quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

"Os figurantes: esses protagonistas"

 




Participei no dia 28 de novembro de 2022 da Semana de Extensão e Ensino, de História e Cultura afro-brasileira da Unespar, campus de União da Vitória, com uma conferência de abertura sobre a obra de Eliana Alves Cruz. Uma atividade voltada à Semana de Consciência Negra. 

Título da Conferência: "Os figurantes: esses protagonistas, ou os escombros da experiência diaspórica em O crime do cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz"

Fragmento:

O romance O crime do cais do Valongo, investindo seu olhar no que poderíamos chamar de “estética da encruzilhada”, ou “arte do encruzamento”, ou ainda “poética do cruzo”, promove um encontro entre diferentes elementos narrativos. Aliás, o conceito de encruzilhada é amplamente discutido por pensadores como Luiz Rufino (2019), inserindo-o no universo da filosofia e da educação, como uma espécie de sabedoria de fresta, uma espécie de jogo contra o carrego ocidental e a violência do colonialismo. Eliana faz do limiar, ou melhor, da encruza, o lugar de contato entre dois países, Moçambique e Brasil, entre dois continentes, a África e a América, entre dois tempos, o início do século XIX e o início do XXI, entre duas dimensões, o Orum e o Aiyê (céu e terra na língua do colonizador), entre dois narradores, Muana Lomuè e Nuno Alcântara Coutinho. Tais encruzamentos dão sentido à experiência diaspórica que é pano de fundo da obra. Maria Farias Rebelo, no recente artigo “Sobre cruzos, soterramentos e redescobertas” (2022), em que analisa a literatura de Eliana Alves Cruz, centrada na figura do cais do Valongo, já apontou para o conceito de encruzilhada, tal como desenvolvido por Leda Maria Martins, com o objetivo de “deslindar o caráter rizomático da cultura africana que, na diáspora brasileira, se conforma em especificidades plurais de performances e movências (...)”. Além dos cruzos do espaço físico, da pluralidade de narradores, dos mundos variados postos em questão, Marina Rebelo chama a atenção para a relação entre letrados e não-letrados no livro, entre deslocados e realocados na diáspora, entre mortos e vivos.  Para ela, o Valongo acionado como operador teórico no livro, “(...) é centro deslocado de um mundo em que vida e morte coexistem”.

Seria o momento de perguntarmos o que fazer para que as vítimas do crime do cais do Valongo ganhem voz, nome e rosto, e não desapareçam soterrados no limbo da história? E qual é o papel do romance nessa tarefa?

Se há uma desproporção entre a experiência vivida pelos homens escravizados e seus relatos sobre essa experiência - tendo em vista o processo de silenciamento a que foram submetidos milhões de negros na diáspora (quase não há testemunhos) -, não seria o caso de recorrermos à literatura, e mais precisamente à imaginação, para além da pesquisa arqueológica e historiográfica, pois que imaginar é também uma forma de saber. Lá onde falham os arquivos, se alevanta a imaginação.


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