segunda-feira, 18 de setembro de 2017
poema-tempo escrito depois de um satori musical
para C. Azevedo
enquanto o damasco
arma a dura pele
em seu lento madurar
e vai passando o fruto
do verde ao amarelo rubro
um monge de sobrancelhas grossas
e pés ásperos de sandália
tira com cuidado e volúpia
acordes vibrantes de uma viola escarlate
cujo som por hora faz lembrar
os ares de um solista da Orquestra Sinfônica Simon Bolívar
no mesmo minuto a léguas dali
uma eslava octogenária
com roupas coloridas
saia longa, tamanco e meia
planta repolho em um campo aberto
que antes abrigou refugiados
perto de Kiev, no norte da Ucrânia
sem saber que a filha de sua neta
nascia naquele exato momento no sul do Brasil
(uma linda criança que ela nunca viria a conhecer)
no mesmo momento em que o mouro
de sobrancelhas grossas
e pés cansados
tirava da viola escarlate
um som vibrante que traduzia
no meio do deserto
tudo aquilo que nascia e se perdia como música
em tantos e outros lugares
c.moreira
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