domingo, 14 de dezembro de 2008

FILHA DE PEIXE PEIXINHA É

Só essa imagem já vale o filme!


Um amigo me falou com atenção sobre Sofia Coppola, a herdeira de um poderoso chefão. Tal pai, tal filha, ou filha de peixe, peixinha é! Esse amigo falou muito bem de Virgens Suicidas. Assisti e gostei. Não só do roteiro, mas de outras coisas que, direta ou indiretamente, estão ligadas a ele. Depois, curioso, aluguei Maria Antonieta, que achei uma jóia tão rara como os diamantes que a digníssima de Luis XVI usava com prazer. Não sei se Maria Antonieta era tão bonita quanto Kirsten Dunst. Acho muito pouco provável, tendo em vista as imagens da rainha que sobreviveram até os dias atuais. E olha que muitas vezes os pintores reais faziam um esforço sobre-humano para melhorar seus modelos. Mas nem Debret conseguiu deixar Carlota Joaquina mais bonita. Aliás, assistindo ao filme, lembrei que tanto Luis XVI, quanto D. João VI são figuras que, segundo os biógrafos, eram medrosos e muitas vezes incapazes de satisfazer sexualmente suas mulheres. O que levava Maria Antonieta e Carlota Joaquina a alimentarem relações extra-conjugais com cavaleiros, amos, conselheiros do rei. Coppola criou uma leitura bastante subjetiva – ora, todas são! – da vida da rainha. Tal fato permite que a cineasta, ao mesmo tempo que instiga uma leitura anacrônica da história (as músicas contemporâneas são mescladas às peças clássicas da época), proponha uma des-leitura da história. Tome nota da cena em que os pés de Maria aparecem em close-up. Ela está experimentando um sapato. Ao fundo, aparece, sutil, porém retumbante, um belo all-star azul. O filme toca com "precisão" os fatos “reais”, pois qualquer tentativa de reconstrução histórica seria fracassada se não se partisse da premissa de que tudo isso é uma grande “leitura”, a história como própria ficção. O que estou querendo dizer é que não vejo com maus olhos as transgressões de Coppola. Pelo contrário, é essa provocação uma das coisas que mais me chamou a atenção no filme, ao lado de um preciosismo visual colorido e sedutor, muito diferente da maioria dos “filmes de época” que pululam no cinema americano, geralmente repletos de um cinza e de uma sisudez que quase todos imaginam ser o traço principal das “pessoas de antigamente”. Outro detalhe que chamou minha atenção é que o filme “pinta” uma Maria Antonieta muito diferente de como foi retratada pelos historiadores. Na película, que parece tocar mais de perto a realidade, - mesmo sendo ficção, ou justamente por sê-lo -, a rainha não é uma vilã que se aproveita do povo carente de pão. É apenas uma jovem sedutora que descobre os prazeres da realeza e por ela está disposta a morrer, perdendo a cabeça ou curtindo a vida adoidada.
Agora, acabo de assistir ao Encontros e Despedidas. Poderia se chamar também Delicadeza, como o filme de Jean Pierre Jeunet. Como diz um amigo, só a seqüência inicial já vale o filme. Mas é muito mais do que isso. O que os três filmes que assisti da Sofia têm em comum? O olhar feminino sobre a realidade. Não me enquadro naquele grupo que defende uma literatura ou um cinema de gêneros; Literatura gay, literatura feminina, etc. Posso estar errado, mas tudo isso me parece pura babaquice. Que sentido tem dizer que a literatura de João Gilberto Noll é gay? E daí? O que isso significa? A literatura dele é literatura e isso basta. E é fabulosa, por sinal (mas deixemos Noll pra outro dia ou para outra noite). Falo que o que há de comum entre os três filmes de Sofia é um profundo olhar feminino sobre a realidade porque as mulheres, bem mais que os homens, têm esse poder. Poderão questionar-me: “Mas e o Almodóvar, também faz isso e não é mulher!”. E quem disse que só mulheres podem lançar um olhar feminino sobre a realidade? Em Virgens Suicidas, percebemos que o universo feminino é bem mais complexo do que parece. E tal complexidade vem de berço. Em Maria Antonieta, descobrimos um personagem que pode não ser a REAL, mas que é demasiado humano. Em Encontros e Despedidas, só um homem maduro e delicado para entender uma jovem carente e delicada. Em ambos os filmes, as mulheres aparecem como sedutoras e carentes. É claro que dizer isso sobre os filmes ainda é muito pouco. Talvez fosse melhor revê-los.

c.moreira

Um comentário:

L. M. de Souza disse...

alem do que a trilha sonora quebra o canone de usar musica classica. tem musica classica no filme, mas e uma ou duas musicas. e mais uma vez, assim como no lost in translation, a coppola fez mais uma selecao pop-indie fabulosa.