O
crítico Raúl Antelo, no ensaio “Leitura tropológica e política do romance”,
presente no livro Algaravia: discursos de
nação (1998), observa que não há
no comportamento do discurso histórico nada que o diferencie do “efeito do
real” construído pelas narrativas ficcionais. Para ele, a oposição entre
referentes imaginários da ficção e referentes reais da história perderam
relevância e operatividade. História e ficção, dessa forma, “se assemelham mais
do que se opõe e supõe já que como construções de linguagem, tornam a separação
entre forma discursiva e matéria de interpretação indiferenciável” (1998). Ao equiparar o discurso histórico às narrativas ficcionais, no que se
refere a uma simetria intra e extra-referencial que constitui as duas
modalidades discursivas, o crítico retoma uma questão já discutida por um
teórico como Hayden White, em “Figuring the nature of the times deceased”, ou
mesmo Roland Barthes, em textos como “O discurso da história” e o “O efeito do
real”. Dessa maneira, Raúl Antelo, desconstrói a cisão tradicional entre
história e ficção, aproximando-se das postulações do escritor cubano José
Lezama Lima, que entedia o mundo e a história como uma espécie de ficção/paisagem
tecida pela imagem. Em La Expresión
Americana (1988), Lezama diferencia o logos
hegeliano do logos poético. Hegel via
a história como um processo que conduz ao desenvolvimento. O logos poético, ao contrário, vê a
história como um conjunto de imagens. Essa é uma concepção que transforma o
“ser” em “imago”. Se tudo é imagem, como o sujeito pode aspirar à verdade? A
questão é fundamental para Lezama: “(...) todo discurso histórico é, pela
impossibilidade de reconstituir a verdade dos fatos, uma ficção, uma exposição
poética, um produto necessário da imaginação do historiador” (CHIAMPI in LIMA, 1988).
No ensaio “As imagens
possíveis”, Lezama adota uma concepção de mundo pautada pela imagem concebida
como um absoluto, a imagem que se sabe imagem, “a imagem como a última das
histórias possíveis” (1996). Visão semelhante é destacada por Guimarães
Rosa, no prefácio “Aletria e Hermenêutica”, presente no livro Tutaméia, ao defender que “a estória não
quer ser história” (1985). Se partirmos do pressuposto de que tanto o
discurso histórico quanto a literatura são constituídos por uma rede de
imagens, perceberemos que tanto a história pode iluminar a literatura, como a
literatura pode injetar potência no discurso histórico. Essa perspectiva
redesenha todas as relações possíveis entre a história e a literatura. Tanto
uma quanto a outra não ressuscitam o passado, porém redimem, salvam um saber. A
literatura sempre se interessou pela história, não apenas como um baú que lhe
fornece saberes, mas como um panorama que pode ser remontado e transformado,
desenhando assim novas constelações, novas narrativas, e lançando luz ou
devolvendo força àquilo que chamamos de real.
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