


Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória, em 27 de julho de 2019

Nenhum comentário: