quarta-feira, 22 de março de 2017

Sobre a arte de montar uma aula


Sempre imaginei, como professor, a aula como puzzle. Aprendi com Barthes e tenho procurado exercitar tal jogo ao longo dos anos. Posso ser acusado de barroco, complexo, hermético ou doido. Assumo risco. Barroco e completo são quase sinônimos; dobras obre dobras, dobradas deleuzianamente ao infinito. Hermético é alquimista em estado de graça. Sinto-me, poeticamente, nessa brincadeira, quase um Zeus. Doido é fugir do lugar comum, já nos dizia o filósofo. Barthes escreveu um belo fragmento sobre a arte de montar uma aula:

"Colocamos casas para serem preenchidas = uma tópica (grade de lugares). Que cada um as preencha; jogo coletivo: puzzle. Eu sou o fabricante (o artesão) que corta a madeira. Vocês são os jogadores. Princípio da não-exaustividade. Irei mais longe (talvez para me inocentar). O curso ideal seria talvez aquele em que o professor -o locutor- fosse mais banal do que seus ouvintes, no qual aquilo que ele diz fosse menos do que aquilo que ele suscita. Se o curso é uma sinfonia de propostas, a proposta deve ser incompleta, caso contrário é uma posição, uma ocupação fálica do espaço ideal. O sonho: uma espécie de banalidade não-opressiva, arejada. Ou uma vaga alegoria: o Viver-Junto. Toques sucessivos: uma gota disso, um brilho daquilo. Enquanto a coisa está se fazendo, não se compreende aonde ela vai: cf. em pintura: o tachismo, o divisionismo (Seurat), o pontilhismo. Justapõem-se as cores sobre a tela em vez de misturá-las na paleta. Eu justaponho as figuras na sala de aula, em vez de misturá-las em casa, à minha mesa. A diferença é que aqui não há um quadro final: na melhor das hipóteses, caberia a vocês fazê-lo".

Barthes em Como Viver Junto

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