terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

onde a história? onde a ficção?


O crítico Raúl Antelo, no ensaio “Leitura tropológica e política do romance”, presente no livro Algaravia: discursos de nação (1998), observa que não há no comportamento do discurso histórico nada que o diferencie do “efeito do real” construído pelas narrativas ficcionais. Para ele, a oposição entre referentes imaginários da ficção e referentes reais da história perderam relevância e operatividade. História e ficção, dessa forma, “se assemelham mais do que se opõe e supõe já que como construções de linguagem, tornam a separação entre forma discursiva e matéria de interpretação indiferenciável” (1998). Ao equiparar o discurso histórico às narrativas ficcionais, no que se refere a uma simetria intra e extra-referencial que constitui as duas modalidades discursivas, o crítico retoma uma questão já discutida por um teórico como Hayden White, em “Figuring the nature of the times deceased”, ou mesmo Roland Barthes, em textos como “O discurso da história” e o “O efeito do real”. Dessa maneira, Raúl Antelo, desconstrói a cisão tradicional entre história e ficção, aproximando-se das postulações do escritor cubano José Lezama Lima, que entedia o mundo e a história como uma espécie de ficção/paisagem tecida pela imagem. Em La Expresión Americana (1988), Lezama diferencia o logos hegeliano do logos poético. Hegel via a história como um processo que conduz ao desenvolvimento. O logos poético, ao contrário, vê a história como um conjunto de imagens. Essa é uma concepção que transforma o “ser” em “imago”. Se tudo é imagem, como o sujeito pode aspirar à verdade? A questão é fundamental para Lezama: “(...) todo discurso histórico é, pela impossibilidade de reconstituir a verdade dos fatos, uma ficção, uma exposição poética, um produto necessário da imaginação do historiador” (CHIAMPI in LIMA, 1988).
No ensaio “As imagens possíveis”, Lezama adota uma concepção de mundo pautada pela imagem concebida como um absoluto, a imagem que se sabe imagem, “a imagem como a última das histórias possíveis” (1996). Visão semelhante é destacada por Guimarães Rosa, no prefácio “Aletria e Hermenêutica”, presente no livro Tutaméia, ao defender que “a estória não quer ser história” (1985). Se partirmos do pressuposto de que tanto o discurso histórico quanto a literatura são constituídos por uma rede de imagens, perceberemos que tanto a história pode iluminar a literatura, como a literatura pode injetar potência no discurso histórico. Essa perspectiva redesenha todas as relações possíveis entre a história e a literatura. Tanto uma quanto a outra não ressuscitam o passado, porém redimem, salvam um saber. A literatura sempre se interessou pela história, não apenas como um baú que lhe fornece saberes, mas como um panorama que pode ser remontado e transformado, desenhando assim novas constelações, novas narrativas, e lançando luz ou devolvendo força àquilo que chamamos de real. 

Nenhum comentário: