sexta-feira, 24 de março de 2017

"Com medo ninguém escreve"




Clarice, cuja escrita sempre rimou com coragem, lembrada por José Castello

"Poderia contar como foi recebido da primeira vez que você ligou para Clarice, dizendo que era escritor? Eu tinha uns 25 anos de idade. Um dia, pelo correio, lhe mandei um conto. “Carta a um observador romano”, ele se chama. Entre os 20 e os 30 anos, escrevi muitos contos, embora nunca os tenha publicado. Junto com meu relato, mandei meu telefone, mas nunca pensei que ela iria me ligar. Um dia o telefone toca em minha casa. “José? Aqui Clarice Lispector”, ela me disse. Eu mal consegui falar. Então, antecipando-se, ela disse, com aquela sua pronúncia cheia de erres, que atribuíam a sua origem ucraniana, mas que ela dizia ser o resultado de uma língua presa: “Li seu conto e só tenho uma coisa a lhe dizerrrr: você é um homem muito medrrrroso e com medo ninguém escrrrreve. Boa tarde”, e simplesmente desligou. Até hoje, passados 40 anos, ainda ouço com nitidez sua voz. Foi a crítica literária mais importante que já recebi."

José Castello

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