O homem com a câmera na mão (Dziga Vertov, 1929)
Em janeiro de 1980, alguns meses antes de sua
morte, Roland Barthes escreveu o texto “Caro Antonioni”, que seria publicado em
maio do mesmo ano nos Cahiers du Cinema. Barthes, ao comentar as
três forças que constituem o artista (vigilância – sabedoria – fragilidade),
presta uma homenagem ao cineasta de Blow-up. Gostaria aqui de fazer referência a apenas uma das virtudes abordadas, aquela que diz respeito à questão
do olhar como fator de fragilidade. Essa fragilidade, que não deixa de ser uma
virtude, está ligada à questão do tempo. O artista, segundo Barthes, nunca sabe
se a obra que propõe é produzida pela mudança do mundo ou pela mudança de sua
objetividade. Para Barthes, Antonioni tinha a consciência dessa relatividade do
tempo. Outro motivo de fragilidade seria a firmeza e a insistência de seu
olhar:
"O poder, seja qual for, por ser violência, nunca
olha; se olhasse um minuto a mais (um minuto demais), perderia sua essência de
poder. O artista, porém, pára e olha demoradamente (...). Isso é perigoso, pois
olhar por mais tempo do que o solicitado (insisto nesse suplemento de
intensidade) desarranja todas as ordens estabelecidas, sejam elas quais forem,
uma vez que, normalmente, o próprio tempo do olhar é controlado pela sociedade".
É
justamente essa capacidade de “demora do olhar” que faz do texto artístico o que ele é ou pode vir a ser. Talvez seja essa mesma demora responsável por fazer
com que aquilo que vemos também nos olhe, apontando para além de si mesmo, numa
espécie de cisão do olhar. Didi-Huberman lembra que o ato de ver não é o ato de
uma máquina de perceber o real enquanto composto de evidências tautológicas:
“Dar a ver é sempre inquietar o ver, em seu ato, em seu sujeito”. O que causa
tamanha inquietação não seria pautado necessariamente nem pela falta de
sentido, nem pelo seu excesso, mas pelo limiar entre aquilo
que vemos e aquilo que nos olha. O que faz com que Didi-Huberman recuse duas
posturas que poderíamos chamar de modalidades do olhar: uma delas é a
tautologia, em que aquilo que vemos é somente aquilo que vemos; a segunda é a
crença, em que o sentido estaria guardado, escondido, sempre em um outro lugar:
“Estamos de fato entre um diante e um dentro. E
essa desconfortável postura define toda a nossa experiência, quando se abre em
nós o que nos olha no que vemos”.
Na esteira de Walter Benjamin, Didi-Huberman credita à imagem dialética a
superação tanto da crença quanto da tautologia. Evocando Rosa, lembro que VivER É MUITO PERIGOSO.
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